JOÃO BATISTA NATALI
Da
Redação
"Chiquinha Gonzaga (1847-1935) tem seu nome associado
a pioneirismos ousados na história da música brasileira.
Aos
38 anos, foi a primeira mulher a reger uma orquestra e
uma banda militar. Com a mesma idade, estreou uma opereta
de costumes, ''A Corte na Roça'', quando a composição
profissional era tarefa essencialmente masculina.
Ela
também compôs marchinhas de carnaval, coisa de homem boêmio.
Há pouco mais de um mês, nos 150 anos de seu nascimento,
o selo Eldorado lançou um CD com 14 de suas composições
para piano, interpretadas por Rosária Gatti.
Entre
elas, a valsa ''Lua Branca'', um clássico dos seresteiros
nos tempos em que ainda havia serestas. Francisca Edwiges
Neves Gonzaga, seu nome por extenso, não chegou a ser
cultivada como precursora pelos modernistas e achegados,
empenhados na discussão da ''brasilidade'' da música escrita
antes da Semana de 1922.
Suas
partituras não eram vistas como ''eruditas''. Incrível
engano. Elas têm a mesma qualidade de escrita de seu contemporâneo
e, como ela, também carioca Ernesto Nazareth
(1863-1934), a mesma mistura de charme nas cadências e
liberdades harmônicas que encantaram os salões do Império
e do início da República.
De
certa forma, a música de Chiquinha Gonzaga confundiu-se
com a personagem que ela involuntariamente (ou não) criou.
Foi uma mulher que aos 18 anos abandonou o marido e teve
vida amorosa dissociada do casamento. Tornou-se a militante
abolicionista que chegou a comprar a alforria de um flautista
negro que com ela se apresentava. Foi uma republicana,
amiga dos compositores Artur Napoleão e Leopoldo Miguez.
Ninguém
mais hoje no Rio pensaria em acoplar letra anônima e ferina,
com referências a sua vida sexual, a uma polca de sua
autoria, datada de 1877.
Com
a poeira do escândalo baixada pelo tempo, Chiquinha Gonzaga
é agora aquilo que, de certa maneira, sempre foi: uma
grande compositora, que agora a pianista Rosária Gatti
e o grupo Nosso Choro, em algumas das faixas, nos traz
como objeto de evocação.
Gatti
transpira em seu modo de interpretar dois ingredientes
muito nítidos: o prazer por frequentar esse repertório
e uma espécie de cumplicidade musical sorridente com a
velha compositora. Há no CD um clima de salão, meio festeiro,
capaz de lembrar os tempos em que sem rádio ou gravações
era muito menor a distância entre o ouvir e o produzir
música. Tempos em que a música era uma atividade tão doméstica
e corriqueira quanto a feijoada aos sábados e o se vestir
para a missa nas manhãs de domingos.
Disco:
Chiquinha Gonzaga - 150 anos Piano: Rosária Gatti
Lançamento:
Eldorado''