FALA EINSTEIN SOBRE O FUTURO DA HUMANIDADE

"Estou convencido de que a unica maneira de salvar a paz no mundo será a fundação de uma organização mundial federalista"

Armas para a futura guerra: esterilização da terra e eliminação da camada atmosferica que cobre o globo

Entendimentos entre leigos e cientistas e causas da atrofia que ataca os academicos

Publicado na Folha da Manhã, sexta-feira, 4 de março de 1949

Neste texto foi mantida a grafia original

- As pequenas nações podem salvar o mundo - diz Albert Einstein.
- Posso divulgar? pergunta o jornalista.
- Sim, sim; nunca será demasiado repeti-lo.
- Poderia explicar e ampliar a sua idéa?
- Não estou dando uma entrevista, mas, naturalmente, respondo às suas perguntas.
- Nesse caso, queria perguntar-lhe, como seria isso possivel?
"As pequenas nações podem salvar o mundo" - comentou o famoso cientista Albert Einstein no decorrer da palestra que com ele mantivemos.
"Pode divulgar o que estou afirmando a respeito, embora não esteja, precisamente, concedendo uma entrevista. Não me furtarei, no entanto, a responder às perguntas que me formular."

Aproveitando o ensejo, quisemos conhecer seu ponto de vista a proposito do assunto.
- "As pequenas nações - esclareceu Albert Einstein - têm o encargo de representar a objetividade, papel que, parece, as grandes nações são incapazes de desenvolver atualmente. Os mentores das pequenas nações, seguidos dos seus povos, têm de aparecer e criticar sem subterfugios ou apoiar um ou outro dos grandes, duma maneira imparcial e objetiva, tendo em vista o interesse da humanidade. E podem-no fazer desinteressadamente, porque não têm veleidades de dominio. Podem deixar de vender as suas opiniões sem nenhum risco, porque sua sorte não depende do fato de serem partidarios de um ou outro lado, ou ainda de se manterem equidistantes. Mas a sorte do mundo pode mudar, se alguem for capaz de apresentar um ponto de vista equilibrado, são, porque é disso que o mundo precisa neste momento. Os grandes tambem têm interesses em conhecer este ponto de vista, apesar de toda a exaltação da propaganda.
"O mundo ouve, muitas vezes, a opinião das pequenas nações, mesmo que estas não se apercebam disso, em parte devido à sua posição cultural, em parte ao fato de ser desinteressada. Esta circunstancia confere-lhes, posição de grande importancia e responsabilidade. Seu grande encargo estende-se, não só às discussões de ordem geral, mas, tambem, às situações do momento".

Possibilidade de uma nova guerra

Abordando, a nosso pedido, um dos problemas mais em evidencia na atualidade, qual seja o de uma nova conflagração, considerou Albert Einstein:
"Acho que uma nova guerra não está tão proxima como se afigura. Mas, se o acontecimentos continuarem a desenvolver-se como atualmente, então estamos escorregando para ela. Não sei de quanto tempo ainda podemos dispor na realização de tentativas para a evitar. Ser não estivermos, porem, bem despertos e firmemente dispostos a tentar evitá-la, então teremos a catastrofe.
"As novas armas serão os meios biologicos (esterilização da terra); meios climatologicos (tentativa de eliminação da camada atmosferica protetora da terra contra os raios do universo que a podem destruir); meios bacteriologicos, que são horriveis (levam à extinção completa, total); e, finalmente, a energia nuclear, ou sejam, as bombas atomicas, cuja fabricação atual as fornece mais eficientes ainda e que estarão à disposição das grandes potencias. Basta lembrarmo-nos de que uma delas, das primeiras fabricadas, foi decisiva em Irochima".
- Existe alguma arma mais perigosa que a bomba atomica?
- "Não devemos raciocinar em termos de indagar quais as armas mais perigosas: atualmente a guerra já não é luta pelo poder, mas suicidio mutuo.
"Uma nova guerra mundial significa a extinção da cultura do homem, de momento, pelo menos, em parte. De qualquer modo significa a destruição total depois de algum tempo. O primeiro momento estabeleceria uma serie de explosões, às quais a cultura humana não poderia sobreviver. Quero dizer: encetariamos um caminho donde não poderiamos retroceder e que conduz ao desaparecimento completo".
"Não há nenhum motivo para fazer a guerra, sob o ponto de vista racional. Todas as nações são favoraveis à paz. Uma vitoria numa guerra, hoje, com as novas armas, seria igual a uma derrota. O perigo consiste em que - até nestes assuntos em que a visão ampla e a analise fria é uma necessidade vital - os homens reagem com os sentidos e não com a razão, com o raciocinio".

O problema de Berlim

"Este problema pode ser resolvido. Deve ser encontrada qualquer formula, tal como uma revisão de fronteiras, ou qualquer outra; a unica condição é a boa vontade. Na realidade não existe antagonismo entre os EUA e a U.R.S.S. A tensão é devida ao medo: desconfiança produz desconfiança. A Russia tem algumas razões para descontar; o ocidente desprezou algumas propostas positivas da Russia e nós temos de lhe proporcionar base para o restabelecimento dessa confiança. As democracias têm ainda de estudar e resolver os problemas dos desocupados e da superprodução, de modo que, automaticamente, não se agravem e se expandam. É necessario dar razão à Russia, quando ela tem razão; temos de encarar os problemas segundo a perspectiva deles e tambem temos de reconhecer que eles alcançaram coisas que nós não temos; organizaram uma certa forma de segurança para o individuo.
"Não me parece possivel que um equilibrio entre grupos de nações consiga evitar a catastrofe. O estabelecimento de contactos mutuos entre as nações em arranjos internacionais originam estruturas supernacionais que são, em germe, a guerra, e que explodirão numa guerra aberta. Estou absolutamente convencido de que a unica maneira de salvar a paz, e com ela a humanidade, será a fundação de uma Organização Mundial Federalista. Esta Organização não significa maior intromissão nos negocios internos de cada nação do que as ameaças latentes que atualmente pairam sobre elas. Só esta Organização seria capaz de resolver todos os problemas pendentes: a distribuição de viveres, por exemplo, seria muito mais facil de organizar".
- Acha que a Russia aderiria?
- "Porque não, desde que esta Organização fosse instituida abertamente e sem subterfugios? O mundo deve compreender a situação claramente - e todos os problemas se resolverão lealmente por meio de um governo de todas as nações munido de lei internacional apoiada na força.
"Cada dia que passa aumenta o numero de pessoas que estão chegando a esta mesma conclusão, como vimos no caso do livro Cruzada na Europa do grande general americano Eisenhower."

Concepção do mundo pelo homem da rua

- "Na realidade não há entre nós um abismo. Os cientistas também são homens da rua. A ciencia é somente sublimação do pensamento humano na sua generalidade. De fato, o leigo está mais perto do cientista do que o academico que sabe a ciencia tradicional e que pensa de acordo com os costumes; não existe diferença entre um leigo e um devoto da ciencia, mas sim, entre aqueles que são capazes de pensar com independencia e aqueles em que esta faculdade foi atrofiada.
"As causas da atrofia nos academicos são as igrejas, as universidades, as instituições de ensino e, finalmente, todos os organismos que formam e moldam mentalidades em vez de as desenvolver. Não se devem aceitar piamente as informações sem as analisar. A maneira de ensinar é trabalhar em conjunto, para que depois os alunos possam aprender com autonomia. O poder de recepção analitica acaba por ser estrangulado por todas as tradições, as repetições de idéias cristalizadas e os habitos mentais de todos esses velhos... esses velhos como eu...
"São este habitos mentais que tornam o homem tão incapaz de ver livremente o problema mundial e de organizar um governo de conjunto para a solução dos problemas internacionais. Esta organização não pode ser abandonada à iniciativa dos governos: será alcançada quando os povos tiverem uma vontade firme e ativa, porque é renovação radical de todas as antiquadas tradições politicas. Os individuos é que tem de ser os promotores: você, eu, cada um de nós temos uma responsabilidade nestes anos, porque a idéia terá de ser levada aos poucos e com grande esforço. Ninguem pode saber qual a importancia do que estiver realizando em relação a este empreendimento.
"A compreensão e a vontade de resolver o problema estão-se generalizando. Acredito na influencia de um individuo sobre outro e acredito no processo de sequencia e encadeamento entre os homens. As pequenas nações imparciais e os individuos esclarecidos e equilibrados podem salvar o mundo, caso queiram aceitar este encargo."

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