JOSIAS
DE SOUZA
Brasília
O curioso do Carnaval é que, podendo envergar qualquer
tipo de disfarce, o país prefere vestir-se de si mesmo.
Nada se parece mais com o Brasil real do que o Brasil
da fantasia. Aliás, uma boa e honesta fantasia pode deixar
nuas algumas personalidades ocultas. O
melhor da máscara de Carnaval é justamente a possibilidade
que oferece ao folião de exibir, de cara limpa, as suas
verdades inconfessáveis. Assim, do mesmo modo que um homem
pode vestir-se de mulher sem que lhe condenem os gestos
amaricados, o país também pode aproveitar o Carnaval para
desfilar gostosamente suas hipocrisias hediondas. Súbito,
a nação da demagogia social veste-se de socialista. Renova-se
a tese de que o samba iguala pobres e ricos. Todos sabem-na
mentirosa. Mas serve de diversão aos pobres e de conforto
à paquidérmica consciência dos ricos. Com o ainda presente
auxílio do bicho e do narcotráfico, a passista negrinha
se enfeita de lantejoulas e desce o morro, para a invasão
consentida da avenida principal. Hoje não haverá batida
do Exército ao pé da favela. Não importa que tenha de
dividir o espaço do samba com as modelos famosas, cujas
curvas alvas e assépticas são freneticamente expostas
nos monitores de TV da zona sul. O importante é que o
Brasil não perca a oportunidade de viver a sua grande
fantasia real. Há, entre o domingo e a terça de Carnaval,
uma inconveniente segunda-feira. Um dia útil, conforme
o calendário. Absolutamente inútil, porém, na prática.
Uma tentativa tola de quebrar a atmosfera mágica. Como
se a pressa não pudesse esperar. Extenuada do desfile
da véspera, a escurinha do morro deve dormir até mais
tarde hoje. Terá o ponto cortado. Mas a folia servirá
de alimento à sua alma. Muitos dos que a viram do camarote
também devem prolongar o sono. Com a vantagem de que,
além da alma, poderão alimentar o estômago, visto que
seus rendimentos não terão sido molestados. Na quarta-feira,
mergulhado nos jejuns da quaresma, o Brasil não precisará
rasgar a fantasia. O traje de caótico continuará assentando-lhe
como luva.