PRIMAVERA É ESTAÇÃO DE CUPINS ALUCINADOS


Publicado na Folha de S.Paulo, 10 de outubro de 1993

Insetos fazem revoadas para reprodução e formam novas colônias, cujos estragos surgirão nos próximos meses

RICARDO BONALUME NETO
Da Reportagem Local

"Ninho de amor" é uma expressão meio brega, mas é a melhor maneira de descrever o que pode estar acontecendo neste momento em boa parte das casas de São Paulo. Milhares, quem sabe milhões, de jovens casais de cupins estão iniciando a lua de mel em buracos em madeira, no solo ou dentro daquele seu livro preferido, depois de contraírem núpcias no fim-de-semana passado. Uma nova leva de cupins apaixonados pode estar se preparando para casar agora. E dentro de alguns meses, o fruto dessas uniões, sempre monogâmicas, deve começar a ser percebido.
"É motivo de preocupação, mas não de pânico", diz a bióloga Eliana Marques Cancello, do Museu de Zoologia da USP, especialista nesses insetos relativamente primitivos comparados com outros como as abelhas, mas ainda assim dotados de uma complexa vida social.
Quem tem a casa invadida por milhares de insetos alados alucinados -chamados de "bichinhos de luz" ou "aleluias"- nem desconfia que são, na verdade, jovens cupins em busca de casamento. A revoada acontece em qualquer lugar onde exista uma colônia. Nuvens de cupins alados saem dos cupinzeiros e buscam desesperadamente a luz, perdem as asas com facilidade e formam pares. Esses "casais" criam seus ninhos, a origem de uma colônia que eventualmente chegará a ter milhares de cupins.
"Parece um vulcãozinho saindo do cupinzeiro", diz, comentando a revoada, o biólogo Flávio Carlos Geraldo, presidente da Associação Brasileira de Preservadores de Madeira, entidade que dá orientação sobre o combate a essa peste.
Nem todos são pragas, porém. Das cerca de 250 espécies de cupins no país, só duas são pestes urbanas (no mundo existem em torno de 2.000 espécies de cupins). Além disso, a grande maioria dos noivos em potencial morre em acidentes ou vira comida de predadores como formigas, lagartixas, pássaros e sapos.
A pior praga é o cupim de solo (espécie Coptotermes havilandi), que gosta de umidade e invade as casas pelo chão. "Já vi gente retirar um livro da estante e vir só a lombada na mão", diz Geraldo. Esse cupim costuma penetrar pelos conduítes de eletricidade. Para checar se o cupim de solo visita uma casa, é só checar se há terra em uma tomada, retirando o espelho de luz.
O cupim de madeira seca (espécie Cryptotermes brevis) faz estragos menores, mas também é insidioso. Um desses casais em lua-de-mel pode escolher uma reentrância de móvel, ou mesmo a parte de trás da moldura de um quadro para fazer seu ninho. Para comprovar sua visita basta checar se estão presentes seus excrementos, na forma de grãozinhos escuros de formato uniforme.
A revoada dos cupins, de modo geral, costuma acontecer depois de chuvas e quando há sol logo em seguida. Dado esse sinal climático, os cupins-operários abrem as saídas dos túneis, vigiados pelos cupins-soldados, e começa a revoada dos cupins-reprodutores. Depois de perderem as asas, forma-se o par. O rei fecundará a rainha se as condições ambientais forem boas, dando início a uma nova colônia.
Apesar da invasão do fim-de-semana passado, que poderá se repetir mais algumas vezes nesta primavera, não é possível avaliar os estragos dos cupins na cidade. "Não há pesquisas a respeito", diz a bióloga Cancello. Sem dúvida, São Paulo oferece muito alimento aos cupins, como restos de madeira de construção por toda a parte. O que existe é uma maior consciência do problema, além de uma outra proliferação, intimamente associada ao pânico que esse inseto voraz provoca: a das empresas descupinizadoras.

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