ISOLADO PELO 'COLLORGATE', PRESIDENTE TENTA SALVAR O MANDATO HOJE NA TV


Publicado na Folha de S. Paulo, terça-feira, 30 de junho de 1992



O presidente Fernando Collor de Mello tenta reagir hoje ao isolamento que ameaça encurtar o seu mandato, a 30 meses da data prevista para o fim. Em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, busca explicar a nova onda de denúncias de tráfico de influência e irregularidades que atingem o governo federal. Até seus ministros, porém, duvidam que o presidente seja capaz de rebater de modo convincente as informações de que sua secretária, Ana Acioli, pagava as contas da Cada da Dinda com dinheiro recebido do empresário Paulo César Farias. Jorge Bornhausen (Secretaria de Governo), Célio Borja (Justiça), Marcílio Marques Moreira (Economia) e Ricardo Fiúza (Ação Social) acharam frágeis os primeiros argumentos de Collor - de que sua secretária tinha um "vôo próprio". Outros aliados do Palácio do Planalto, como o governador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), passaram a condicionar a manutenção do apoio político a explicações "defensáveis". Os ministros militares também já não descartam a hipótese de renúncia ou impeachment do presidente. O vice Itamar Franco recebeu dos ministros da Marinha e do Exército a garantia de que toma posse em caso de afastamento de Collor.


Presidente vai hoje à TV tentar salvar seu governo
Horário do pronunciamento não está definido; tensão cresce em Brasília

Da Sucursal de Brasília

Só Fernando Collor de Mello pode salvar Fernando Collor de Mello. O presidente tenta reverter hoje, com um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, a crise que ameaça o seu mandato. Ontem, a Esplanada dos Ministérios exalava ceticismo. Os ministros duvidavam que Collor seria capaz de rebater de modo convincente a revelação de que sua secretária, Ana Acioli, pagava as contas da Casa da Dinda com dinheiro recebido de Paulo César Cavalcante Farias, o PC.

O partido mais exposto à crise palaciana é o PFL. Os pefelistas, que saíram da reforma ministerial de março como vitoriosos, ontem faziam contas e chegavam à conclusão que estavam pagando um preço alto pelo apoio ao governo. A solução encontrada ontem pelos líderes do partido foi pressionar o presidente: os pefelistas cobraram de Collor uma justificativa " defensável".

Governo e Congresso travaram uma guerra para assumir a paternidade da convocação extraordinária do Legislativo durante o recesso de julho. À tarde, os presidentes do Senado, Mauro Benevides, e da Câmara, Ibsen Pinheiro decidiram cancelar as férias dos parlamentares. À noite, em reunião com líderes partidários, Collor comunicou que tomaria a iniciativa da convocação, para que pudesse definir os projetos que julga prioritários para votação. Benevides disse que a iniciativa de Collor é desnecessária. Comunicou ainda a prorrogação dos trabalhos da CPI do caso PC por mais 30 dias. Com isso, a CPI funciona até 11 de agosto.

Os líderes dos três maiores partidos de oposição, Orestes Quércia (PMDB), Luis Inácio Lula da Silva (PT) e Tasso Jereissati (PSDB) se reúnem hoje em Brasília. A oposição que na semana passada já declarava o governo Collor "acabado", tenta hoje oferecer uma agenda de governabilidade para o país.

Aumenta o isolamento do presidente
Collor perde apoio até de seus ministros; Antônio Carlos Magalhães aguarda pronunciamento para se posicionar

JOSIAS DE SOUZA

Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

Fernando Collor de Mello está isolado. O presidente da República não tem a confiança nem dos seus ministros. O governador Antônio Carlos Magalhães (PFL), da Bahia, seu mais forte aliado, condiciona a manutenção do apoio político às explicações que espera ouvir hoje de Collor. Os ministros militares já não descartam a hipótese de renúncia ou impeachment (impedimento) do presidente.

Vence hoje o prazo de 48 horas que Collor pediu aos seus ministros para descobrir se sua secretária, Ana Acioli, usou dinheiro recebido de Paulo César Cavalcante Farias para pagar despesas da Casa da Dinda.

O presidente tenta conter a avalanche de suspeitas que recai sobre sua cabeça com um pronunciamento em cadeia de rádio e televisão.

As palavras de Collor terão de construir uma versão muito convincente para furar o cinturão de ceticismo que o envolve no momento. Ontem, até mesmo os quatro ministros guindados à posição de gerentes da crise estavam pessimistas.

Jorge Bornhausen (Secretaria de Governo), Célio Borja (Justiça), Marcílio Marques Moreira (Economia) e Ricardo Fiúza (Ação Social) acharam frágeis os primeiros argumentos de Collor. Pela manhã, o presidente anunciava que centraria sua defesa na tese de que sua secretária tinha "vôo próprio".

Entre os ministros encarregados de gerir a crise - Jorge Bornhausen (Governo), Célio Borja (Justiça), Marcílio Marques Moreira (Economia) e Ricardo Fiúza (Ação Social) - há um consenso. O presidente Fernando Collor não pode evitar, em seu próximo pronunciamento em cadeia nacional, a citação de Paulo César Farias, tal como fez no pronunciamento anterior, feito para rebater entrevista do ex-líder do governo na Câmara dos Deputados, Renan Calheiros.

Toda a Esplanada dos Ministérios esperava ontem pelo pior. Dois detalhes contribuíam para solidificar o pessimismo dos ministros. Primeiro, considerou-se estranho que o presidente Fernando Collor não soubesse dizer, sem a necessidade de prazos, se o dinheiro de Paulo César Farias chegou a cruzar os portões de sua própria casa. Ninguém entendia também a ausência de um esclarecimento para a revelação de que Cr$ 3 milhões dos recursos de Paulo César Farias teriam ido parar na conta da primeira-dama, Rosane Collor.

No Congresso, políticos serenos, entre os quais o senador e ex-ministro da Justiça Jarbas Passarinho (PDS-PA), também não excluíam em diálogos reservados, a possibilidade de o presidente Collor ter de ser conduzido para o patíbulo, na companhia de PC Farias, caso não providencie uma fantástica explicação. Também os presidentes da Câmara, Ibsen Pinheiro, e do Senado, Mauro Benevides - ambos do PMDB -, avaliavam como "crítica" a situação de Collor.

O vice-presidente da República, Itamar Franco, disse a um amigo que já recebeu de dois ministros militares a garantia de que sua posse será assegurada caso Collor tenha de deixar o governo. Os ministros militares foram Mário César Flores, da Marinha, e Carlos Tinoco, do Exército.


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