PIANISTA REGRAVA OBRAS DE CHIQUINHA GONZAGA

Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 1997.


JOÃO BATISTA NATALI
Da Redação

"Chiquinha Gonzaga (1847-1935) tem seu nome associado a pioneirismos ousados na história da música brasileira.

Aos 38 anos, foi a primeira mulher a reger uma orquestra —e uma banda militar. Com a mesma idade, estreou uma opereta de costumes, ''A Corte na Roça'', quando a composição profissional era tarefa essencialmente masculina.

Ela também compôs marchinhas de carnaval, coisa de homem boêmio. Há pouco mais de um mês, nos 150 anos de seu nascimento, o selo Eldorado lançou um CD com 14 de suas composições para piano, interpretadas por Rosária Gatti.

Entre elas, a valsa ''Lua Branca'', um clássico dos seresteiros nos tempos em que ainda havia serestas. Francisca Edwiges Neves Gonzaga, seu nome por extenso, não chegou a ser cultivada como precursora pelos modernistas e achegados, empenhados na discussão da ''brasilidade'' da música escrita antes da Semana de 1922.

Suas partituras não eram vistas como ''eruditas''. Incrível engano. Elas têm a mesma qualidade de escrita de seu contemporâneo —e, como ela, também carioca— Ernesto Nazareth (1863-1934), a mesma mistura de charme nas cadências e liberdades harmônicas que encantaram os salões do Império e do início da República.

De certa forma, a música de Chiquinha Gonzaga confundiu-se com a personagem que ela involuntariamente (ou não) criou. Foi uma mulher que aos 18 anos abandonou o marido e teve vida amorosa dissociada do casamento. Tornou-se a militante abolicionista que chegou a comprar a alforria de um flautista negro que com ela se apresentava. Foi uma republicana, amiga dos compositores Artur Napoleão e Leopoldo Miguez.

Ninguém mais hoje no Rio pensaria em acoplar letra anônima e ferina, com referências a sua vida sexual, a uma polca de sua autoria, datada de 1877.

Com a poeira do escândalo baixada pelo tempo, Chiquinha Gonzaga é agora aquilo que, de certa maneira, sempre foi: uma grande compositora, que agora a pianista Rosária Gatti e o grupo Nosso Choro, em algumas das faixas, nos traz como objeto de evocação.

Gatti transpira em seu modo de interpretar dois ingredientes muito nítidos: o prazer por frequentar esse repertório e uma espécie de cumplicidade musical sorridente com a velha compositora. Há no CD um clima de salão, meio festeiro, capaz de lembrar os tempos em que —sem rádio ou gravações— era muito menor a distância entre o ouvir e o produzir música. Tempos em que a música era uma atividade tão doméstica e corriqueira quanto a feijoada aos sábados e o se vestir para a missa nas manhãs de domingos.

Disco: Chiquinha Gonzaga - 150 anos Piano: Rosária Gatti
Lançamento: Eldorado''


© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.