ELIZABETH BLACKWEEL, A PRIMEIRA MEDICA


Publicado na Folha da Manhã - domingo, 18 de julho de 1954

Neste texto foi mantida a grafia original

Grandes foram os obstaculos que precisou enfrentar para sobrepor-se aos preconceitos da epoca - finalmente, teve seu ideal realizado


Tinha vinte e seis anos, cabelos encaracolados, queixo proeminente, classificado como voluntarioso e usava chapeuzinho-toca. Chamava-se Elizabeth Blackwell e nada menos que doze vezes solicitou permissão para seguir os cursos de medicina no Genova College, no Estado de Nova York e doze vezes foi-lhe recusada permissão. Finalmente na decima terceira foi admitida. Ingressou naquela escola no outono de 1847.
Foi verdadeiro acontecimento para o Genova College. Uma jovem nos bancos do anfiteatro. Todos os estudantes queriam sentar-se ao seu lado e queriam conquistá-la. Os professores mordiam os labios e gente de bem da cidade virava o rosto quando se encontravam na rua com aquela "desavergonhada", com aquela "criatura sem pudor" que pretendia iniciar-se como os homens nas realidades tão brutais da enfermidade e dos corpos humanos.
Elizabeth Blackwell não tomou em conta as pretensões dos companheiros, desarmou os professores tirando as melhores notas nos exames e deu zero à opinião publica.
Se bem que três anos depois abandonasse a faculdade com seu diploma, nem por isso podia considerar-se com a batalha ganha. Quando quis exercer sua profissão, ninguém lhe deu credito, ninguem a chamou. Ela havia acariciado a esperança de especializar-se em cirurgias, mas nenhum hospital norte-americano quis ajudá-la em seus quadros.
Já que em sua terra nada conseguia, entrou pela porta ampla do Atlântico e desembarcou em Paris. Mais guerra a esperava lá. Paris não aceitava seu diploma americano e a convidou, diplomaticamente, a inscrever-se na maternidade para seguir o curso de parteira.
Estava resolvida a lutar mais e mais, quando encontrou Hippolyt Blot que estava enamoradissimo dela. Fundar um lar, criar filhos ao lado de um marido que a amava ternamente não era muito mais simples, mais comodo para seu coração já tão dolorido pelos sucessivos ataques que lhe dirigiram? Mas Elizabeth empregou toda a sua energia para recusar o sonho demasiadamente sedutor e elegeu o caminho mais dificil.
Com o novo diploma voltou aos Estados Unidos, juntou dinheiro e comprou uma casa em cuja porta colocou formosa placa que dizia: ELIZABETH BLACKWELL, doutora em medicina. E esperou.
Para tornar mais facil a espera, realizou algumas conferencias sobre higiene, alimentação, as causas da tuberculose e o resultado foi imediato: todos ficaram impressionados. Algumas damas cariocas foram em grupo propor-lhe a fundação de um dispensario em um bairro popular. Entretanto, se as mulheres foram as primeiras a compreender o sentido da experiencia tentada por Miss Blackwell, os companheiros masculinos foram os ultimos a aceitá-la. Embora jovem ela precisou vencer quantidade enormes de dificuldades antes de realizar seu sonho: fundar um hospital para mulheres e crianças em que todo o quadro, desde medicos até os varredores fossem elementos femininos; alem disso, um hospital em que os estudantes pudessem preparar-se melhor para a pratica da medicina. Durante seis anos desesperou-se para realizar este plano.

Influencia do reporter

De repente a situação virou e os ventos sopraram a seu favor, simplesmente porque um reporter curioso e inteligente resolveu entrevistá-la. Foi assim que da noite para o dia a imprensa a tornou famosa. O dinheiro começou a chegar de todos os lados. Em maio de 1857, Miss Backwell abria seu hospital que continua existindo até hoje.
Morreu ela em maio de 1910, aos oitenta e nove anos. Morreu sorrindo, satisfeita, pois o mundo inteiro atendeu ao seu chamado.
Hoje, os estudantes de medicina talvez não se interessem nem por saber quais as dificuldades encontradas pela primeira mulher que "ousou" quebrar as barreiras sociais e não só ingressar em uma faculdade de medicina mas foi mais além: exerceu sua profissão e fundou um hospital.
Elizabeth Backwell realizou seu sonho com sacrifícios, mas conseguiu abrir o caminho para milhares de outras mulheres.

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