ANIMAIS PARECIDOS COM O HOMEM


Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 24 de novembro de 1971

Neste texto foi mantida a grafia original


O relacionamento entre o homem e seus animais domesticos mudou rapidamente nos ultimos trinta anos nos Estados Unidos. O principal efeito dessa mudança, de acordo com uma autoridade em saude publica do estado de Dakota do Sul, é que o homem tornou-se mais semelhante ao animal, e o animal mais semelhante ao homem.
Humanizados — "É importante que o praticante de medicina animal aprenda alguma coisa sobre o comportamento normal e anormal dos seres humanos", disse o Dr. Henry Parrish, que observa um crescente relacionamento do veterinario com os negocios ligados à saúde pública.
"Por exemplo, o desgôsto prolongado de um dono por ocasião da morte de seu animal doméstico é sinal evidente de depressão.
Nesse caso, o dono deveria ser encaminhado, pelo veterinário, a um psiquiatra ou a um médico", disse o Dr. Parrish recentemente num congresso de saúde pública em Minneapolis.
"É sintomático o fato de muitos cachorros obêsos terem donos obêsos, ou, ainda, de cachorros nervosos ou superativos terem donos neuróticos", continua o Dr. Parrish, vice-presidente do departamento de saúde pública da Universidade de Dakota do Sul.
Exclusivos — "É preciso notar, ainda, que os animais domésticos atualmente, têm sua própria comida especial, suas próprias roupas, sua casa, seus lugares preferidos, seus brinquedos, seus remédios especiais, médico particular e cemitérios especiais", prossegue o dr. Parrish. "Tudo indica que estamos sofrendo um regresso ao antropomorfismo".
Além disso, as populações animais estão experimentando um sério problema de expansão populacional. Há, por exemplo, mais de 50 milhões de cachorros e gatos domésticos nos Estados Unidos.
Muitas famílias, não mais contentes com um animal doméstico, passam a manter em casa diversos dêles. A explicação do Dr. Parrish para êste fenômeno é simples: "A partir do momento em que o homem vai se isolando mais e mais de seus vizinhos, volta-se para os animais de estimação, como objetos de carinho, afeição e companhia".
Doenças mudaram — Em decorrência da natureza do relacionamento do homem com determinados animais, o padrão de certas doenças transmitidas por êsses animais mudou. Diz o Dr. Parrish: "A raiva, por exemplo, nos Estados Unidos, era antigamente transmitida ao homem pelas mordidas de cães afetados pela doença. Hoje, entretanto, verifica-se uma incidência muito maior de raiva transmitida por gambás, raposas e morcegos, nas zonas rurais. Nas áreas urbanas, verifica-se grande incidência de raiva transmitida por ratazanas, papagaios, macacos, tartarugas, coelhos e periquitos".
Indo ainda mais longe para demonstrar a humanização dos animais domésticos, diz o Dr. Parrish: "Desde que o homem é um animal superior, evoluído a partir das formas mais primárias, não seria surpreendente o fato de os animais estarem adquirindo um padrão de comportamento, de equipamento biológico —e até mesmo de doenças— mais sofisticado. Verificamos, por exemplo, o fato de muitos animais estarem desenvolvendo doenças crônicas, não transmissíveis, mais comuns à espécie humana do que às outras espécies animais".
Há poluição para todos — Afirmou ainda o Dr. Parrish que tanto o homem como seus animais domésticos estão expostos às mesmas formas de poluição e pressões ambientais. "O mesmo ar poluído é respirado tanto por homens quanto por animais. Muitos cachorros mais afeitos à dona da casa preferem alimentar-se das sobras da mesa do que da comida para cães. Desta forma, as deficiências alimentares dos donos podem perfeitamente ser assimiladas pelo animal. Com nutrição apropriada, cuidados veterinários e bom padrão de vida na casa, os animais domésticos tendem a viver mais tempo. Desta forma, vemos ainda o aparecimento em animais de estimação, de doenças características da velhice. Uma crescente incidência de arteriosclerose tem sido verificada em animais de residências e zoológicos. Também muitos casos de câncer, deficiências cardiacas, e por incrivel que pareça, muitos casos de cachorros ou gatos neuróticos, psicóticos, irascíveis, voluntariosos —enfim, com sintomas "psíquicos" inconfundíveis. E existem ainda dados curiosos: nas grandes cidades, a maior causa de morte entre cachorros adultos são os acidentes automobilísticos".
Mas existe também o outro lado da questão: de como o homem apresenta componentes animais em sua personalidade e comportamento. O Dr. Parrish diz: "Basta observar o comportamento das pessoas no trabalho, num escritório, por exemplo, para ver como observam —ainda que inconscientemente— imperativos territoriais, rituais e outros componentes de comportamento nitidamente animal".


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