RICARDO BONALUME NETO
enviado especial ao Rio
A imagem
de um mapa projetada na parede do Hotel Rio Palace assustou dezenas
de pesquisadores de países do Terceiro Mundo reunidos em
uma conferência científica. O que provocava o susto
era a dimensão de uma mancha vermelha sobre o oceano Pacífico.
A mancha (veja mapa abaixo) indica a extensão em agosto de
um fenômeno climático que poderá provocar, nos
próximos meses, não só uma seca intensa no
Nordeste brasileiro e inundações catastróficas
no Sul do país, mas afetar também o clima, e a economia,
de vários daqueles países.
O vermelho do mapa mostra as áreas da superfície do
oceano Pacífico, cuja temperatura está acima da média
normal para o período do ano. O fenômeno de aquecimento
das águas do Pacífico é conhecido como El Niño.
O nome vem do fato de que o auge desses fenômenos costuma
acontecer no mês de dezembro. Os pescadores peruanos afetados
pelo calor, que afasta os peixes e prejudica a pesca, o associaram
com o Natal _o nascimento do "menino Jesus" cristão.
O "menino" do clima costuma trazer desgraças, porém.
Os distúrbios climáticos a ele associados causaram,
em 82 e 83, pelos menos 170 mortes, 600 mil desabrigados e US$ 3
bilhões de prejuízos no Brasil, Argentina, Paraguai
e Uruguai, lembra o pesquisador Gilvan Sampaio de Oliveira, coordenador
da Divisão Operacional de Clima no Inpe (Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais).
O mapa e um conjunto de gráficos associados a ele mostravam
que o "menino" de 1997 já está se comportando
mal, a ponto de os cientistas temerem uma repetição
das desgraças de 1982/83.
"Ele mostrou uma evolução rápida em relação
à época do ano'', disse Gilvan. "Já se
tornou visível em maio, em vez de setembro ou outubro, como
seria o normal", disse o meteorologista, que, junto com Prakki
Satyamurty (indiano, agora naturalizado brasileiro, chefe da Divisão
de Produtos e Operações), apresentavam as descobertas
do Inpe na reunião internacional.
O grupo de pesquisa de Satyamurty e Gilvan, do CPTEC (Centro de
Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, chefiado pelo
pesquisador Carlos Nobre), foi o primeiro a revelar a existência
do El Niño deste ano, em um comunicado científico
em 9 de junho passado. No dia seguinte, um grupo americano emitiu
um boletim confirmando a descoberta.
"Estamos agora aperfeiçoando as previsões, para
podermos fazer aconselhamento até mesmo em nível de
risco para municípios específicos", diz o diretor-geral
do Inpe, Márcio Nogueira Barbosa.
Nos próximos meses, o Inpe pretende descobrir quais municípios
do Nordeste correrão risco grave de seca, e quais aqueles
no Sul que poderão enfrentar chuvas abundantes capazes de
criar inundações desastrosas.
"Chuvas excessivas no sul do Brasil, secas em partes da Amazônia
e o inverno quente no sudeste nos últimos três meses
podem ser todos atribuídos ao intenso El Niño atual'',
escreveram Satyamurty e colegas.
A previsão feita agora é um dos frutos de uma providência
da década de 80, posterior aos desastres climáticos
de 82/83, de melhorar a previsão científica do tempo
no país. Essa providência foi a aprovação,
em 1986, da criação do CPTEC, com sede em Cachoeira
Paulista (SP). O principal equipamento do centro é um supercomputador,
capaz de "mastigar" uma grande quantidade de dados climáticos
e rodar simulações complexas do tempo. Com isso, foi
possível melhorar a confiabilidade das previsões de
curto prazo, e também facilitar o estudo de processos cíclicos
como o "El Niño".
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