A ARTE PICTORICA DOS MACACOS


Publicado na Folha da Manhã - 04 de janeiro de 1959

Neste texto foi mantida a grafia original

Macaco chimpanzé tambem pinta e em suas pinturas há indicios de composição visual - Como a criança, ele passa aos poucos das linhas simples e curtas ao circulo, num processo de amadurecimento


No ultimo Congresso Internacional de Zoologia os especialistas presentes tiveram oportunidade de entrar em contacto com as habilidades artísticas de um chimpanzé, sem duvida famoso porque a seu respeito já existe até um livro escrito pelo dr. Desmond Morris (The Story of Congo).
Habilidades artisticas?! Talvez pergunte o leitor, espantado, julgando tratar-se de engano de nossa parte. Não, não há engano algum. A coisa é esta mesmo. "Congo", o chimpanzé do Jardim Zoológico de Londres, já produziu centenas e centenas de desenhos e pinturas que os especialistas têm analisado com interesse e nas quais descobriram, entre outros fatos, a existencia no animal, de pelo menos uma especie de esboço de composição visual e de um progresso, na arte do desenho, muito semelhante ao que se observa no homem, desde que este começa a ensaiar seus primeiros riscos.

O começo da carreira

As manifestações artisticas de Congo principiaram quando ele tinha um ano e meio de idade. Deram-lhe um lapis e um papel. Foi por acaso, por simples acaso, que surgiu o primeiro traço, guando a mão do animal raspou o papel. Mas o risco não passou despercebido a Congo, que logo procurou repeti-lo. E gostou da historia, tratando de repetir outras linhas até encher todo o papel.
Depois dessa primeira experiencia outras se seguiram e à medida que o macaco se desenbaraçava no manejo do lapis, os observadores foram notando que nos desenhos aparecia um certo padrão fundamental, que consistia numa serie de traços que irradiavam de um foco, que era o proprio animal. Notaram ainda os observadores que o macaco tinha noção muito nitida dos limites do papel, proporcionando o desenho ao tamanho deste. Assim, num papel grande ele fazia um desenho grande e num pequeno fazia desenho tambem pequeno. Que excelente pista se abria aos olhos dos especialistas interessados no estudo da psicologia animal e comparada!

Pincéis

Ao fim de algum tempo, substituiu-se o lapis por uma serie de pincéis e potes de tinta, que todavia não ficavam diretamente ao alcance da mão do animal. Este era colocado numa cadeira semelhante às que se usam para as crianças comerem - alta e com um tampo suficiente grande para conter a folha de papel -. Em cada sessão de pintura o animal recebia de inicio um pincel molhado em determinada tinta. Logo começava ele a fazer seus traços, dentro do padrão fundamental. E fazia-os até esgotar-se a tinta, quando então ele devolvia o pincel ao observador ou o largava sobre a mesa. O observador entregava-lhe logo um segundo pincel molhado noutra tinta e o macaco começava de novo a pintar até esgotar-se mais uma vez a tinta. Ganhava novo pincel, e assim por diante, até enfarar-se de vez. Neste momento, o observador trocava a folha de papel por uma outra, e assim tinha inicio uma nova seção, que dava origem a um novo "quadro".
Tentou-se pôr ao alcance do animal todos os pincéis e todas as tintas de uma vez, mas isto não deu bom resultado porque Congo só se resolvia a pintar depois de haver misturado em todas as tintas umas com as outras, fazendo uma completa mixordia. Por causa disso é que surgiu a orientação de ir apresentando ao animal um pincel após outro. A idéia de pôr ao seu alcance todas as tintas ao mesmo tempo tinha por objetivo descobrir as eventuais preferencias do macaco por uma ou outra cor. Mesmo, porem, dando os pincéis um depois do outro, pôde-se verificar até certo ponto essa preferencia, pelo tempo que o animal dedicava a cada pincel. E em verdade o que se descobriu foi que o macaco não prefere uma determinada cor a outra, mas se mostra sempre mais interessado nas cores novas, que ainda não tenha usado. Assim sendo, o sistema de dar um pincel de cada vez muito contribui para estimular as atividades "pictoricas" do animal, que se mostrava tão interessado, às vezes, na sessão de pintura, que reagia violentamente à sua interrupção.

Abstração

Dizem os entendidos, entre os quais o referido dr. Desmond Morris, que os "quadros" pintados pelo macaco constituem em alguns casos interessantes exemplos de desenhos abstratos quando contemplados por olhos humanos. Em alguns desse quadros não salta aos olhos imediatamente o padrão irradiado, mas examinando com atenção a obra, pode-se ver o padrão sempre presente nalgum setor da tela. Este fato mostra, aliás, claramente que o padrão irradiado não é mero reflexo do ritmo motor da mão do animal, que repetidamente puxa o pincel em sua direção, de uma seria de pontos de partida diferentes. Se o "leque", ou a disposição rodiada, ficasse sempre no meio do papel, não se poderia decidir ser ele simples resultado daquele ritmo motor ou indicação, pelo contrario, de possuir o chimpanzé a capacidade de formação de um padrão regular, disciplinado pela vista. A existencia do mesmo padrão radiado, do mesmo "leque", noutra posição dentro do quadro faz que aceitemos a segunda hipotese como viavel.

Composição

Para verificar melhor esse ultimo ponto fizeram-se algumas experiencias interessantes. Em vez de entregar ao animal uma folha completamente branca, recebia ele um papel em que já se havia desenhado ou pintado alguma figura. Uma das experiencias mais significativas é a que se desenrola num papel em cujo centro se pinta um retangulo cinzento. Observa-se que o animal, agora provido não mais de pincéis, mas de "croyons" da mesma cor, sistematicamente faz o seu desenho sobre a area pintada, aí confinando toda a sua atividade de desenhista. Mas, quando se desloca o retangulo para fora do centro do papel, observa-se um fato curioso: Congo (por que não escrever "o pintor Congo?) marca com alguns poucos traços essa area desenhada, mas ao mesmo tempo procura esquilibrá-la com uma serie de traços feitos noutro local do papel e traços, diga-se de passagem, sempre muito decididos e fortes, dando a idéia de que realmente procuram compensar ou equilibrar o desenho já encontrado pelo macaco no papel. Segundo Morris, isto indica que há no macaco pelo menos o germe de composição visual. Parece, à vista dos muitos desenhos e pinturas de Congo, já analisados pelos especialistas, que as regras visuais basicas que governam a composição e o desenho na pintura humana existem em grua rudimentar no macaco.
Destas observações, que levam em consideração antes o padrão formado pelas linhas que o macaco desenha ou pinta, do que as caracteristicas dessas linhas ou pinceladas, passaram os observadores ao estudo destes ultimos elementos. E descobriram que à medida que o macaco vai ficando mais velho mudam as caracteristicas das linhas ou pinceladas. Nos primeiros desenhos as linhas são curtas, simples e sem ligação entre si. Depois surgem linhas compridas mas ainda simples. A seguir as linhas começam a complicar-se, apresentando encurvamentos e "meandros", surgindo alças e espirais. Aparecem mais tarde complicadas combinações de riscos horizontais, e aos três anos e meio de idade o animal introduz o circulo como motivo em suas pinturas ou em seus desenhos. O mais interessante é que com a adoação desses novos motivos vai desaparecendo o primitivo padrão em leque.
Para Desmond Morris essas alterações na "caligrafia" são particularmente interessantes quando comparadas com as que se observam nas crianças, desde que começam a rabiscar o papel. É bem conhecida a serie de fases por que passam as crianças, em seu desenvolvimento, do ponto de vista do desenho. Essas fases são muito semelhantes às referidas no macaco Congo, e caracterizam-se primeiro por linhas curtas e desconexas, depois linhas compridas e simples, a que se seguem as sinuosas, as alças, as espirais, até chegar ao círculo, às cruzes e aos quadrados. Bem, não adianta dizer mais nada. As pinturas de Congo estão sendo cuidadosamente analisadas e com o tempo outras verificações virão a publico. O que se pôde apreciar no ultimo Congresso de Zoologia foi o que, em poucas palavras, aí fica dito. Macaco tambem pinta. E quanta pintura de macaco não passaria, em certas exposições humanas, por espantosas manifestações de genio artístico! Quanto não valerão, daqui a uns tempos, os quadros de Congo?

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