O CARNAVAL DO "CADA ANO" SAI PIOR

Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 22 de janeiro de 1977


PLÍNIO MARCOS

Quase no fim do desfile das escolas de samba se dizia que a Barroca Zona Sul tinha feito um despacho de duas mil galinhas, que a Vai-Vai defumou o bairro do Bexiga antes de sair, que a diretoria do Camisa Verde e Branco foi fazer um trabalho pesado na cachoeira, que o charuto do Juarez estava cruzado com cinzas de cemitério e que o pessoal da Vila Brasilândia deu um boi em pé pra ter seus caminhos abertos. Se comentava isso em tom de brincadeira, mas o pessoal das escolas, quando perguntados, riam, desconversavam, mas não desmentiam.

A gente, vendo as escolas desfilando, chegava à conclusão que o Carnaval, se dependesse das escolas, apesar de mil e uma mumunhas, seria um sucesso. Porém (e sempre tem um porém), com a Secretaria de Turismo e Fomentos da Prefeitura organizando, é preciso que o povo e as escolas de samba estiquem a veia do pescoço até ficar bem inchada, pro fracasso não ser total.

Domingo, dia do desfile das escolas do 1° grupo, a Secretaria de Turismo e Fomentos da Prefeitura deixou atrasar o desfile na avenida Tiradentes, a famosa mal iluminada e mal decorada passarela do samba paulistano, por mais de uma hora. Isso porque houve quebra de sigilo sobre a Comissão Julgadora e era necessário trocar os jurados, coisa que todo mundo sabia que era preciso fazer desde de manhã, mas que a Prefeitura só soube na avenida, alertada que foi por sambistas.

Aí, já viu. Foi um Deus nos acuda!

A Secretaria de Turismo se embananou, ninguém entendeu por que. Era só convidar novos intelectuais pro júri e pronto. Intelectual brasileiro só não é júri do Silvio Santos e do Chacrinha porque esses dois aí não conhecem os intelectuais e, devido a isso, não os convida, o que faz intelectuais chiarem contra esses programas e os júris. Mas, no Carnaval, quando são lembrados e convidados, os intelectuais vão correndo ser júri de escola de samba, mesmo a troco de um cachê que causaria vergonha aos Pedro de Lara, a Elke Maravilha, ao Zé Fernandes, a Wilza Carla e a qualquer julgador profissional.

Mas deixa isso de lado.

O que quero contar é que a Prefeitura, que só ficou sabendo que tinha que trocar o júri na avenida, na hora de começar o desfile, se complicou. Os dirigentes da escola de Samba Acadêmicos do Tatuapé, escola que sempre se esforça para descer pras divisões inferiores, e o pessoal do Paulistano da Glória, plantados na cabeceira da pista, reclamavam que, se fossem eles que chegassem atrasados, perderiam vinte ou vinte cinco pontos. Mas a Secretaria não perderia nada e, por não perder nada, a Secretaria de Turismo não explicava nada sobre o atraso para multidão calculada em mais de duzentos mil pessoas, que pacientemente esperava o desfile. Essa gente chegou na avenida à tarde, pra pegar lugar, mas não pegou bulhufas. Aliás, a Prefeitura garantiu que ia mudar o local do desfile da São João pra Tiradentes pra poder aumentar os lances de arquibancadas e melhor acomodar o público, mas não melhorou coisa nenhuma. Só aumentou o trajeto da concentração até o final do desfile, pra caber mais gente pra olhar o desfile carnavalesco, pois pra participar do Carnaval não existe absolutamente chance. Balançou o corpo, vai parar nos braços de algum delegado. E sabendo disso, a multidão espremida, bate o recorde mundial de contenção de xixi, ficando treze, quatorze horas sem desaguar. Porque não há como, nas arquibancadas da prefeitura, e os donos de botequim do pedaço, ou trancam seus mictórios, ou cobram dois cruzeiros por xixizada. E o atraso do centro resultava em atrasos muito maiores nos desfiles dos bairros.

O Paulistano da Glória, por exemplo, tinha que ir pra Santo Amaro, onde também uma multidão carente de lazer esperava horas e horas pra ver alguma coisa parecida com Carnaval que não fosse uma corneta de som estridente pendurada num poste anunciado a todo momento um desfile que não acontecia. Ou melhor, na Tiradentes, quando a gente pensava que não ia mais acontecer, aconteceu. E foi, de modo geral, o pior desfile das escolas do 1º Grupo nos últimos anos, porque, incentivadas pela Secretaria de Turismo e Fomentos e os jurados que anos a fio ela escala pra dar nota baixa pra tudo que é autêntico, as escolas estão se cobrindo de panos luxuosos, pedrarias, plumas e penachos e dando pouca importância pro samba.

De qualquer forma, as escolas passaram com brilho. Quem passou apagada foi a Prefeitura e a Secretaria de Turismo e Fomento do Município de São Paulo, que ano que vem vai fazer macumba pesada que esse ano caboclo Jaragua não funcionou.


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