VIDA COMEÇOU HÁ 3 BILHÕES DE ANOS


Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 23 de julho de 1988

JOSÉ REIS
Especial para Folha

O encontro de estromatólitos do período Arqueano na África do Sul por G. R. Byerly e colaboradores ("Nature", 319,489) vem reforçar a hipótese de que há mais de 3 bilhões de anos a vida já se achava diversificada na Terra.
O período Arqueano pertence à era Azóica ou Primitiva, a primeira na idade da Terra. Durante muito tempo se pensou que nela não houvesse vida, mas depois se passou a admitir a existência, no Arqueano, de fósseis rudimentares correspondentes a algas cianofíceas e bactérias.
Estromatólitos são estruturas laminadas, formadas de camadas supostamente correspondentes àquelas algas. Acredita-se que eles sejam de natureza sedimentária e produzidos por comunidades de micróbios foto-sensíveis que aprisionam e ligam o sedimento. Esses micróbios podem às vezes produzir estruturas lamelares, formando domos e colunas cujo tamanho atinge centímetros e metros.
Não sabemos se no Arqueano Superior existiam cianobactérias, mas os estromatólitos fazem supor, segundo S. M. Awramik na mesma revista (pág. 446), que micróbios dotados da capacidade de formar aquelas estruturas já haviam conseguido viver em águas rasas e agitadas e tirar partido do sedimento e da luz solar.
Os estromatólitos descritos por Byerly não são os primeiros registrados no Arqueano Superior. São, todavia, os mais bem conservados até hoje identificados e os que mais convencem quanto a sua origem microbiana. As rochas em que foram encontrados datam de 3,3 a 3,5 bilhões de anos.

Lenta evolução

Antes da descoberta desses antigos estromatólitos pensava-se que a história inicial da vida na Terra consiste em uma lenta evolução de organismos procariotas, isto é, de núcleo difuso, que teriam levado 2 bilhões de anos para lentamente atingir a fase eucariótica (núcleos celulares bem delimitados). Mais 800 milhões de anos teriam decorrido até o aparecimento dos primeiros animais.
Mas na década de 60, H.D. Pflug, J. W. Schopf e M. R. Walter provocaram grande celeuma com o anúncio da descoberta de microfósseis esferoidais isolados em um tipo de sílex na África do Sul. Eles interpretaram essas estruturas como bactérias.

Descobertas

Existem ainda dúvidas quanto à natureza microbiana dessas formações, razão pela qual muitos falam em "fósseis dúbios". Quando anunciados, eles dilatariam de 1 bilhão de anos o aparecimento da vida. A essa descoberta outras se seguiram, mais convincentes e do mesmo tipo esferoidal, como ocorreu com M. D. Muir e P. R. Grant, em 1976.
No ano seguinte, A. A. Knoll e E.S. Barghoorn descreviam díades, ou pares de esférulas, o que sugeria que esses supostos micróbios se reproduzissem por duvisão binária. Essa descoberta reforçava a probabilidade de tais microfósseis serem de natureza viva.
Em 1980, apareceram comunicados de D. R. Lowe e de M. R. Walter e colaboradores sobre o encontro de estromatólitos em formação de 3,4 a 3,5 bilhões de anos (Pilbara, Austrália). Eles indicam maior grau de diferenciação biológica que as esferas isoladas. A natureza biológica desses estromatólitos foi todavia contestada, pois neles não se encontraram diretamente os fósseis das cianobactérias e foi possível explicar sua formação por meios indiretos.
Mas em 1983, S. M. Awramik e colaboradores descobriram fósseis microbianos filamentosos no sílex de Warrawoona (bloco de Pilbara). Os filamentos fósseis tubulares sugerem que no Arqueano Superior já se desenvolvera essa característica muito bem sucedida de formação de estromatólitos.

Precisão

A mais recente descoberta nesse terreno é todavia a de Byerly e colaboradores. O que a distingue das anteriores é a excelência da conservação do material e a precisa definição de suas partes estruturais, além da semelhança com estromatolitos de épocas posteriores, de 2,5 a 1,6 bilhões de anos.
De um modo geral, podemos concluir que há 3,5 bilhões de anos teriam evoluido micróbios de hábitos bênticos (habitantes do fundo do mar) durante todo o seu ciclo vital. Esses micróbios deviam ainda ser foto-autotróficos, realizadores da fotossíntese. Não foi, portanto, a história do Precambriano, a de uma flora microbiana que lentamente aumentou de diversidade e complexidade até o aparecimento dos eucariotas.
Os estromatólitos referidos revelam que há 3,3 ou 3,5 bilhões de anos já existia vida microbiana diferenciada na Terra, parte da qual organizada em ecossistemas. A diversificação da vida deve ter sido muito rápida e expansiva, tendo suas formas ocupado todas as zonas ecológicas habitáveis. É a obervação final de Awramik, cujo artigo muito nos inspirou.

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