MORTE: UMA BELA EXPERIÊNCIA

Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 6 de maio de 1971

Neste texto foi mantida a grafia original

ROCHESTER, Nova York - A morte é parte da vida e pode ser uma bela experiencia muito significativa, informou-se numa conferencia sobre a morte, organizada pelo Hospital Geral de Rochester e a Faculdade de Medicina da Universidade desta cidade.
O objetivo da conferencia foi eliminar os tabus que cercam a morte.
Reiteradamente, durante a conferencia de dois dias, os oradores destacaram a necessidade de que todos, inclusive parentes, amigos e medicos, superem seus proprios temores a respeito da morte para, desta forma, ajudar a recuperar os moribundos e em especial os medicos enfermos que, com frequencia, como declarou o professor de humanismo Huston Smitt, do Instituto Tecnologico de Massachussetts, sentem-se perplexos, consternados e atormentados quando se encontram diante da morte.
A doutora Elisabeth Kubler-Ross, que nos ultimos anos assistiu a 500 doentes moribundos na Universidade de Chicago, descreveu as quatro fases tipicas pelas quais passa um moribundo:
- Espanto e rejeição (não, isto não pode acontecer comigo!)
- Irritação e furia (por que tem que acontecer comigo?)
- Transação, geralmente com Deus (sim, eu, mas...)
- E, se tudo acontece como o ideal, aceitação do destino, o que constitui verdadeiramente uma vitoria em uma fase onde o doente nem está feliz nem infeliz diante da perspectiva de morrer.
"Isto deviam ensinar-lhe do pulpito", disse. "Deveria ser ensinado por todos os meios de comunicação... Pela Imprensa, no lar, que a morte é parte da vida, que pode ser uma experiencia muito bela e significativa."

Morte legal

O dr. Norman E. Shumway, professor cirurgião da Universidade de Stanford, tinha um paciente morto sobre sua mesa de operações. Morto segundo a velha definição de morte: o paciente não apresentava batimentos cardiacos ou o mais débil sinal de respiração. Havia só uma maquina mantendo oxigenado o sangue do morto. Mas oito horas mais tarde, êle abriu outra vez os olhos, respirou e seus ouvidos voltaram a ouvir os sons da vida.

Quem morreu e quando?

Desde 1967, quando o dr. Barnard realizou com sucesso a primeira operação de transplante cardiaco em Philip Blaiberg, os cirurgiões passaram a necessitar de uma nova e mais precisa definição de morte.
Surgia o problema de determinar em que momento, realmente, um paciente poderia ser considerado clinicamente morto. E, consequentemente, em que momento os orgãos de um doador poderiam ser retirados para ser transplantados para o receptor.
"Não existe um momento especifico da morte", explica o dr. Shumway. "Ocorre primeiro a parada no cerebro e, a seguir, todos os outros orgãos começam a morrer e posteriormente a degenerar. Mas não se pode transplantar um orgão morto. Um orgão morto não revive num organismo vivo."

Uma questão de direito

Quando é a hora correta para remover o orgão do doador? Pelo fim de 1968, algumas resoluções legais foram tomadas para que surgisse uma nova definição de morte. E tambem para que surgisse uma regulamentação legal definitiva sobre o tempo certo para a remoção dos orgãos do doador. Tudo isso ocorreu por causa da duvida legal que então se estabeleceu entre os cirurgiões sobre tirar a vida ou salvar a vida do paciente.
Os medicos geralmente concordam que, se o eletroencefalograma - ou grafico das ondas cerebrais - deixa de acusar sinais durante 48 horas, o paciente pode ser declarado legal e fisiologicamente morto. Nessas condições, mesmo que ocorram tenues batimentos cardiacos e algum sinal de respiração, o paciente está morto.
E, então, o orgão a ser transplantado pode finalmente ser retirado do doador e colocado no receptor.

Medicina de emergencia

Para determinar o tempo da morte, um periodo especifico foi fixado para a medicina de emergencia. O tempo da morte e o da danificação irreparavel do cerebro são medicamente sinonimos. Quando cessa a respiração por quatro minutos consecutivos, tem lugar o dano irreparavel do cerebro. Doadores em potencial, com ausencia de respiração por esse tempo fixado, podem então ser declarados mortos, e seus orgãos, então, podem ser removidos e transplantados para o receptor.
Sempre contando-se o tempo de ausencia de sinais no eletroencefalograma - quatro minutos.

Maquinas são poucas

A maquina pulmão-coração foi posta em pratica em 1950, e pode substituir temporariamente esses dois orgãos, mantendo o sangue oxigenado. Entretanto, essas maquinas são relativamente poucas, no mundo, para atender a todos os casos.
Ora, como agiria um medico numa situação tal que, havendo um doador morto - e, portanto, sendo necessaria a maquina para manter seu sangue oxigenado até o transplante - e um receptor à espera do orgão objeto do transplante, houvesse tambem a imperiosa necessidade de aplicar a maquina coração-pulmão a outro paciente, vivo, mas na exclusiva dependencia dessa maquina?
Quem responde é o dr. Shumway: "Os transplantes cardiacos não se justificam, a menos que o paciente não possa ser mantido vivo por outro meio clinico, quimico ou cirurgico. Pois, porquanto para o paciente essa operação signifique, hoje, tratamento, para o medico ela ainda se traduz como pesquisa. O unico tipo de paciente para o qual ela seria indispensavel seria aquele que estivesse em total incapacidade de viver, por motivos cardiacos, sendo a morte uma iminencia para êle".

Muitos morrem do coração

Theodore Cooper, diretor do Instituto Nacional do Coração, cita as significativas estatisticas segundo as quais, atualmente, ainda morrem, anualmente, nos Estados Unidos, aproximadamente 132.000 pacientes vitimados por disturbios cardiacos. E, paralelamente, existem aproximadamente 40.000 doadores em potencial, segundo os calculos mais otimistas. Isto significa que, para o paciente sem esperança, com a escassez de maquina pulmão, só restaria uma pequena chance quanto a um doador para transplante. E, feito isto, ter-se-ia de aceitar os riscos normais do transplante - onde o receptor tanto pode vencer como falhar.

Grande procura

Existe hoje uma grande procura por doadores potenciais.
Um cirurgião inglês afirmou, num encontro medico realizado na Inglaterra, em 1968: "Alguns cirurgiões ficam rodeando um moribundo como urubus, à espera de que ele morra para retirar seus orgãos para transplante".
Para eliminar os riscos de possiveis precipitações de medicos com relação ao momento da morte dos doadores, reuniu-se nos Estados Unidos, em 1968, uma conferencia nacional de legisladores, para regulamentar a materia.

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