JOSÉ REIS
especial para a Folha
Interessantes
observações estatísticas sobre a hora de ocorrência
do infarto do miocárdio foram coletadas por Gina Kolata em
"Science" (232, 417). Refere-se ela a dados obtidos por
J. Muller, que mostram a tendência muito maior para ocorrência
do infarto por volta das 9h, registrando-se às 23h a frequência
mínima.
Notou-se ainda que semelhante tendência ocorria em relação
a outros fenômenos ligados ao sistema cardiovascular, como
acidentes vasculares cerebrais, angina e morte súbita. Por
outro lado, não se observava tal correlação
com outras doenças examinadas.
Para explicar a frequência matinal sugeriu-se a possibilidade
de as pessoas só acusarem os ataques quando acordavam, podendo
eles ter ocorrido enquanto os pacientes dormiam. Havia, porém,
um meio de apurar esse fato. É que quatro horas depois da
manifestação do infarto aparece no sangue uma enzima,
a creatina cinase. Examinando a concentração da enzima
nos pacientes, cujos dados estavam todos arquivados, verificou-se
que o processo começava mesmo às 9h. Em 14 trabalhos
publicados em jornais de pouca expressão, Muller encontrou
a mesma ocorrência do infarto às 9h. Consultando os
arquivos, Muller verificou ainda que os dados relativos aos derrames
eram ainda mais expressivos que os relativos ao infarto. A incidência
dos acidentes cerebrais era máxima entre 8h e 9 h e mínima
entre 3h e 4h.
Animado por esses fatos, P. Ludmer tratou de determinar o tempo
de ocorrência da morte súbita e descobriu que ela era
duas vezes mais frequente às 9h que às 17h, quando
atingia o mínimo. Por sua vez, M. Rocco examinou o horário
do acidente isquêmico transitório, que ocorre quase
sempre sem sintomas notados pelo paciente. A maioria desses acidentes
ocorria uma a duas horas após o despertar.
Há o máximo interesse em apurar por que os acidentes
vasculares tendem a ocorrer pela manhã. Um dos aspectos que
mais interessa é descobrir por que a doença vascular
crônica repentinamente se converte em aguda. Cientistas estudaram
os ritmos circadianos, que revelam alterações na produção
de hormônios e outras substâncias de manhã. Sabe-se
que a frequência cardíaca e a pressão arterial
mudam pela manhã. Existem ritmos circadianos na agregação
das plaquetas e na resposta à heparina, que previne essa
agregação.
As plaquetas são muito mais aderentes pela manhã,
mais propensas a provocar coágulos nesse período.
E a tendência maior para a coagulação não
explicaria os casos de isquemia. Rocco apelou então para
a ação das catecolaminas, cuja secreção
aumenta pela manhã.
Os especialistas julgam mais difícil explicar o horário
dos acidentes cerebrais, nos quais intervêm outros fatores
além de coágulos. Rocco acha que já é
possível tirar conclusões sobre o uso de remédios.
Talvez fosse melhor tomar as drogas de ação rápida
(nitrogolicerina, bloqueadores do cálcio etc.) nas primeiras
horas da manhã e as de ação lenta ao deitar-se.
Mas são especulações. Para a aceitação
geral, é preciso que dados como os de Muller se repitam em
outras populações e condições. Esperemos,
pois, pelas verificações.
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