CARTER: "JUNTOS PELO ESTADO DE DIREITO"
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 30 de março de
1978
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"Hoje estamos todos nos unindo num esforço global em prol
da causa da liberdade humana e do Estado de Direito. Esta é
uma luta que só será vitoriosa quando estivermos dispostos
a reconhecer as nossas próprias limitações e
a falarmos uns com os outros com franqueza e compreensão".
Foi o que disse ontem de improviso o presidente Jimmy Carter ao responder
ao discurso de saudação do presidente Ernesto Geisel,
na Base Aérea de Brasília. Geisel formula votos para
que a estada do chefe do governo norte-americano entre nós
lhe permita "formar uma justa opinião sobre a realidade
brasileira".
Carter desembarcou às 16h40, sob um clima que não pode
ser qualificado de muito cordial e no qual não faltaram também
alguns incidentes. O primeiro deles ocorreu com um Boeing da comitiva
americana que, ao voar sobre a Base Aérea de Anápolis
(a 100 km de Brasília), foi interceptado por um Mirage da FAB,
que o escoltou por algum tempo, havendo inclusive uma troca de palavras
ríspidas entre os pilotos. O segundo incidente envolveu cerca
de 60 jornalistas norte-americanos, que se queixavam de não
terem recebido credenciais do Palácio do Planalto.
No seu discurso de desembarque, Carter também tocou num outro
ponto de divergências entre Washington e Brasília: a
questão nuclear. Falando em termos genéricos, ele lembrou
que Brasil e Estados Unidos estão recorrendo ao átomo
como uma das soluções para os problemas energéticos
e que "ambos acreditam que o uso pacífico da energia atômica
não é incompatível com a necessidade de ecitar
a proliferação nuclear".
O clima só se desanuviou um pouco quando Carter fez breve referência
à sua admiração por Pelé.
Acompanhavam o presidente dos EUA, - além de sua mulher Rosalyn
e da filha Amy - o secretário de Estado Cyrus Vance, o assessor
para segurança nacional Zbigniew Brzezinski, o subsecretário
de Estado para a América Latina, Terence Todman, e o assessor
do Conselho Nacional de Segurança, Robert Pastor.
Brasília não estava engalanada como é de praxe
na visita de um chefe de Estado. A bandeira norte-americana tremulava
apenas diante do Itamarati e do Hotel Nacional, onde a comitiva se
hospeda, e os escolares não foram convocados às ruas
com as tradicionais bandeirinhas de papel.
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No
Planalto |
Às 17h50, Carter chegou ao Palácio do Planalto, para
um encontro a portas fechadas com Geisel. A conversa demorou 80 minutos
- vinte a mais que o previsto.
A seguir, o chefe de Estado norte-americano, sempre sorridente, dirigiu-se
ao Hotel Nacional, onde se limitou a dizer uma palavra sobre sua entrevista
com Geisel: "Excelente".
No Planalto, o presidente brasileiro aparentava também satisfação
com o resultado da primeira conversa.
À noite, em banquete no Palácio Alvorada, Carter manteve
o anunciado contato informal com o general João Batista Figueiredo,
na presença de Geisel e distante dos jornalistas.
Hoje, o presidente dos Estados Unidos visitará o Congresso,
concederá entrevista coletiva á imprensa (aguardada
com grande expectativa) e partirá à tarde para o Rio,
onde, fora do programa oficial, se avistará com seis personalidades
brasileiras, entre as quais o cardeal arcebispo de São Paulo,
dom Paulo Evaristo Arns, e o presidente da OAB, Raimundo Faoro.
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Carter
inicia visita de "boa vizinhança" |
Da Sucursal
BRASÍLIA
- Sob um clima que não pode ser qualificado de muito
cordial, o presidente Carter desembarcou, às 16h40 de ontem,
em Brasília, onde permanecerá até o meio-dia
de hoje. À tarde, ele estará no Rio, numa escala definida
como "visita particular" e durante a qual manterá
uma série de encontros reservados com personalidades brasileiras
não vinculadas aos meios governistas, entre elas o cardeal
de São Paulo, D. Evaristo Arns, e o presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil, Raimundo Faoro.
As primeiras horas de Carter em Brasília foram dedicadas
a um encontro de 80 minutos com o presidente Geisel, no Palácio
do Planalto, e a um jantar com reduzido grupo de autoridades, no
Palácio da Alvorada, onde ficou conhecendo o futuro presidente
brasileiro, general João Batista Figueiredo.
A primeira rodada de negociações entre Geisel e Carter
não frustrou as expectativas gerais: eles se limitaram a
reafirmar suas já conhecidas posições sobre
três problemas básicos do relacionamento bilateral
(direitos humanos, energia nuclear e comércio internacional),
constatando que as atuais divergências, nesses campos, são
incontornáveis. Isso não surpreendeu o Palácio
do Planalto e a Casa Branca, acordes na interpretação
de que esta é uma visita de "boa vizinhança",
destinada apenas a não permitir maiores deteriorações
nas relações do dois países e, por consequência,
a aplainar os caminhos de uma eventual reaproximação
política entre Brasília e Washington, depois que o
general Figueiredo assumir o poder.
De qualquer forma, merece ser registrado o semblante de satisfação
do presidente Geisel após o encontro, inclusive trocando
alegres comentários com o chanceler Azeredo da Silveira.
Como também a única manifestação que
os jornalistas norte-americanos conseguiram arrancar de Carter,
quando este voltou ao hotel Nacional:
"Foi um encontro excelente".
Palavras, aliás, que foram otimizadas pelo subsecretário
Terence Todmann, para quem "a cada dia aumentam as perspectivas
de substanciais melhorias no relacionamento Brasil-Estados Unidos.
Foi com esse estado de espirito que Carter desembarcou na Base Aérea
de Brasilia, na tarde de ontem. Seu discurso, feito de improviso,
ignorou as duas "alfinetadas" dadas pelo presidente Geisel
em sua saudação, quando enfatizou que Carter era acolhido
como "um amigo" e ao formular votos para que sua estada
entre nós lhe permita "formar uma justa opinião
sobre a realidade brasileira". Também não levou
em consideração o fato de o governo brasileiro ter
deixado para divulgar à sua chegada o texto da entrevista
que Geisel concedeu, no inicio da semana, à televisão
norte-americana, na qual deixou clara a inflexibilidade dos pontos
de vista brasileiros sobre direitos humanos, acordo nuclear e protecionismo
econômico.
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Uma
declaração política logo no desembarque |
BRASILIA - O presidente Carter desembarcou em Brasília
pregando a sua crença na causa da liberdade humana e do Estado
de Direito. Seu pronunciamento, que ao contrário do esperado
foi político e não protocolar, tocou em temas cruciais
do relacionamento bilateral - como os direitos humanos e a não-proliferação
nuclear - e demonstrou uma voa disposição em procurar
caminhos que aproximem a posição dos Estados Unidos
e do Brasil nesses dois campos.
Respondendo à saudação formal do presidente Geisel,
Jimmy Carter lembrou que o Brasil e os Estados Unidos "estão
recorrendo à energia nuclear como uma das soluções
para os nossos problemas energéticos" e que "ambos
acreditam que o uso pacífico da energia atômica não
é incompativel com a necessidade de evitar a proliferação
nuclear". Disse também que "hoje estamos todos nos
unindo num esforço global em prol da causa da liberdade humana
e do Estado de Direito. Esta é uma luta que só será
vitoriosa quando estivermos dispostos a reconhecer as nossas próprias
limitações e a falarmos uns com os outros com franqueza
e compreensão". Com essas últimas palavras, Carter
demonstrou, na opinião de observadores diplomáticos,
a disposição de colocar na mesa todas as cartas do jogo
bilateral entre o Brasil e os Estados Unidos. Os mesmos informantes
consideram que esse poderá ser inclusive o principal saldo
da visita, caso se consiga verdadeiramente falar com franqueza.
O pronunciamento do presidente norte-americano foi acompanhado com
atenção pelo vice-presidente Adalberto Pereira dos Santos.
E pelos ministros Azeredo da Silveira, Armando Falcão, da Justiça,
e Golberi do Couto e Silva, da Casa Civil. Ao seu final, Falcão
comentou, a pedido da imprensa: "Esse discurso traduz o pensamento
de uma nação amiga do Brasil".
Por sua vez, o presidente Geisel ouviu com uma expressão fechada
as palavras de Carter. Seu único sorriso foi reservado para
as referências do mandatário norte-americano a Pelé.
"Senhor Presidente - disse ele - não posso deixar de mencionar
o nosso agradecimento ao Brasil por ter partilhado conosco um dos
mais valiosos tesouros nacionais na pessoa que talvez seja o maior
atleta de todos os tempos, o incomparável Pelé. Ele
é amigo meu e a bravura dele nos campos de futebol tem servido
de inspiração ao povo norte-americano".
O presidente Jimmy Carter desembarcou na Base Aérea de Brasília
às 16h42, atrasando em dois minutos o seu programa oficial
nesta cidade. O Air Force One da Força Aérea norte-americana
aterrisou exatamente às 16h38, conforme previsto no programa.
O atraso de Carter deveu-se à dificuldade que o pessoal do
aeroporto teve para encaixar a escada no avião, incidente observado
com sorrisos pela sra. Luci Geisel e com gestos de impaciência
por parte dos norte-americanos.
Carter, de mãos dadas com sua filha Amy, de 10 anos, foi o
primeiro a parecer na porta do avião. Trajava um terno cinza
claro e cumprimentou efusivamente o presidente Geisel e o chanceler
Azeredo da Silveira. A sra. Rosalynn Carter desceu em seguida, acompanhada
pela sra. Vance, pelo secretário de Estado Cyrus Vance, por
Terence Todman, Robert Pastor, o assessor de Segurança Zbigniew
Brzezinski, e demais autoridades. Após cumprimentarem o presidente
Geisel e esposa, o chanceler Azeredo da Silveira e sra. e o encarregado
de negócios dos Estados Unidos no Brasil, Richard Johnson,
dirigiram-se para o local onde ouviram os hinos nacionais norte-americanos
e brasileiro.
Antes do início dos hinos, executados sob o som de 21 salvas
de canhão, Carter e Geisel conversaram animadamente. Após
a execução, o presidente norte-americano passou lentamente
em revista as tropas formadas em sua homenagem, enquanto Geisel, um
pouco mais afastado, conversava rindo com a sra. Rosalynn. Mais atrás,
Amy, com sua acompanhante e um segurança, acompanhava saltitante
o ritmo da marcha militar e perguntava quanto tempo eles demorariam
ali. A pequena Amy trajava um vestido vermelho de alças com
uma blusa branca por baixo, sapatos pretos de verniz e meias brancas.
A filha do presidente Geisel, Amalia Luci, não compareceu ao
desembarque.
Após a revista às tropas, Geisel apresentou Jimmy Carter
às autoridades presentes. Na fila de cumprimentos estavam todos
os ministros de Estado e respectivas senhoras, à exceção
de Araripe Macedo, da Aeronáutica. O ministro João Batista
Figueiredo era o 32° colocado na fila e com ele, o presidente
Carter demorou-se mais alguns segundo.
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A
pontualidade |
Pela primeira vez, os ministros brasileiros chegaram quase uma hora
antes do desembarque de um chefe do governo estrangeiro. O próprio
presidente Geisel chegou a base aérea vinte minutos antes,
esperando a chegada do avião na sala destinada às autoridades.
Na pista, foram colocados três tablados de madeira destinados
à imprensa brasileira e norte-americana. O desembarque foi
assistido por cerca de 100 jornalistas.
O percurso feito por Carter para chegar ao Palácio do Planalto
foi interditado quase meia hora antes, o que provocou, na Esplanada
dos Ministérios próximo ao Palácio do Itamarati,
um congestionamento de trânsito, fato raro de ocorrer naquele
local.
Apesar desses percalços, a viagem até o Planalto não
tirou o bom humor da comitiva norte-americana, estimulado pelo locutor
de uma televisão brasileira, ao narrar o desembarque:
"Neste momento, pisa o solo brasileiro o presidente dos Estados
Unidos, Jimmy Carter. Aliás Jimmy é apelido. Seu nome
verdadeiro é James Earl Carter".
Só que, ao pronunciar o Earl, ele disse a palavra "eel",
que, no melhor inglês, significa enguia.
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