João
Batista Natali
Da Reportagem Local
O
movimento de 1932 começou 23 meses antes que o governador
Pedro de Toledo declarasse o início da rebelião
de São Paulo e as tropas do general Isidoro Dias Lopes
disparassem o primeiro tiro.
O desconforto nasceu com a Revolução de 1930. Ela
depôs um paulista, o presidente Washington Luiz, e impediu
a posse do também paulista Júlio Prestes como seu
sucessor. Eram ambos dirigentes do Partido Republicano (PRP),
que obviamente foi empurrado para a oposição.
A interventoria de São Paulo foi assumida pelo general
Hastinfilo de Moura. Ele simpatizava com o Partido Democrático
(PD), força política menos compromissada com a oligarquia
e partidária do voto secreto e da modernização
política. Mas tanto o PD quanto o PRP sentiram-se humilhados
quando Getúlio, chefe do governo provisório, indicou
como sucessor de Hastinfilo o tenente João Alberto. Outro
militar da geração do tenentismo, Miguel Costa,
assumiu o comando da Força Pública, atual Polícia
Militar.
Tudo isso ocorreu em fins de 1930. Caracterizava-se o conflito
entre de um lado os tenentes - partidários de uma modernização
pilotada por um regime centralizador - e de outro o PD e o PRP,
que formularam, cada um a seu modo, duas reivindicações:
1 - O comando político de São Paulo para os paulistas;
2 - O restabelecimento da ordem constitucional.
As duas reivindicações estavam acopladas à
viabilização de um Brasil confederado, em que São
Paulo exerceria sua autonomia econômica e política.
O patriotismo regionalista era insuflado pela oligarquia do café,
que temia a perda de controle sobre um produto que sofria os efeitos
da crise mundial. O "paulistanismo" tinha ainda como
chamativo o contraste entre a situação prefalimentar
das finanças do Estado e o fato de só 20% dos impostos
aqui arrecadados retornarem sob a forma de benefícios da
União.
O chefe do governo provisório, Getúlio Vargas, prosseguiu
numa operação de desgaste. Destituiu o general Isidoro
do comando da 2ª Região Militar por suas simpatias
com o PD. Indicou como interventor o civil paulista Laudo de Camargo,
mas colocou obstáculos para que ele governasse com dirigentes
do PD e do PRP. Camargo foi sucedido pelo coronel Manuel Rabelo,
o que alimentou a propaganda de que os revolucionários
de 30 queriam manter São Paulo sob "ocupação
militar". João Alberto e Miguel Costa, os dois "tenentes",
criavam seus próprios partidos políticos.
Getúlio já havia convocado, em 1931, eleições
para uma assembléia constituinte. Mas os tenentes defendiam,
via Juarez Távora, o adiamento do pleito. Vieram também
os casuísmos, como a redução de representatividade
demográfica da bancada a ser eleita por São Paulo.
O paulistanismo foi então ganhando um poder de mobilização
nascido na classe média. A Liga de Defesa Paulista promoveu
em janeiro de 32 um comício tão apaixonado quanto
o seriam, em 85 e - guardadas as proporções - as
manifestações pelas diretas-já. O governo
provisório lançou um sinal de alarme. O general
Góis Monteiro, homem forte de Getúlio, acusou São
Paulo de separatismo.
Paralelamente, o PD rompia com o governo central - ao qual se
aliara três anos antes como força paulista de oposição
à candidatura presidencial de Julio Prestes - e formava
com o PRP a Frente Única Paulista (FUP). As máquinas
dos dois partidos ramificavam seus tentáculos clandestinos
para a organização da guerra civil. O cheiro de
pólvora no ar ficava cada vez mais forte. Emissários
da FUP foram despachados para obter a adesão do Rio Grande
do Sul e de Minas.
Maio de 32 foi um mês crucial. Osvaldo Aranha, ministro
da Justiça, veio a São Paulo negociar uma composição
apaziguadora do secretariado paulista. Mas no mesmo dia foram
empastelados dois jornais leais a Getúlio. "A Razão"
e "Correio da Tarde". Segue-se um conflito de rua em
que morreram quatro acadêmicos de direito (Martins, Miragaia,
Dráusio e Camargo), com os quais São Paulo já
tinha seus mártires e também a sigla MMDC. Uma reunião
no restaurante Policipo e outra no Clube Comercial estruturaram
o levante.
9 de julho, 23h30: o comando da 2ª Região Militar
se rebela. Apodera-se das duas emissoras de rádio paulistanas.
A Companhia Telefônica e os correios caem em mãos
dos revolucionários. A Faculdade de Direito começa
a alistar civis voluntários. A Escola Politécnica
distribui professores e alunos por indústrias metalúrgicas
para a fundição de armas e produção
de munição.
A mobilização inicial foi simplesmente épica.
Guilherme de Almeida e Menotti de Picchia alimentavam a alta temperatura
com reportagens e poemas. Pedro de Toledo é proclamado
governador. O general Bertoldo Klinger, comandante militar do
Mato Grosso, desembarca gloriosamente em São Paulo. Mas
de mãos vazias, sem as tropas e as armas que prometera
trazer.
Não foi esse o único contratempo. Flores da Cunha
impediu que os gaúchos aderissem ao movimento paulista.
minas também ficou de fora. Aquilo que seria quase uma
"revolução branca", um passeio até
o Catete para a deposição de Vargas, tornava-se
uma guerra de desgaste. As tropas enviadas para Itararé
(entroncamento ferroviário na divisa com o Paraná)
retiraram-se antes da chegada dos 18 mil homens do Rio Grande.
Itararé, "a batalha que não houve".
O desequilíbrio bélico era gritante. No Vale do
Paraíba, os revolucionários dispunham de uma metralhadora
para cada 50 homens, enquanto as tropas enviadas do Rio tinham
uma para cada três soldados. São Paulo alistou 200
mil voluntários - número imenso para a população
masculina, no Estado, de 3 milhões de jovens, velhos e
crianças. Mas ao todo menos de 50 mil tinham condições
operacionais.
A vitória era inviável. De nada ajudaram os mutirões
das mulheres para a confecção de uniformes. A mobilização
também esbarrava na apatia dos operários imigrantes,
pouco arraigados às reivindicações regionalistas.
A inferioridade paulista não chegou a ser compensada pelas
armas encomendadas na Argentina que não chegaram a tempo,
nem pela importação da Itália, já
que Roma não reconheceu no Brasil uma guerra civil, o que
lhe permitiria exportar material bélico.
A carnificina seria inevitável se o comandante da Força
Pública, coronel Herculano Silva, não negociasse
sua rendição em troca do compromisso de as tropas
federais não penetrarem no município de São
Paulo. Para os demais comandantes militares, como Klinger, Isidoro
e Euclides Figueiredo, foi uma imperdoável "traição".
Os ânimos exaltados estavam despreparados para cenários
que não tivessem como desfecho uma vitória acachapante.
O coronel Herculano depôs a 2 de outubro o governo chefiado
por Pedro de Toledo. Quatro dias depois, Getúlio nomeava
interventor no Estado o general Valdomiro.
PERSONAGENS
Isidoro
Lopes
Gaúcho,
Isidoro Dias Lopes (1865-1949) destacou-se na Revolução
de 1924, contra o governo de Artur Bernardes. Em 1931, juntamente
com o coronel Figueiredo , deu início a um movimento militar
contra Vargas, que contou também com os paulistas Francisco
Morato, Júlio de Mesquita Filho, Paulo de Morais Barros
e Aureliano Leite. Foi o chefe geral da Revolução
de 1932, até entregar o comando a Bertoldo Klinger.
Osvaldo
Aranha
Ministro
da Fazenda de Vargas, o gaúcho Osvaldo Aranha (1894-1960)
estava em São Paulo em maio de 1932, tentando apaziguar
as forças revolucionárias. Durante aquele mês,
morreram quatro estudantes de Direito em choques com a polícia
na cidade. Até as vésperas do movimento, tentou
conciliar os paulistas com o governo, sem êxito.
Bertoldo
Klinger
Revolucionário
de 1930, o gaúcho Bertoldo Klinger (1894-1969) entrou em
conflito com os tenentistas, o que lhe causou uma escalação
para o Mato Grosso, no comando da Circunscrição
Militar, apesar de ser general de brigada. Em abril de 1932, foi
convidado a fazer parte da Revolução paulista. Chefiou
as forças federais e estaduais estacionadas em São
Paulo.
Flores
da Cunha
Interventor
federal no Rio Grande do Sul entre 1930 e 1935, o advogado Flores
da Cunha (1880-1959) manteve-se dividido entre as forças
constitucionalistas (gaúchas e paulistas) e o governo.
Em julho, Flores da Cunha declarou sua adesão a Vargas.
Sem as forças gaúchas, a Revolução
de 32 tornou-se apenas uma revolução paulista.
Euclides
Figueiredo
O
coronel Euclides de Oliveira Figueiredo (1883-1963), carioca,
foi contrário à Revolução de 1930,
mas permaneceu no Exército. Em 1932, decidiu apoiar os
paulistas no movimento revolucionário contra Vargas e passou
a viver na clandestinidade. Ao eclodir o movimento de 32, chefiou
a 2ª Região Militar (SP). Seu filho, general João
Baptista Figueiredo, foi presidente da República (1979-1985).
Pedro
de Toledo
O
advogado Pedro de Toledo (1860-1935) foi nomeado interventor em
São Paulo em março de 1932, por ser paulista e civil
como exigiam os líderes do Partido Democrático e
Partido Republicano Paulista. Embora desaconselhasse a luta armada
contra o governo federal, foi aclamado chefe civil do movimento
de 1932 e governador do Estado.