POR QUE SOMOS CURIOSOS?
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 6 de junho de 1954
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Para muita gente, neste mundo, a bem pouco se reduzem nossos impulsos
fundamentais. Postos de lado a fome, a sede e o sexo, assim como o
mecanismo de reflexo condicionado que nos ensina a evitar as dores,
nada mais existiria para explicar, por exemplo, a curiosidade que
tanto nos caracteriza, a nós e aos macacos. Por outras palavras,
a curiosidade, essa interessante qualidade que nos leva a inspecionar
o mundo e a mexer em tudo que nos cerca, não seria um instinto,
um impulso que nascesse conosco e fizesse parte de nosso equipamento
psíquico, se assim se pode dizer, mas apenas uma consequencia
daqueles outros instintos. É evidente que tudo quanto se faça
para apurar objetivamente qual das duas correntes, isto é,
a que vê na curiosidade um instinto e a que o nega, está
com a razão, é do maximo interesse para quem gosta de
saber, para quem tenha curiosidade. Pois disso se têm na verdade
ocupado, com diligencia, alguns cientistas em dois importantes centros
de estudo psicologico dos primatas, o de Wisconsin e o de Yale. Vamos
ver algumas dessas experiencias, as quais mostram, aliás que
a curiosidade é uma qualidade independente, um instinto à
parte. Antes assim, porque essa história de nos reduzirem à
fome, sede e sexo é sempre aborrecida...
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Desmontando
trincos |
A experiência do trinco é muito simples. Colocam-se os
macacos diante de um complicado trinco, que para ser aberto exige
a remoção de umas tantas peças, em determinada
ordem: primeiro um pino, depois um gancho e finalmente uma alça.
Posto diante desse problema, o macaco passa longas horas abrindo o
trinco, sem erro, desde que o aprenda. Pode-se aos poucos complicar
o trinco que os macacos não se apertam. Rapidamente dominam
o segredo e passam a repetir a magica com pequena margem de erro.
Essas experiencias foram feitas por Harlow, de Wisconsin, e demonstram
que os macacos são capazes de resolver problemas de ordem mecanica.
E pensam os leitores que, quando acertavam, recebiam eles, qualquer
recompensa alimentar? Nada disso! Se a recebessem, não se estaria
experimentando a curiosidade, mas apenas ligando o trabalho ao interesse
alimentar. Era fundamental, pois, assegurar que os animais nada recebessem
como paga pelo exercicio certo. O proprio exercicio, com o problema
nele encerrado, deveria servir de estimulo. E que tal estimulo, isto
é, a curiosidade pura e simples funciona, ressaltou claro.
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Os
parafusos coloridos |
Outra experiencia consiste em apresentar ao macaco um quadro de madeira
com diversas argolas, algumas pintadas de uma cor, e duas de outra
cor (digamos, aquelas azuis e estas vermelhas). Acontece que as argolas
azuis são fixas, não podem ser extraidas do quadro,
ao passo que as vermelhas não passam de cabeças de parafusos,
que podem ser desenroscadas. Colocados em frente do quadro, os macacos
logo descobrem que as argolas vermelhas podem ser retiradas e a elas,
exclusivamente, passam a dirigir sua atenção. Embora,
como no caso anterior, não recebam recompensa alguma quando
acertam, aprendem a acertar pelo simples prazer de poder retirar os
parafusos e com eles brincar, brinquedo que não é outra
coisa senão examiná-los de todo jeito.
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Existe
a curiosidade |
Existe, pois, uma instintiva curiosidade, capaz de orientar as ações
dos macacos. E a oportunidade pura e simples de mexer nas coisas representa,
para os macacos, um premio capaz de, como o alimento tantas vezes
usado nas experiencias desse tipo, motivar a aprendizagem. Entendido?
Pois passemos adiante, que a historia é mais interessante.
Por meio de novas experiencias, um especialista do Yerkes Laboratory
demonstrou que os macacos preferem os objetos moveis aos fixos, e
os que fazem ruido, ou acendem luzes, aos que se mostram mudos ou
apagados. Assim, diante de uma serie de objetos, alguns dos quais
emitem som quando tocados e outros não, os macacos logo aprendem
a reconhecer os primeiros e a eles, quase exclusivamente, se dirigem.
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Até
onde chega a curiosidade |
Robert A. Butler, de quem tomamos estas notas, e que trabalha
em Wisconsin, relata uma situação curiosa, para mostrar
que a curiosidade simia é do mesmo grau que a humana. Um macaco
tinha sido posto a trabalhar numa cela ao lado daquela em que ficava
Butler, mas de modo que nem o animal visse o homem e nem este o macaco.
Roido de curiosidade para ver o que fazia o macaco, Butler fez, muito
cuidadosamente, um quase imperceptível buraco na parede. E
quando chegou o olho ao buraco, lá encontrou o do macaco! Complicou
então o dispositivo de espionagem, por meio de um espelhinho
que, indiretamente, lhe permitisse observar o animal. Pois este largou
tudo o que fazia para espiar Butler pelo mesmo espelhinho. Oh, macacos,
oh, homens! Essa experiencia sugeriu a Butler uma outra, mais complexa
e que lhe desse oportunidade de avaliar até onde ia a curiosidade
do macaco. Este era colocado dentro de uma cela na qual havia duas
portas, que abriam para o laboratorio. Através delas o macaco
podia ver os homens trabalhando no laboratorio. E não era dificil
adivinhar que o espetaculo era muito interessante para o macaco. Pois
bem, as duas portas não eram propriamente iguais, pois uma
era marcada com um cartão amarelo, e passava a ficar trancada
durante a experiencia e outra era marcada com cartão azul,
ficando aberta. Entre a porta e o macaco podia o experimentador fazer
descer uma cortina, impedindo que o macaco visse a cena ou o que quer
que fosse. Depois de umas tantas tentativas o macaco aprendia qual
a porta que se abria para o laboratorio e qual a que permanecia fechada,
e naturalmente só se dirigia para a primeira. Quando acertava
a porta, o experimentador deixava que ele passasse algum tempo espiando
o laboratorio, e depois corria a cortina. Quando errava, a cortina
era imediatamente corrida. Pois bem, o macaco sujeitava-se por um
numero verdadeiramente enorme de horas a fio a esses exercicios, colhendo
como premio apenas a possibilidade de espiar o laboratorio.
Os dados colhidos na experiencia acima, repetidas inumeras vezes por
muitos dias seguidos, não deixaram duvida quanto a curiosidade
dos macacos. Eles gostam mesmo de observar as coisas, e na curiosidade
encontram estimulo para aprender.
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