INFARTOS TÊM HORA MAIS PROVÁVEL PARA OCORRER


Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 23 de novembro de 1998

JOSÉ REIS
especial para a Folha

Interessantes observações estatísticas sobre a hora de ocorrência do infarto do miocárdio foram coletadas por Gina Kolata em "Science" (232, 417). Refere-se ela a dados obtidos por J. Muller, que mostram a tendência muito maior para ocorrência do infarto por volta das 9h, registrando-se às 23h a frequência mínima.
Notou-se ainda que semelhante tendência ocorria em relação a outros fenômenos ligados ao sistema cardiovascular, como acidentes vasculares cerebrais, angina e morte súbita. Por outro lado, não se observava tal correlação com outras doenças examinadas.
Para explicar a frequência matinal sugeriu-se a possibilidade de as pessoas só acusarem os ataques quando acordavam, podendo eles ter ocorrido enquanto os pacientes dormiam. Havia, porém, um meio de apurar esse fato. É que quatro horas depois da manifestação do infarto aparece no sangue uma enzima, a creatina cinase. Examinando a concentração da enzima nos pacientes, cujos dados estavam todos arquivados, verificou-se que o processo começava mesmo às 9h. Em 14 trabalhos publicados em jornais de pouca expressão, Muller encontrou a mesma ocorrência do infarto às 9h. Consultando os arquivos, Muller verificou ainda que os dados relativos aos derrames eram ainda mais expressivos que os relativos ao infarto. A incidência dos acidentes cerebrais era máxima entre 8h e 9 h e mínima entre 3h e 4h.
Animado por esses fatos, P. Ludmer tratou de determinar o tempo de ocorrência da morte súbita e descobriu que ela era duas vezes mais frequente às 9h que às 17h, quando atingia o mínimo. Por sua vez, M. Rocco examinou o horário do acidente isquêmico transitório, que ocorre quase sempre sem sintomas notados pelo paciente. A maioria desses acidentes ocorria uma a duas horas após o despertar.
Há o máximo interesse em apurar por que os acidentes vasculares tendem a ocorrer pela manhã. Um dos aspectos que mais interessa é descobrir por que a doença vascular crônica repentinamente se converte em aguda. Cientistas estudaram os ritmos circadianos, que revelam alterações na produção de hormônios e outras substâncias de manhã. Sabe-se que a frequência cardíaca e a pressão arterial mudam pela manhã. Existem ritmos circadianos na agregação das plaquetas e na resposta à heparina, que previne essa agregação.
As plaquetas são muito mais aderentes pela manhã, mais propensas a provocar coágulos nesse período. E a tendência maior para a coagulação não explicaria os casos de isquemia. Rocco apelou então para a ação das catecolaminas, cuja secreção aumenta pela manhã.
Os especialistas julgam mais difícil explicar o horário dos acidentes cerebrais, nos quais intervêm outros fatores além de coágulos. Rocco acha que já é possível tirar conclusões sobre o uso de remédios. Talvez fosse melhor tomar as drogas de ação rápida (nitrogolicerina, bloqueadores do cálcio etc.) nas primeiras horas da manhã e as de ação lenta ao deitar-se. Mas são especulações. Para a aceitação geral, é preciso que dados como os de Muller se repitam em outras populações e condições. Esperemos, pois, pelas verificações.


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