GERANDO BEBÊS EM TUBOS DE ENSAIO SEM UM HOMEM E UMA MULHER: CHEGAREMOS LÁ?

Proveta adorada, foi a ti que amei!
Proveta adorada, porque me decantei?
Dentro de ti o céu é puro,
E o tempo é sempre suave.
Ah!
Não há no mundo que nos rodeia
Outra como tudo, proveta adorada!

Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 6 de julho de 1969

Neste texto foi mantida a grafia original

(Modinha popular dos meados do Século XXI, composta em lá bemol maior, para côro e orquestra).

O que é isso? Antecipamos as musicas que serão cantadas no seculo vindouro? Estamos loucos?
Coisa nenhuma. É a ironia descrita por Aldous Huxley no seu "Admiravel Mundo Novo", que prevê a criação artificial de vida humana em provetas de laboratorios, dentro dos proximos 100 anos. Ele descreve as incubadoras, os suprimentos de ovulos (celulas sexuais da mulher) e gametas (celulas sexuais dos homens) e os processos para se obter uma pessoa ou grupo de pessoas, sem a participação fisica, direta, de um homem e de uma mulher.
Então, os cientistas do futuro seriam os responsaveis pela criação de individuos superiores (Alfas e Betas) e inferiores (Delta Gama e Ipsílon), depois de mergulhar ovulos considerados perfeitos num liquido onde nadam espermatozóides, "à concentração minima de cem mil por centimetro cubico", para a fertilização.

Não estamos longe disso

As mulheres, em breve, deixarão de gerar bebês. Os governos também não gastarão mais dinheiro na construção de maternidades. Boas noticias para ambos. Os centros de incubação serão os pais das futuras gerações humanas.
Tudo começou seriamente quando os drs. John Rock, da Universidadse de Harward, e Landrum B. Shettles, do Hospital Presbiteriano de Columbia (Nova York), desenvolveram embriões humanos in vitro (em provetas - tubos de vidro), embora nenhum tivesse vivido mais que uma semana.
Na Italia, o dr. Daniele Petrucci colocou ovulos maduros dentro de um tubo de vidro, fertilizando-os, e desenvolveu um embrião que viveu 57 dias.
Essas dificuldades, proprias das primeiras experiencias, deverão ser, daqui a pouco, vencidas, quando o dr. Kermit Krantz e sua equipe, da Universidade de Kansas (EUA), concluirem e revelarem seus estudos sobre a função da placenta humana. A idéia é construir um utero artificial semelhante ao construido pelo dr. Robert Goodlin, em Stanford (California), porem mais aperfeiçoado. Nele, o feto será mergulhado numa solução salinica oxigenada, enquanto uma grande pressão força o oxigenio a penetrar na sua pele. Maquinas como essas são as precursoras de outras que tornarão a maternidade um simbolo do passado.

Quantos Pelés ou Hitlers se precisa?

Duzias de gêmeos identicos, isto é o que produzirá o mundo do futuro. Não mais dois ou três como nestes tempos de reprodução vivipara, em que concorrem um homem e uma mulher. Os ovulos poderão ser repartidos entre oito e noventa e seis pedaços, cada um encarregado de gerar um embrião.
Os governantes é que dirão quantos Chaplins, Stalins, James Bonds, De Gaulles, Josés da Silva, Caetanos Velosos e Von Brauns serão precisos. Este processo de produzir homens em series pode ter começado nas experiencias feitas com cenouras, em 1963, pelo prof. F. C. Stwart na Universidade de Cornell (EUA). Ele retirou células da raiz de uma cenoura, emergiu-as num liquido contendo varios ingredientes inusitados, entre eles a água de coco. Girando lentamente esta mistura dentro de um tubo, depois de duas semanas viu que muita massa estava nascendo das células da cenoura. Fazendo novas experiencias, o prof. Stwart obteve raizes, monstros e botões aigantados. Depois, reuniu esse material e cultivou-o na terra. Resultado: Cenouras normais como a primeira.
Em Oxford, na Inglaterra, um cientista de 35 anos, J. B. Gurdon, entusiasmou-se com a idéia de fazer homens em serie, todos iguais. Removeu celulas do intestino de uma rã e, usando delicados instrumentos cirurgicos, fecundou com elas os ovulos da mesma rã. Resultado: a rã "virgem" deu à luz um filhote com suas mesmas caracteristicas. Com as experiencias seguintes, Gurdon conseguiu produzir varias copias de sapinhos rigorosamente iguais.

Inseminação artificial

O primeiro passo à procriação sem o ato sexual foi a inseminação artificial. Utilizando este processo é que muitas mulheres norte-americanas dão à luz 10 mil saudaveis bebês, por ano. O processo compreende a extração de espermatozoides de machos geneticamente desejaveis, congelando-os e armazenando-os em muitos casos. Estas são depois introduzidas na femea por meio de uma seringa de injeção, durante o periodo de ovulação. Nos Estados Unidos, existem hoje muitos bancos de esperma e o falecido dr. H. J. Muller, da Universidade de Indiana, já chamou a atenção do país para a necessidade de um sistema de catalogação do esperma.

Escolha o pai do seu filho (?)

Isso significa que as mulheres poderão ter filhos de quem quiser, bastando para isso procurar o banco de esperma e escolher o pai do seu filho, um homem que tenha se distinguido na vida por meritos fisicos ou intelectuais. A dra. Sofia Kleegman, da Universidade de Nova York, é uma das que praticam a inseminação artificial. Ela mantem em segredo o nome dos doadores, mas só procura homens ferteis, com alto Q. I. (Quociente de Inteligencia), que produzem esperma, cobrando 25 dolares a dose (ejaculação).
Dentro de algum tempo, quando homens bonitos e inteligentes compreenderem a causa do melhoramento genetica a que a inseminação artificial se propõe, por certo doarão seu esperma com toda boa-vontade. E assim as mulheres poderão escolher entre ter um filho de Paul Newman, Marcelo Mastroiani ou James Lovell, o astronauta.

O segredo é premio Nobel

O segredo, a base de todas essas profecias, parece estar sendo desvendado. A produção artificial da primeira enzima, substancia organica que parece conhecer as regras do jogo da vida, é o primeiro degrau de uma "escalada" em busca das nossas origens. As enzimas, "esses catalizadores naturais", segundo os drs. Hirschmann, Merrifield, Denkewalter e Gutte - ganhadores do Premio Nobel de Quimica do ano passado - são os agentes que permitem e orientam milhões de reações quimicas que se desenvolvem nos organismos vivos: alimentação das celulas, produção de energia, construção de tecidos, ossos, musculos e hormonios - e outras enzimas.
Foram dezoito meses de intensa pesquisa que fizeram esses quatro cientistas - trabalhando independentemente dois-a-dois: Gutte e Merrifield, na Rockefeller University, e Herschmann e Denkewalter, nos laboratorios da Merck Sharp & Dohme (Nova York) - chegar à síntese da ribonuclease (RNase). A RNase atua sobre o ácido ribonucleico (RNA), que, segundo os biologistas, é o "codigo da vida". O RNA é quem informa às células como e que proteinas devem fabricar para sua alimentação. A RNase destrói o RNA depois que êle transmite seu codigo à celula. A RNase é a enzima.

Bestiario

Os cientistas prevêem a possibilidade de uma mistura do genes humano com o animal, dando origem a uma especie para-humana de "escravos" para fazer o trabalho pesado.

Homo sapiens ou homo biologicus?

Tantas experiencias de inseminação artificial, produção de vida em proveta de laboratorios, homens-animais. Que futuro aguarda um passado de mais de sete mil anos de civilização e essa busca obstinada à felicidade humana? Afinal, o homem é um fim ou um meio?
O eminente sábio francês Jean Rostand diz que o Homo Sapiens está se tornando o Homo biologicus.

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