MODESTO
CARONE
1
Os
mais informados garantem que ele foi pontual: na hora certa o
carro parou diante do prédio e ele desceu segurando uma
pasta na mão. Contra todas as expectativas, tinha o ar
feliz de quem associa a primavera à vontade de trabalhar;
talvez por isso não vacilasse perante as ofensas e o clamor
de tanta vaia. Seja como for, a multidão era um dado de
realidade e sua ameaça clara demais para que pudesse negá-la.
Foi certamente a partir daí que atravessou às pressas
a calçada, rompeu as faixas de repúdio à
sua presença e subiu as escadas, pronto para tomar posse
do cargo.
2
Já
não resta dúvida de que a euforia comandava mais
uma vez os seus atos; tanto que sorriu como antes ao entrar na
sala que o esperava. Ela ficava no começo do corredor e
ele a tomou por trincheira ao escutar o estrondo dos passos às
suas costas. A dificuldade é que o espaço parecia
ocupado por estranhos, que imediatamente apontaram o caminho até
a mesa. Enquanto testava o assento de couro e alisava o tampo
de madeira, ele registrava os gritos que já redobravam.
Só então é que se deu conta de que poderia
estar enganado: a massa de rostos irrompia na porta e a saleta
ao lado continuava guardada.
3
Foi
provavelmente nesse instante que se sentiu traído e começaram
as suspeitas de que a trincheira se transformava em prisão.
De fato, já caminhavam para ele os representantes exigindo
sua renúncia; logo mais, organizava-se a fila dos que insistiam
em visitá-lo. Eram numerosos - a aglomeração
lá fora - e todos tinham uma palavra a dizer ou um gesto
a comunicar. A princípio, ele se mostrou constrangido diante
dos olhares, principalmente o das crianças, que o estudavam
sem animosidade a despeito da decepção. Recompondo
mentalmente imagens pregressas, ele fazia esforços para
ignorar os demais - a não ser um ou outro senhor que o
interpelava mudamente sobre o caráter daquela missão.
Quanto aos que dançavam a meio metro de distância,
embalados pela fanfarra ao fundo, encarava-os como sempre enfrentava
cenas assim: com rancor disfarçado em desinteresse. Era
sensível, no entanto, que havia alguma coisa falha nessa
postura e aos poucos chegava à conclusão de que
o espetáculo agora era ele e não os outros. Como
a descoberta o atingisse, ficou olhando para dentro, na esperança
de que desse ângulo o desconforto passasse.
4
Não
consta que tenha passado, pois quando resolveram expulsá-lo
ele ainda mantinha o pescoço curvado. Evidentemente isso
não impediu que fosse outra vez vaiado; com efeito as pessoas
sentiam-se estimuladas pela figura em movimento, chegando ao ponto
de querer tocá-la. Mas o crepúsculo já abrandava
os ânimos - além do que ele era ágil e em
poucos segundos alcançava o carro. Dizem que ao sentar-se
no banco de trás ele fazia gestos apavorados; o fato, entretanto,
é que apenas se apalpava. Pois se é verdade que
os tempos tinham mudado, isso não fazia a menor diferença:
ele só vivia das proezas do passado.