GENÉTICA PRODUZ CAMUNDONGOS TARADOS


Ironicamente, a falta da 'molécula da ereção' no cérebro, chamada óxido nítrico, aumenta apetite sexual

Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 1995

RICARDO BONALUME NETO
Especial para a Folha


O tarado produzido em laboratório tornou-se realidade graças a pesquisas feitas nos EUA e publicadas hoje na revista "Nature".
Sem óxido nítrico no cérebro, camundongos se tornaram muito mais violentos e com apetite sexual insaciável. Os bichos pertencem a um grupo do qual os pesquisadores retiraram o gene que codifica a enzima necessária para a produção dessa substância. A enzima se chama sintase de óxido nítrico neuronal (conhecida pela sigla nNOS).
Os cientistas dizem que essas são "as primeiras provas" do papel, em comportamentos sociais, que teriam os neurônios (células nervosas) da nNOS. Isto é, foi descoberto um vínculo claro entre um comportamento e a genética.
O óxido nítrico ou de nitrogênio é uma molécula simples, simbolizada pelas letras NO. Essa molécula pode agir no organismo como vasodilatadora, servir de agente citotóxico (que mata células) ou ter um papel nas mensagens entre células nervosas.
O NO já ganhou o título de "molécula" do ano da revista científica americana "Science", devido à grande quantidade de trabalhos científicos a seu respeito.
Foi na mesma revista que cientistas da Universidade Johns Hopkins (EUA) mostraram um lado inusitado do NO: "mediador fisiológico da função eréctil". Foi o que bastou para esse óxido ser apelidado de "molécula da ereção". Ironicamente, sua ausência no cérebro tornou animais tarados.
O NO normalmente existe em altas densidades em regiões do cérebro responsáveis pela regulação de emoções.
A equipe de sete pesquisadores, liderada por Solomon Snyder, costumava colocar grupos de cinco camundongos sem o gene da nNOS em uma mesma gaiola. De manhã, geralmente havia um ou dois bichos mortos.
Para estudar melhor o que estava acontecendo, eles fizeram estudos do tipo "intruso-residente", colocando camundongos nas gaiolas de outros e vendo a reação dos que lá residiam. Foram usados bichos sem o gene da enzima (nNOS negativos) e outros normais.
"Os residentes nNOS negativos mostram 3 a 4 vezes mais encontros agressivos do que os residentes de tipo selvagem", dizem os pesquisadores. Os camundongos sem a enzima também iniciavam em média 87% dos ataques -caracterizados por mordidas e lutas.
Os animais sem a enzima mostraram comportamento sexual acima da média. Nos primeiros 15 minutos após serem apresentados às fêmeas, tanto eles como os camundongos normais montavam nas parceiras com a mesma intensidade. Mas sete a oito horas depois do primeiro contato com as fêmeas, os bichos sem a enzima continuavam montando nas fêmeas cerca de duas a três vezes mais que os outros. Persistiam no assédio sexual mesmo com elas mostrando desinteresse ou reclamando das atenções.
Eles checaram outros fatores que poderiam afetar o comportamento, como nível do hormônio masculino testosterona. E concluíram que os tarados surgiram de fato graças à ausência da enzima.


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