A MAGIA ELETRONICA


Publicado na Folha da Manhã, domingo, 26 de maio de 1946

Neste texto foi mantida a grafia original

Uma nova ciencia, nascida da guerra, revolucionará a paz. Televisão, radio individual, aquecimento eletronico — Alteração substancial do modo de vida

Nos seculos futuros os historiadores poderão se referir ao presente estagio da historia do mundo como o principio da idade electronica, - para isso bastara que se realizem algumas das muitas profecias cientificas que estão sendo feitas pelos sabios de nosso tempo.
A ciencia electronica, —a qual abstraindo-se os detalhes tecnicos, baseia-se na valvula a vacuo usada nos radios, - já foi convenientemente desenvolvida para fins de guerra. Entre os resultados a que chegou, o Radar é certamente o mais familiar ao homem da rua.
Os resultados a que chegara para usos de paz serão tão espetaculares como o Radar. A televisão, a comunicação pessoal por meio do radio - o "radio individual", o aquecimento electronico, - tornar-se-ão elementos normais da vida cotidiana; desaparecerão para sempre as complicadas redes de fios telefonicos e telegraficos, e, finalmente, para que seja possivel o gozo de tais invenções, e graças ainda à ciencia electronica, talvez a guerra seja finalmente riscada da lista de calamidades que assolam a humanidade.

Um profeta dos tempos novos

Um dos mais entusiastas profetas da era radioelectronica de amanhã é o sr. C. B. Jolliffe, vice-presidente e encarregado dos laboratorios da Radio Corporation of America, uma organização pioneira das descobertas electronicas, e da qual sairão certamente muitos desenvolvimentos futuros.
Muito poucas industrias escaparão à influencia direta ou indireta das pesquisas electronicas, as quais, por sua vez, abrirão o campo de uma nova e imensa industria" - declarou o sr. Jolliffe.
"Se for explorado o veio da procura de produtos electronicos por parte dos consumidores, verifica-se-á uma corrida comercial ainda maior do que a produzida quando do lançamento do radio, na alvorada da radiodifusão.
"Por volta de 1920 as estações de radio revolucionaram as idéias sobre diversões, e se estabeleceram como parte da nossa vida diaria."

Revolução no modo de viver

"A televisão poderá provocar uma segunda revolução no terreno das diversões e modificar grandemente o nosso atual modo de vida." "Descobertas electronicas revolucionarão os processos industriais. O uso de novos aparelhos derivados do radio transformará a navegação aerea mudando nosso conceito sobre sua segurança e fazendo dela, graças a novos instrumentos de navegação e de comunicação, um serio competidor dos transportes terrestres.

O desenvolvimento da televisão

Sobre a televisão, que era certamente o produto mais popular da ciencia electronica, diz o sr. Jollifre que "os pesquisadores não deverão ficar satisfeitos, e certamente não ficarão, enquanto não conseguirem tornar possivel a projeção, sobre as telas de todos os lares do mundo, em figura de tamanho adequado e côr natural, de todos os acontecimentos importantes, ocorridos onde quer que seja..." Melhoramentos da presente tecnica de televisão, tais como figuras em cores reais e melhor delineadas, ou mesmo em três dimensões, serão certamente conseguidos, possivelmente dentro de poucos anos, adianta o sr. Jolliffe.

Dadiva duvidosa

Alem da televisão, terá o homem comum, a modificar-lhe a vida, cotidiana, o "radio individual", que, em alguns casos, será um verdadeiro presente de grego, pois o homem de negocios, por exemplo, poderá ser chamado de seu escritorio mesmo quando estiver gozando o que é hoje a solidão de seu automovel, ou quando estiver viajando de trem ou de avião. A esposa de um agricultor poderá conversar com o marido quando ele estiver no campo, dirigindo um trator; um mestre de obras podera de longe dar instruções aos operarios de umas construção, e um medico podera estar em continuo contacto com sua clinica. A utilidade do radio portatil e do "walkie-talkie" foi demonstrada durante a guerra, para o comando da infantaria e da artilharia, e para a coordenação do movimento dos veiculos das colunas motorizadas.

O fim dos postes de telegrafo

Quanto às comunicações telegraficas e telefonicas, que hoje dependem de um complicado sistema de fios, tambem serão simplificadas com o emprego de estações subsidiarias de radioelectronico.
Feixes de ondas dirigidas atraves do eter podem transmitir mensagens tão bem como fios, e, conforme as palavras do sr. Jolliffe: "nada tem de fantastico prever que as longas linhas telefonicas e telegraficas de hoje serão substituidas por series de torres à distancia uma da outra vinte e cinco ou quarenta milhas, cada uma equipada com pequenas estações de radio transmissoras e receptoras, que transmitirão simultaneamente dezenas de mensagens através de "raios de radio" convenientemente dirigidos. Uma linha de tais torres podera transmitir, ao mesmo tempo, mensagens telegraficas, conversas telefonicas, programas de radio e de televisão, e sua manutenção e operação custará menos que as das atuais linhas metalicas.
Como as ondas radiofonicas não necessitam suportes, isso significa que nas regiões montanhosas bastará ocupar alguns picos, e assim a necessidade de estender fios sobre rios e precipicios será eliminada. Os problemas de conservação das linhas atuais e o trabalho perigoso que exigem serão reduzidos ao minimo.

Aquecimento mais barato

Outro uso das ondas hertzianas que criará uma nova industria, será o do aquecimento electronico, cuja vantagem e possibilidade de se conseguir uma grande concentração de calor num ponto dado em tempo muito curto. Muitas coisas hoje feitas por meio do fogo, de vapor e de correntes eletricas de baixa frequencia continua ou alternada serão executas melhor, mais rapidamente e mais barato, por meio de ondas curtas.
O sr. Jolliffe cita a formação de ligas metalicas, o endurecimento de superficies, a fundição de metais e o apressamento de certos processos de produção - a secagem da penicilina, por exemplo - como aplicações, já experimentados com exito, do calor produzido pelo radio, e declara que o uso de ondas curtas modificará muitos processos industriais e afetará grandemente industrias ainda hoje fora do campo das descobertas electronicas.

Segurança aerea

A aviação comercial será grandemente beneficiada pelas descobertas electronica, que lhe darão muito maior segurança. O Radar, hoje apenas conhecido como arma de guerra, será usado para manter em seu curso os aviões e permitir-lhes perfeita aterrissagem ainda nas melhores condições de visibilidade, e tubos de vacuo tornarão mais seguro e mais preciso o manejo dos aparelhos de navegação.
"A aviação, - diz o sr. Jolliffe - deverá competir com os meios de transporte terrestres. Os aeroplanos devem poder levantar voo, voar e aterrisar em perfeita segurança, com qualquer especie de tempo. Como serviço de utilidade publica, a navegação aerea precisa respeitar horarios sem se incomodar com o clima. Aparelhos radioelectronicos, aperfeiçoados durante a guerra, tornarão isso possivel."

Poderão evitar outra guerra

Mas todas essas maravilhas dependem de uma coisa: paz - para que seja possivel prosseguir nas pesquisa, na experimentação e na manufatura de novos aparelhos. Tambem para a paz contribuirá a ciencia electronica, segundo o velho principio de que a preparação para a defesa é o melhor meio de evitar a guerra.
A guerra moderna - nota o sr. Jolliffe - "não é apenas força armada, mas tambem desenvolvimento cientifico contra desenvolvimento cientifico e tecnica de produção contra tecnica de produção... O radio e os aparelhos electronicos terão tarefas cada vez mais importantes dentro do complexo mecanismo da guerra moderna."
Chamando a atenção para o fato de que a ciencia moderna produzirá poderosos projeteis, controlados e dirigidos pelo radio, capazes de destruir a grande distancia cidades inteiras e que, portanto, defesas apropriadas têm de ser preparadas, o sr. Jolliffe acentua:
"A ciencia electronica dará sentido a essa defesas e controlará sua ação. Tudo que um ser humano possa fazer em qualquer aparelho defensivo poderá ser feito por controles electronicos instalados na superficie da terra ou em outro veiculo não exposto ao perigo."
Essas predições não são sonhos para um futuro remoto. Graças ao uso em larga escala, pelas forças armadas, de aparelhos radioeletronicos, milhares de homens e mulheres foram treinados no manejo, manutenção e reparação desses complicados controles - e muitos instrumentos e processos, que até agora só foram empregados para fins belicos, aguardam sua aplicação em fins pacificos.

A tarefa da industria

Esse uso pacifico dependerá, é claro, da inclusão dos processos electronicos nos metodos existentes, e do resultado que derem.
"A industria, - diz o sr. Jolliffe, - deve tomar a liderança no estabelecimento de metodos que formem a base do desenvolvimento de novas industrias. Essa liderança, contudo, necessitará, para atingir seu fim, do encorajamento governamental e da cooperação dos trabalhadores e consumidores.
Contudo, a tarefa mais importante é, na sua opinião, o apressamento dos planos e o desenvolvimento das pesquisas, para que os tecnicos desmobilizados não se vejam no desemprego, nem percam suas habilidades por serem forçados a aceitar colocações fora de suas especialidades.
Olhando mais longe, esse homem, que tem na ponta dos dedos os segredos dessa nova e grande ciencia, prevê que os futuros empregos "de muitos milhares de homens dependerão do emprego acertado das descobertas electronicas feitas durante a guerra, e do uso dessas descobertas pelo maior numero possivel de pessoas."

A vida na Roma antiga

Para se viver em Roma, no tempo de Augusto, era preciso ter coragem, muita coragem. Uma pessoa nervosa não resistiria aos abalos a que o cidadão romano estava sujeito. Os terremotos frequentemente sacudiam a cidade. O Tibre, periodicamente, subia, inundava, submergindo casas e arrastando homens e animais. Os incendios constantes destruiam quarteirões inteiros. E, para completar a lista das calamidades romanas, existia o permanente perigo dos desabamentos de casas.
Havia tambem outros riscos, e não menores, como, por exemplo, caminhar altas horas da noite pelas vielas escuras e desertas. Podia-se topar com os facinoras que agiam protegidos pelas trevas, ser roubado e sucumbir com um punhal atravessado à garganta. Podia-se, igualmente, encontrar um filho-de-papai rico, de regresso da orgia, ainda embriagado, com o seu bando de alegres rapazes, e precedido dos servos portadores de tochas e de lanternas. Aqui o perigo era ser vitima da brincadeira chamada sagatio, muito do gosto dos mocinhos grãfinos de então. Consistia o divertimento em agarrar o pacifico transeunte noturno, atirá-lo muitas vezes para o ar, aparando-o num manto seguro por todos. Os sustos e as emoções do pobre viandante, ora a subir como para o céu e ora a cair no manto, muito alegravam a rapaziada boemia de Roma, após as libações duma farra à maneira classica. Por essa desagradavel função de peteca passou Sancho Pança, como narra Cervantes no episodio da estalagem que D. Quixote tomou por um castelo. Cervantes não reproduz senão uma diversão já muito apreciada pelos moços afortunados da antiga Cidade Eterna. Outro perigo que o passante corria era receber o conteudo de vasos jogado de dentro das casas para as ruas, à noite.
A cidade de Roma pousava sobre barrancos e colinas. Formava-se, em geral, de ruas tortuosas e estreitas, atravancadas de quiosques. É certo que havia os belos palacios, monumentos magnificos, parques e bosques esplendidos, praças pontilhadas de estatuas de bronze, de marmore, templos e porticos ornados das mais raras obras de arte. Mas o panorama geral, a paisagem da cidade verdadeiramente do povo, mostrava um conjunto de vielas sinuosas escalando colinas, com o telhado das residencias fronteiras quase se tocando um no outro - espetaculo, em suma, nada empolgante.
As casas, altas, mal edificadas, não raro vinham abaixo, matando ou ferindo quem estivesse sob seu teto. Em toda casa se padecia do terror de morrer esmagado; as pessoas estavam sempre alertas, prontas para fugir ao menor estalo ou sinal de desmoronamento.
Os senhorios romanos eram homens de muita ganancia. Mandavam fazer casas, para alugar, com material de baixa qualidade e de pouco preço, não somente para obter maiores rendas, como tambem porque temiam empregar capital de vulto e perdê-lo inteiramente nos incendios, que ocorriam amiude. Manifestavam pouca estima pela vida dos inquilinos, porque as habitações, assim erguidas, não ofereciam nenhuma segurança.
Os pavimentos superiores das casas, bem como os telhados, eram de madeira, e as ruas estreitissimas. Isso tudo facilitava a propagação dos incendios, tão frequentes em Roma, alguns dos quais se tornaram celebres, como o que Nero mandou atear, carregando depois a culpa da hecatombe nos cristãos. E tanto foram os incendios que se acredita que o solo de Roma se ergueu com os escombros, sendo hoje mais alto.
Pelas ruas transitavam mascates, cargueiros e carros. Os mercadores gritavam os seus pregões, os almocreves berravam com os animais que conduziam. Nas oficinas rompiam as serras, batiam a bigorna nas numerosas ferrarias urbanas. Juntavam-se a isso o alarido duma multidão frenetica os gritos do poviléo disposto sempre aos tumultos, às algazarras. A cada passo o trafego se obstruia, dada a estreiteza das vias publicas; fugisse então quem tivesse ouvidos melindrosos, porque nas discussões que nasciam reboavam os palavrões mais asperos. Tal é o quadro duma rua populosa da Roma antiga.
Mas, o trafego de carroças somente era permitido à noite. Isso, acrescido das arruaças da soldadesca em folga e por vagabundos em grupos, prolongava o barulho pela noite a dentro, perturbando o sono dos pobres. Dizemos dos pobres, porque somente as casas pobres tinham quartos dando para as ruas. Nas residencias dos ricos, os dormitorios ficavam no interior dos edificios, ao abrigo do barulho noturno. Tambem aumentavam o desassossego noturno as serenatas que os apaixonados organizavam junto das casas de suas amadas. Diz-se que, tomados de paixão, não raro esses seresteiros, ajudados por amigos e parentes, ou unicamente por sua propria audacia, buscavam pela violencia penetrar nas casas e sequestrar as namoradas.
Escreve um autor que as ruas da Cidade Eterna, quando, afinal, o barulho esmorecia, assumiam um aspecto sinistro. Abundavam assaltantes; era mister que as portas fossem bem escoradas. Convinha, nessas horas lugubres, não sair de casa. Era o que faziam as pessoas prudentes.


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