A ULTIMA NOVIDADE DA RADIO-TRANSMISSÃO
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 22 de outubro de 1939
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Neste texto foi mantida a grafia original
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A
nova invenção, surgida ha poucos mezes nos Estados Unidos, já permitiu
a creação de varios diarios, transmittidos á distancia pelo radio |
A "Revista
Rotaria", que se publica em Chicago, publica, no seu numero de
outubro corrente, interessante artigo de Silas Bent, conhecido escriptor
e jornalista norte-americano, a respeito da mais recente utilização
do radio: o jornal pelo radio. Não, porém, o jornal
noticioso e falado, como têm todas as estações
difusoras. Demos, porém, a palavra ao jornalista "yankee":
No campo da imprensa diaria escreve o jornalista referido
vêm-se observando transformações importantissimas.
Dizem respeito, primordialmente, ao progresso technologico e serão,
sem duvida, causa de transtornos de ordem economica e social. Destacam-se,
entre as ultimas inovações, a invenção
do jornal em "fac-simile", transmitido pelo radio. Mediante
o novo processo de radiotransmissão, é possivel reproduzir
fielmente, á distancia, artigos, caricaturas e clichés.
Ha, já, cidades em que o leitor de jornaes póde permanecer
comodamente sentado, na sala de sua casa, e deixar que, silenciosamente,
se desenvolva, diante dos seus olhos, o jornal do dia, centimetro
por centimetro, através de uma fenda existente num pequeno
móvel de madeira.
Iniciou a publicação de um jornal desta feição
singular o diario de San Luis Misuri, "Post Dispatch". Servindo-se
de sua propria estação radio-difusora, a empresa jornalistica
mencionada começou a transmitir, em dezembro de 1938, através
de ondas de alta frequencia, uma edição especial de
seu periodico, composta de nove paginas. Cada uma dellas exige quinze
minutos para a sua transmissão. Nas residências de quinze
dos redactores do referido jornal, algumas das quaes nos suburbios
da cidade, installaram-se receptores especiaes, afim de poder ser
devidamente apreciada a efficacia da transmissão. Foi este
o primeiro jornal "visível" transmitido pelo rádio.
O "Post Dispatch" qualificou-o, em editorial, de "antevisão
dos progressos do futuro", acrescentando que "a imaginação
é levada a vislumbrar uma possivel revolução
na fórma e na technica do jornalismo tal como agora o conhecemos".
O semanario "Editor and Publisher", publicação
especializada para jornalistas e directores de jornaes, embora manifeste
a opinião de que o jornal transmitido pelo radio "guarda
mais ou menos a mesma relação, em referencia ao jornalismo
pratico, que as caravellas de Colombo, em referencia ao Normandie",
admittia, não obstante, a possibilidade de que signifique "uma
mudança capaz de sacudir o jornalismo dos pés á
cabeça".
Possivelmente a alludida mudança já se iniciou. Não
haviam passado oito dias da data em que foi publicada a nota do "Editor
and Publisher", quando importante empresa jornalistica do oeste
dos Estados Unidos iniciou a publicação, pelo radio,
de um novo jornal em fac-simile, intitulado "Radio Bee".
A redacção installou-se em Sacramento, capital do Estado
da California, e a recepção se obtinha através
de uma centena de receptores installados na citada cidade e em Fresno,
povoação do alludido Estado. Tres semanas depois de
iniciada a transmissão, transportaram-se os receptores para
novos lugares, com o objectivo de provar a qualidade da recepção,
tanto em sua parte mecanica, por assim dizer, como no que se refere
ao interesse dos leitores.
Mais ou menos ao mesmo tempo, a empresa "Transradio Press Service"
deu a conhecer os seus planos relativos á fundação
de 25 jornaes em "fac-simile", em cidades em que já
se contava com recursos economicos para levar adiante a iniciativa.
Embora o serviço de radio-difusão da "Transradio"
seja continuo, os projectados jornaes poderão ser matutinos
ou vespertinos. Os escriptorios editoriaes se installarão em
Nova York, e dahi, por telegraphia alambrica, será o jornal
transmitido ás estações radio-diffusoras das
25 cidades respectivas, para que estas, por sua vez, o transmittam
aos receptores installados nos lares dos assignantes.
Na ultima semana de março, uma das principaes empresas cinematographicas
iniciou a difusão de informações sobre seus actores
e sobre as suas producções por meio de transmissões,
em "fac-simile". O material informativo era recebido, mediante
uma tira continua de papel, em varias duzias de residencias em que
foram installados os respectivos receptores. Ao referir-se á
innovação alludida, commentava o chefe da estação
radio-diffusora encarregada da transmissão que "a radio-diffusão
de material visivel é uma nova phase no campo inesgotavel da
radio-telephonia cujas possibilidades para contribuir para
o progresso cultural, social e economico da humanidade não
têm limites".
Na exposição universal que actualmente se realiza em
Nova York, foram installados receptores do typo dos jornaes que estudamos.
Através da observação do seu funccionamento,
póde qualquer um verificar o que será esse jornal e
o que delle se póde esperar. O diario novayorkino "Herald
Tribune", com a cooperação da "Radio Corporation
of America", produz o citado jornal, cujo titulo é "Radio
Press". Suas paginas médem 8 ½ por 12 pollegadas
e a publicação é transmittida da estação
da "Radio Corporation".
Cresce, assim, o interesse por este novo typo de jornal e com
elle os signaes dos transtornos que póde crear. A empresa jornalistica
de Sacramento tomou a seu serviço, para attender aos seus novos
jornaes em "fac-simile", sete empregados addicionaes, na
maioria technicos. Mas, se a publicação de jornaes desta
natureza chegar a generalizar-se, só nos Estados Unidos ficariam
sem trabalho cerca de 150.000 operarios especializados, que prestam
seus serviços nas officinas em que se imprimem os actuaes periodicos.
Isto, sem contar que ficariam sem uso machinismos cujo valor ascende
a varios milhares de milhões de dollares, e que seriam affectadas
muitas outras actividades que têm estreita relação
com a producção e distribuição dos jornaes
que actualmente se publicam no mundo. Estes são, porém,
problemas de caracter economico, cujo estudo mereceria um artigo especial.
O certo é que se acham em estado de gestação
um novo jornalismo e uma nova industria. A Escola de Jornalismo da
Universidade de Columbia já o reconheceu e creou cursos de
reacção de noticias destinadas á transmissão
pelo radio. Os fabricantes de apparelhos receptores confiam em poder
collocar logo os referidos apparelhos ao alcance das pessôas
de recursos modestos. Quando o "Post Dispatch" fez a sua
experiencia, a "Radio Corporation of America", empresa industrial
que forneceu os apparelhos receptores, annunciou que, ao cabo de um
mez, estaria em condições de vender os mencionados apparelhos
á razão de 260 dollares cada um. Não haviam transcorrido
tres mezes quando uma empresa competidora, a "Crosley Radio Corporation"
annunciava dois typos de receptores, aos preços de 68 e de
80 dollares, respectivamente, cada um. A industria e as invenções
tomam, ás vezes, um rytmo quase vertiginoso.
Mas ainda não dissemos como o novo typo de jornal se transmitte
e é recebido. Talvez não sejam descabidas umas tantas
explicações, em linguagem mais ou menos profana, sobre
os apparelhos de que se serve a nova industria e sobre o que esses
apparelhos produzem. Antes do mais, a producção do jornal
em "fac-simile" é possivel graças aos apparelhos
que permittem a transmissão de photograhpias pelo radio, processo
este de que se serve o mundo ha algum tempo para enviar photographias
a distancia, e que não representa senão uma das 27 applicações
de que é susceptível a radiotransmissão. Para
o fim que estudamos, não só são utilizaveis as
ondas curtas, como tambem as ordinarias, e o processo não differe
muito do que se emprega para a radio-diffusão de sons. No transmissor,
o microphone é substituido por um "olho electrico"
cellula photo-electrica que amplia e transmite como
impulsos electricos, através dos transmissores ordinarios,
as variações de intensidade na luz reflectida por qualquer
"original" que se colloque á sua frente, quer se
trate da pagina de um jornal, quer da fascinante photographia de um
artista de cinema, quer de qualquer outro material graphico. O receptor
transforma novamente os citados impulsos electricos em variações
de luz. Por meio de um papel chimicamente preparado, em que a reacção
faz surgirem pequenissimos pontos negros diminutas queimaduras
é finalmente reproduzido fielmente o que o "olho
electrico" viu.
Actualmente, a transmissão se faz á razão de
um metro de material impresso, mais ou menos, por hora, mas não
ha duvida de que se obterá velocidade muito maior. Ainda não
é possivel a transmissão de imagens coloridas. Não
é dificil, entretanto, que isso seja logo conseguido, porque
ha muitos cerebros que estudam o problema sem cessar. O inventor Finch
obteve mais de sessenta patentes em relação ao que denomina
"transmissão de imagens á distancia", e ultimamente
lhe foi outorgada uma nova patente, que se relaciona com o aperfeiçoamento
do apparelho receptor do jornal em "fac-simile". Talvez
a sua proxima invenção seja a machina para fazer radio-transmissão
em cores. Tudo é possível!
Desde o inicio de sua experiencia, o "Post Dispatch" serviu-se
exclusivamente de ondas de alta frequencia. A principal vantagem desse
processo é a possibilidade de transmitir o jornal durante as
horas da tarde, sem prejudicar as transmissões ordinarias.
Além disso, permittia-lhe offerecer um serviço mais
rapido e livrar-se das interrupções da estatica. O provavel
é que, exceptuadas as regiões ruraes, os jornaes do
futuro sejam transmittidos através de ondas de alta frequencia,
embora o alcance das radio-diffusoras respectivas tenha de ficar limitado
a uma distancia de 50 a 80 kilometros.
Transcorridos sete mezes da iniciação de sua experiencia,
o "Post Dispatch" informou que havia observado, da parte
do publico, um animador interesse em favor do jornal em "fac-simile",
mas que se impunha accelerar á transmissão e dar maiores
dimensões ás paginas. Tambem exprimiu a crença
de que o referido jornal jamais tomará o lugar dos nossos jornaes
actuaes, dos quaes passará a ser apenas um complemento. O jornal
em "fac-simile" não tardará muito em por-se
ao alcance da grande maioria dos leitores de jornaes.
O artigo de Silas Brent estuda ainda alguns outros aspectos do novo
aperfeiçoamento da radio-diffusão.
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