Há
seguramente cem anos, surgia no bairro da Cidade Nova, no Rio
de Janeiro, uma forma de tocar musica dançante destinada
a transformar-se, sob o nome de choro, na primeira grande contribuição
dos artistas populares brasileiros à criação
de um estilo musical realmente nacional.
Reunidos à volta do flautista mulato Joaquim Antonio da
Silva Calado (1848-1880), musicos como Viriato Figueira da Silva,
Patola, Saturnino, Silveira e Luizinho, especialista na invenção
de modulações sestrosas e complicadas, para "derrubar"
os acompanhadores, descobriram meio século antes do jazz
que era possivel transformar a musica num jogo criativo, embora
exigindo para ser praticado é bem verdade um nivel de talento
muito proximo do gênio.
A base da flauta, violão e cavaquinho, e logo de lofclide
(que entrou avassaladoramente fazendo contracanto), esses artistas
estruturaram um estilo tão soluçante nas passagens
melodicas sobre os graves a chamada baixaria dos violões
que já em 1889 a compositora Chiquinha Gonzaga podia batizar
oficialmente a invenção, ao escolher para um de
seus "tangos caracteristicos" o titulo Só No
Choro.
No século que se seguia a essa criação dos
musicos populares cariocas, na maioria mestiços em processo
de ascenção social, o choro revelou artistas da
grandeza de Sátiro Bilhar, João Pernambuco Tute
e Dino (violões); Lula Cavaquinho e Nelson Alves (cavaquinho);
Patápio, Pixinguinha e Altamiro Carrilho (flauta); Acioli
e Bonfiglio de Oliveira (pistão), entre centenas de outros.
E quando seu ultimo grande animador Jacó do Bandolim morreu
no Rio de Janeiro, alguns jornais escreveram que com ele morria
também o choro representante de uma época de ouro
(e esse era, por sinal, o nome do conjunto de Jacó, após
sua morte liderado pelo violinista Dino).
Pois quando a invasão alucinante dos ritmos estrangeiros,
estourando nas vitrolas, fazia crer que esse vaticinio se cumprira,
a descoberta de um conjunto de musicos amadores no bairro paulista
da Casa Verde em pleno ano da graça de 1973 vem revelar
um milagre do misterioso rio da tradição popular:
resistindo à onda de todas as modas musicais impostas pelo
impacto da maquina industrial, do "jazz band" ao "rock
rural", o choro brasileiro continua vivo. E canta e contracanta
criativo como nunca, a beira do Tiete.