COMO É QUE AS AVES VOAM

Muito facil: como os aviões

Asa e helice ao mesmo tempo


Publicado na Folha da Manhã, domingo, 15 de junho de 1952

Neste texto foi mantida a grafia original

Como elas planam

Como é que as aves voam? Eis aí uma pergunta que sempre intrigou a humanidade cujos sonhos não é de hoje que andam dominados pela idéia de alçar vôo, à semelhança dos passaros. Para os homens de hoje, a resposta é simples: as aves voam exatamente como os aviões!
Não seria mais logico afirmar - talvez diga o leitor - que os aviões é que voam exatamente como as aves, uma vez que estas já brincavam no espaço quando as primeiras aeronaves começaram a sulcá-los? Sem duvida, mas o que é importante salientar é que nós só chegamos a compreender o mecanismo do voo das aves, depois que o engenho humano, seguindo outros caminhos e aplicando os principios gerais da fisica, construiu maquinas capazes de voar, apesar de mais pesadas que o ar. E só depois disso é que fomos reconhecer, no corpo das aves, os mesmos elementos que o avião utiliza para deslocar-se no espaço.

De Icaro até nós

A lenda de Icaro simboliza muito bem o engano que nossos antepassados cometeram, ao tentar copiar o vôo das aves. O que os impressionou foi apenas o bater das asas. Imaginaram que aí estivesse o "X" da questão, e que os passaros se deslocassem no ar como um nadador na água, fazendo da massa fluida um simples ponto de apoio para a sua progressão. Mas na realidade o bater das asas não tem o sentido que lhes atribuiram os homens de antigamente e por isso é que falharam os primeiros "ornitopteros", isto é, os engenhos que pretenderam levar-nos espaço afora, pelo simples bater de asas postiças.
Varios pesquisadores recentes, observando atentamente o voo das aves, cinematografado em camara lenta, e comparando-o com o dos aviões, chegaram à conclusão da semelhança dos dois mecanismos. Entre os autores que mais se têm dedicado a tais estudos, destaca-se o dr. J. Storer, que escreveu todo um livro sobre o voo dos passaros. O mais que se vai ler é inspirado em tal livro.

O velho Bernouilli

O avião consegue levantar voo e progredir, sabem todos, pelo jogo combinado das helices e das asas. Quase poderiamos dizer apenas "pelo jogo das asas", uma vez que, do ponto de vista funcional, as helices não passam, em ultima analise, de asas. A explicação da subida do avião decorre de um velho principio da fisica, o de Bernouilli, que fixa as relações existentes entre a pressão e a velocidade nas correntes fluidas.
O formato todo especial da asa, achatada em baixo e abaulada em cima, faz com que as correntes de ar que a envolvem, anulem ou diminuam a pressão que o ar naturalmente exerce de cima para baixo, sem alterar sensivelmente a pressão que ele exerce de baixo para cima. Daí resulta uma diferença de pressão entre o ar de baixo e o de cima, o que faz a asa subir. A força ascensional da asa aumenta a medida que a inclinamos contra a corrente (todos já notaram que a asa do avião não é horizontal, mas inclinada para a frente). Essa inclinação, todavia, não pode ser exagerada, pois alem de um certo limite, isto é, à medida que se aproxima da vertical, a asa passa a sofrer um puxão para trás, ao mesmo tempo que deixa de subir. Há, todavia, um recurso que permite exceder esse limite e aumentar, pois, a força ascensional da asa, consiste na instalação de asas auxiliares, as aletas ou "ailerons", articuladas com as asas principais. Movendo as aletas, criamos uma fenda entre elas e as asas principais. E essa fenda aumenta a velocidade da corrente aerea sobre a asa, mantendo o seu poder de ascensão, mesmo quando excedido o limite critico de inclinação da asa.

Inclinação e velocidade

Mas a força ascensional não depende apenas da inclinação da asa. A velocidade também a aumenta. É nas largadas e nas aterrissagens que se torna maior a importancia das asas auxiliares, pois para adquirir a força ascensional necessaria, o avião tem de estar com a asa inclinada ao maximo, proximo dos limites acima referidos.
E as helices, para que servem? Para a mesma coisa que as asas, apenas com uma diferença: enquanto as asas empurram o avião para cima, as helices empurram-no para a frente, criando diferença de pressão entre a parte da frente e a de trás do avião. O princípio é, nos dois casos, o mesmo.
Agora que temos uma rapida idéia de como o avião sobe, e dos orgãos necessarios para isso, voltemos os olhos para as asas das aves. É facil estabelecer a correspondencia entre a asa do avião e a da ave. Não são elas "asas"? Na realidade, porem, a asa aviaria é bem mais completa, pois serve ao mesmo tempo de asa e... de helice!

Que simples complicação

A asa das aves apresenta duas partes muito distintas, do ponto de vista da função. A primeira parte é a interna, que vai do corpo, ou do ombro (se quiserem dizer assim), até o "punho". A outra parte é a externa, que vai do punho à ponta. A primeira dessas partes é comparavel à asa do avião, servindo para levantar o animal no ar. A segunda corresponde à helice; seria melhor dizer às hélices, pois na verdade o que faz o papel de helice não é propriamente a ponta da asa, mas as penas aí existentes, as grandes penas chamadas primarias ou remiges.
Um rapido exame da parte interior da asa mostra que ela de fato se parece muito com a asa de um avião. É achatada em baixo e abaulada em cima (referimo-nos à asa com as penas que a revestem) e, quando em posição, fica inclinada como a asa de um avião.
Entre a parte interna e a externa podemos ver algumas penas salientes que formam o que os zoologos chamam de alula. É o equivalente da asa auxiliar dos aviões e funciona do mesmo modo, criando uma fenda entre as duas estruturas, e assim aumentando a velocidade da corrente e, portanto, a força ascensional. Sem a alula a ave não consegue levantar vôo nem aterrisar.

Afinal, as helices

Passemos agora à parte externa da asa, isto é, às helices. As penas primarias são construidas de tal modo que, conforme as variações de pressão e as necessidades da asa, em face das condições do voo, elas ajustam-se automaticamente, mudando a todo instante de forma e posição. Essa capacidade de ajustamento automatico explica-se facilmente por uma peculiaridade anatomica das penas: elas não são iguais nas duas faces; o limbo (conjunto das barbas da pena) é maior na face voltada para trás do que na face voltada para a frente, e o calano (a haste do meio) vai-se tornando flexivel à medida que se aproxima da ponta. Quando a asa bate para baixo, contra o ar, a pressão que este exerce sobre a parte posterior do limbo da pena, e que é maior, como já sabemos, torce a pena para cima até que esta atinja a forma e o angulo necessario para que funcione como helice. Ao contrario da helice do aeroplano, que gira em torno de um eixo, numa unica direção, as helices das aves oscilam de baixo para cima, variando rapidamente sua forma, sua posição, seu angulo e sua velocidade de acordo com as circunstancias.
"Mas a asa do avião não se mexe, e a parte interna da asa das aves move-se!" dirá o leitor. É verdade. Mas o movimento da parte interna da asa não é necessário para a ascensão. Essa parte move-se apenas para reforçar o movimento das helices. Em certas ocasiões, quando a ave manobra em condições dificeis de espaço, pode-se observar perfeitamente que ela mantem a parte interna da asa imovel, apenas movendo a ponta da asa, acionada então exclusivamente pelo punho. Compreende-se, todavia, que deve ser muito cansativo esse movimento. Muito mais facil, para a ave, é pôr em uso os musculos peitorais e acionar a asa toda, para mover a ponta.
O vôo é dirigido, nas aves, por meio da cauda, que serve de leme. E o equilibrio, no ar, é mantido pelas proprias asas, seja por meio de inclinação, seja por meio de batidas mais rapidas de um lado.
Mas as aves não voam apenas batendo as asas. Um dos espetaculos mais impressionantes que a natureza nos apresenta é, mesmo, o das aves que voam com as asas paradas, o das aves que planam. Conhece-se hoje muito bem o mecanismo desse esplendido fenomeno, em consequencia do qual muitas aves percorrem imensas extensões, subindo e descendo, com as asas imoveis.

As planadoras

Se pudessemos encher o ar de particulas luminosas e visiveis, descobririamos rapidamente a causa do fenomeno, pois a ave na verdade não faz outra coisa do que repetir, entre as correntes aereas, o que fazem os banhistas, quando se deixam escorregar, da crista das ondas, em emocionantes "jacarés". A ave que plana está, na realidade, deixando-se escorregar pelas correntes aereas. Quando ela sobe, isto quer dizer que ela está sendo levada por uma corrente mais rapida do que a velocidade com que normalmente cai. Essas correntes ascensionais podem ser correntes de ar aquecido que sobem da terra ou do mar, ou simples correntes de vento, que resvalaram de encontro a obstaculos, como por exemplo as ondas do mar. É muito conhecido, dos viajantes, o espetaculo dos albatrozes e dos pelicanos que se atiram, da crista de uma onda para cima, a grandes distancias, com as asas imoveis: estão escorregando numa correnteza de vento, que a onda desviou e mandou para cima. Também é comum o espetaculo dos falcões que planam nas correntes formadas de encontro às montanhas.
Quando a aves planam em circulos, sobre a terra, em geral estão escorregando pelas paredes das colunas de ar quente que sobem da terra, sob o mar, este aquece o ar, muitas vezes se dá um fenomeno curioso: as colunas de ar quente, que se vão formando e subindo, umas ao lado das outras, acabam derrubadas pelos ventos frescos e continuam então estendidas por sobre a superficie das aguas, girando em sentidos contrarios. Pois bem, quando as colunas que giram em sentidos contrarios se encontram, umas ao lado das outras, dão nascimento a uma corrente de ar quente que sobe, e que as aves aproveitam para deixar-se arrastar. Assim se explica um dos mais curiosos fenomenos da natureza, que é o de as aves planarem contra o vento. Todos os fatos relativos à formação dessas colunas de ar quente, sua rotação, sua queda e a produção de correntes de ar entre elas, foram experimentalmente verificados no laboratorio e constituem explicação muito segura para o planar das aves sobre o oceano.

Qual a velocidade das aves?

As aves mais velozes não podem competir com os modernos aviões. Assim, a mais rapida dentre elas é um certo falcão dos Estados Unidos, que não excede 280 a 288 quilometros, quando perseguida por avião, e portanto dando o maximo de si mesma. O faisão desenvolve uma velocidade maxima de 96 quilometros por hora, ao passo que o pardal fica entre 32 a 73 quilometros. O beija-flor atinge de 72 a 88 e o marreco selvagem, de 88 a 90, quando apressado por um avião. A grande garça azul, quando apressada, vai a 58 quilometros por hora e o ganso do Canadá, fugindo do avião, atinge de 72 a 90 quilometros. Em voo normal, entretanto, a garça vai de 29 a 46 e o ganso do Canadá a 32.

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