ELE NASCEU HÁ 100 ANOS


Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 29 de maio de 1973

Neste texto foi mantida a grafia original

Há seguramente cem anos, surgia no bairro da Cidade Nova, no Rio de Janeiro, uma forma de tocar musica dançante destinada a transformar-se, sob o nome de choro, na primeira grande contribuição dos artistas populares brasileiros à criação de um estilo musical realmente nacional.
Reunidos à volta do flautista mulato Joaquim Antonio da Silva Calado (1848-1880), musicos como Viriato Figueira da Silva, Patola, Saturnino, Silveira e Luizinho, especialista na invenção de modulações sestrosas e complicadas, para "derrubar" os acompanhadores, descobriram meio século antes do jazz que era possivel transformar a musica num jogo criativo, embora exigindo para ser praticado é bem verdade um nivel de talento muito proximo do gênio.
A base da flauta, violão e cavaquinho, e logo de lofclide (que entrou avassaladoramente fazendo contracanto), esses artistas estruturaram um estilo tão soluçante nas passagens melodicas sobre os graves a chamada baixaria dos violões que já em 1889 a compositora Chiquinha Gonzaga podia batizar oficialmente a invenção, ao escolher para um de seus "tangos caracteristicos" o titulo Só No Choro.
No século que se seguia a essa criação dos musicos populares cariocas, na maioria mestiços em processo de ascenção social, o choro revelou artistas da grandeza de Sátiro Bilhar, João Pernambuco Tute e Dino (violões); Lula Cavaquinho e Nelson Alves (cavaquinho); Patápio, Pixinguinha e Altamiro Carrilho (flauta); Acioli e Bonfiglio de Oliveira (pistão), entre centenas de outros. E quando seu ultimo grande animador Jacó do Bandolim morreu no Rio de Janeiro, alguns jornais escreveram que com ele morria também o choro representante de uma época de ouro (e esse era, por sinal, o nome do conjunto de Jacó, após sua morte liderado pelo violinista Dino).
Pois quando a invasão alucinante dos ritmos estrangeiros, estourando nas vitrolas, fazia crer que esse vaticinio se cumprira, a descoberta de um conjunto de musicos amadores no bairro paulista da Casa Verde em pleno ano da graça de 1973 vem revelar um milagre do misterioso rio da tradição popular: resistindo à onda de todas as modas musicais impostas pelo impacto da maquina industrial, do "jazz band" ao "rock rural", o choro brasileiro continua vivo. E canta e contracanta criativo como nunca, a beira do Tiete.


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