CONGRESSO EXAMINA O VETO DAS FORÇAS ARMADAS AO SR. GOULART
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 29 de agosto de
1961
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Comissão
especial para estudar a mensagem de Mazzilli
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BRASÍLIA,
28 (FSP) - Toda a atenção do país encontra-se
concentrada na decisão do Congresso Nacional, ao qual o sr.
Ranieri Mazzilli comunicou hoje que os ministros militares consideram
"absolutamente inconveniente o regresso ao país do vice-presidente
João Goulart", como informamos nesta mesma pagina. A sessão
do Congresso, convocada expressamente para tomar conhecimento dessa
comunicação, instalou-se às 20 horas.
A mensagem do presidente da Republica foi entregue às 13 h
30 de hoje ao sr. Herbert Levy. Pela manhã, realizaram-se diversas
reuniões no Palacio do Planalto, com a presença do sr.
Moura Andrade, vice-presidente do Senado e presidente em exercicio
do Congresso Nacional, e numerosos parlamentares. Na ocasião,
chegou-se a aventar a possibilidade da adoção do parlamentarismo,
para contornar a situação. Momentos depois, entretanto,
informava-se que os ministros militares vetavam qualquer formula -
inclusive a parlamentarista - que implicasse na permanencia do sr.
Goulart no poder. Em face disso, os acontecimentos precipitaram-se
e às primeiras horas da tarde era divulgada a mensagem do sr.
Mazzilli ao Congresso.
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24
horas de prazo - Nomes |
Paralelamente, informava-se que os chefes militares tinham decidido
esperar 24 horas para que o Congresso decidisse a crise politica e
escolhesse novo presidente, por eleição indireta. Entre
os nomes mencionados como possiveis candidatos figuram os do sr. Carvalho
Pinto e do mal. Dutra. O governador paulista, entretanto, como se
noticia em outro local, já afirmou que não aceitaria
sua eleição.
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Instalada
a sessão |
BRASILIA, 28 (FSP) - Foi instalada às 20 horas a sessão
do Congresso Nacional, convocada para tomar conhecimento da mensagem
do presidente Ranieri Mazzilli, que dá ao Parlamento ciencia
do pensamento das Forças Armadas em relação à
posse do sr. João Goulart. Por volta das 20 h 45, o senador
Cunha Melo, 1.o secretario da mesa, procedeu à leitura do referido
documento. Ao iniciar a leitura, o senador foi interrompido por protestos
do plenario, que não o estava ouvindo, em virtude de estarem
desligados os microfones. Providenciada a ligação e
restabelecida a ordem, foi lido o texto da mensagem presidencial.
Finda sua leitura, o deputado Ultimo de Carvalho (PSD - Minas) levantou-se
e gritou: "Ciente. Arquive-se."
Alguns congressistas, em coro, gritavam: "Arquive-se, arquive-se,
arquive-se", enquanto outros aplaudiam de pé os que gritavam.
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Comissão |
O presidente anunciou que nomearia uma comissão mista de deputados
e senadores para examinar a mensagem do presidente Mazzilli.
A comissão ficou assim constituida: senadores Alo Guimarães
e Jeferson Aguiar (PSD), Agenor Figueiredo e Nogueira da Gama (PTB),
Eribaldo Vieira e Padre Calazans (UDN), Novais Filho (PL) e Paulo
Fernandes; deputados Oliveira Brito e Ulisses Guimarães (PSD),
Geraldo Freire (UDN), Elói Dutra (PTB), Paulo Lauro (PSP),
Manoel Novais (PR), Barbosa Lima (PSB) e Plinio Salgado (PRP).
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Situação
normal em todo o país |
Até as primeiras horas de hoje, segundo informam os correspondentes
da FSP, é de absoluta normalidade a situação
em todo o país. Pequenos disturbios na Guanabara, onde a policia
procurou dissolver manifestações populares, não
alteram o quadro geral de ordem, que apesar da situação
politica, reina no Brasil inteiro.
Durante a tarde, noticias alarmantes chegaram do Rio Grande do Sul,
onde o sr. Leonel Brizola se bate pela posse do sr. João Goulart,
ao que se informava, sem confirmação, com apoio do comandante
do III Exercito, ali sedeado. Nada de grave, entretanto, ocorreu.
No restante do país, a situação é de normalidade.
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Janio:
"Fui obrigado a renunciar" |
"Fui obrigado a renunciar, mas, tal como Getulio, voltarei um
dia, se Deus quiser, para revelar ao povo quem foram os canalhas neste
país"- declarou o sr. Janio Quadros, momentos antes de
embarcar em Santos, às 16 horas de ontem, a bordo do navio
"Uruguai Star", com destino a Londres. O ex-presidente mostrava-se
cansado e com lagrimas nos olhos. Cinco minutos depois de ter embarcado,
tambem chegava ao cais a familia do sr. Janio Quadros, que com ele
seguiu para a capital britanica. Viajam com o ex-presidente sua mãe,
sua esposa, sua filha, seu genro e sua neta.
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EDITORIAL |
Não
bastam boas intenções
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A hora em que escrevemos este editorial, pairam sobre a nação
as mais sombrias apreensões. Não se sabe, ainda, se
as Forças Armadas estão unidas, em todo o país,
no veto oposto pelos ministros militares à posse do sr. João
Goulart na presidencia da Republica. Tambem se ignora até que
ponto o Congresso Nacional cumprirá o dever, ao mesmo tempo
juridico e moral, de recusar-se a mutilar a Constituição
para afastar do governo o vice-presidente. Pode ser, mesmo, que, ao
circular este jornal, o país já esteja correndo sangue,
pois os acontecimentos são agora imprevisiveis.
Não devemos examinar o merito das acusações que
os adversarios do sr. João Goulart levantam contra sua posse.
Elas são apenas impertinentes, eleito que foi, e vaga como
se encontra a presidência da Republica, com a renuncia do sr.
Janio Quadros. A solução constitucional é dar-lhe
posse e em seguida vigiá-lo, para que não falte ao dever
de governar dentro da lei e segundo mais convenha aos interesses nacionais.
Tarefa para a oposição, que será fatalmente poderosa,
dado que subindo ao poder um petebista, contra ele pelejará
valentemente a UDN, com sua longa tradição de luta.
O que nos parece rebarbativo, é negar-se-lhe posse, sob a alegação
de perigos futuros, que jamais poderão ser tão graves
quanto a violação da Constituição e dissensões
fatais, nas areas civis e militares. A medicina preventiva, prescrita
para o regime, nesta eventualidade, será infinitamente pior
que a cura de possiveis desvios do futuro governo.
Divergindo da atitude assumida pelos ministros militares, nem por
isso lhes negamos boas intenções. Basta considerar que
não reclamam o poder para si mesmos, nem para qualquer outro
militar, no que seguem, aliás, excelente tradição
das Forças Armadas, em momentos semelhantes. Em 1930 a Junta
militar que derrubou Washington Luís entregou o poder ao civil
Getulio Vargas. Em 1945, passou-o ao ministro José Linhares.
Em 1954, ao vice-presidente Café Filho. Em 1955, ao senador
Nereu Ramos. E agora admite que o Congresso eleja um civil para ocupar
o lugar do sr. João Goulart. Embora tutelando a nação
- umas vezes com acerto, outras erradamente - não se pode negar
às Forças Armadas a preocupação patriotica
de resguardá-la de perigos reais ou apenas presuntivos.
Mas não basta patriotismo quanto aos fins. É tambem
necessario que a ação para atingi-los respeite as limitações
constitucionais. Se os militares ainda puderem dar-se conta dessa
verdade, acrescentarão à desambição que
têm revelado uma outra virtude tão importante quanto
ela, que é triunfar sobre o amor proprio e evitar que se consume
gravissimo erro politico. Não sabemos se ainda haverá
tempo para essa autocontenção. Mas, se houver, e se
for feita, as Forças Armadas crescerão no respeito dos
brasileiros.
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De
novo em exame a emenda parlamentarista |
BRASÍLIA, 28 (FSP) - O deputado Nelson Carneiro (PSD-Guanabara)
retomou hoje as articulações em favor da emenda parlamentarista,
encaminhada à mesa da Camara pelo sr. Raul Pila (PL-Rio Grande
do Sul) há cerca de dois meses. Conseguiu reunir pela primeira
vez a comissão especial recentemente constituida para apreciar
o assunto. A comissão elegeu para presidente o sr. Chagas Freitas
(PSP-Guanabara) e para relator o proprio sr. Nelson Carneiro.
A instituição do sistema parlamentarista já não
está colocada em termos de solução para a crise
politica, uma vez que os ministros militares - pelo que se informa
- vetam a posse do sr. João Goulart na presidencia da Republica,
ainda que no regime de gabinete. A emenda constitucional - cujo exame
foi admitido hoje pelo PTB - está sendo estudada como tentativa
de permitir uma composição politica que satisfaça
ao PSD e à UDN.
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Aprovação
imediata
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Consideravel corrente pretende lutar pela instituição
imediata do regime parlamentarista, modificando para isto um dispositivo
do projeto Raul Pila que fixa a vigencia do novo sistema de governo
para 1965. Isto porem, só será possivel mediante reformas
do Regimento Interno da Camara, que não permite a introdução
de modificações em propostas de emendas à Constituição.
Existe, todavia, na Camara, em fase final de votação,
um projeto do deputado João Mendes (UDN-Bahia) alterando o
Regimento naquela parte. O sr. Nelson Carneiro informou que o projeto
poderá ser colocado na ordem do dia da sessão de amanhã
da Camara.
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PSD:
pela posse |
O sr. Valdir Pires (PSD-Bahia) apresentou ao PSD, reunido sob a presidencia
do alm. Amaral Peixoto, a seguinte proposta:
- "As bancadas do PSD na Camara e no Senado, em face da gravidade
dos acontecimentos nacionais e atentas ao rumo que estão tomando,
declaram à nação, para servi-la e ao regime democratico:
1.o - sua irreversivel posição de fidelidade à
Constituição; 2.o - seu proposito inarredavel de assegurar
a posse legitima do sr. João Goulart no exercicio do cargo
de presidente da Republica."
A proposta estava em discussão, quando a reunião foi
suspensa, para que o sr. Amaral Peixoto pudesse atender a um chamado
urgente do Palacio do Planalto. A iniciativa do sr. Valdir Pires tem
o apoio expresso de mais de 30 deputados, que a assinaram.
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Jango
concordaria |
RIO, 28 (FSP) - Revela-se aqui, através de um despacho especial
procedente de Paris, que o sr. João Goulart teria autorizado
o governador Carvalho Pinto a apresentar ao marechal Odilio Denys
a proposta de adoção de um regime parlamentarista através
do qual ele, João Goulart, seria guindado à presidencia.
O despacho informa que o vice-presidente mantem contatos com o Brasil
através de telefonemas e do telex. |
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