UNIÃO CULPADA NO CASO HERZOG
|
Publicado
na Folha de S.Paulo, sábado, 28 de outubro de 1978
|
|
Juiz
rejeita versão oficial e exige que se apure a morte do jornalista |
O juiz Márcio José de Moraes responsabilizou ontem a
União pela prisão ilegal e pela morte do jornalista
Vladimir Herzog, ocorrida nas dependências do Doi-Codi, órgão
vinculado ao 2o Exército, a 25 de outubro de 1975. A sentença
aponta: "Constata-se a prática de crime de abuso de autoridade,
bem como há revelações veementes de que teriam
sido praticadas torturas não só em Vladimir Herzog,
como em outros presos políticos nas dependências do Doi-Codi".
Derrubando a essência da tese da defesa, o juiz proferiu sentença
de largo fôlego 45 páginas datilografadas,
em que decide, fundamentalmente, condenar a União a indenizar
a esposa e os filhos de Herzog pelos danos materiais e morais decorrentes
de sua morte, e remeter cópias do processo e da sentença
à Procuradoria Militar para a apuração das responsabilidades
pela morte e pelo laudo médico (irregularmente assinado pelo
legista Harry Shibata).
O juiz argumentou que se a União quisesse eximir-se da responsabilidade
pelo suposto suicídio do jornalista, alegando que este ato
fora de sua culpa exclusiva, deveria tentar primeiro provar que o
suicídio realmente ocorreu. Em sua opinião, "a
União não logrou provar o suicídio e permanece
íntegra a sua responsabilidade civil pela morte de Vladimir
Herzog".
O juiz ainda lamentou a prisão ilegal do jornalista, pela "inexistência
de inquérito em que Herzog tenha sido indiciado, mandado de
prisão, autoridade competente que o tenha expedido e comunicação
da prisão ao juiz competente."
Para Clarice Herzog, viúva do jornalista, a sentença
foi "uma recompensa" pela batalha judicial que travou nos
últimos três anos. Ao tomar conhecimento da decisão,
ela telefonou para seus filhos Ivo e André (12 e 10 anos).
"A gente está felicíssima. A sentença foi
mais longe do que eu esperava" admitiu aos repórteres.
Já para o advogado Samuel MacDowell Figueiredo um dos
quatro que trabalharam no caso, em nome da família de Herzog
"quando uma sentença é proferida, ela estabelece
a verdade para todos os fins legais. E a sentença do juiz Márcio
José de Moraes diz que Vladimir Herzog foi preso ilegalmente,
torturado e morto por culpa da União".
Com 32 anos de idade, o juiz Márcio José de Moraes considerou
o processo de Herzog como o de maior repercussão de sua carreira,
iniciada em 1973, após concluir o curso de Direito na Faculdade
do Largo de São Francisco.
Ele disse ter estudado o processo durante os 45 dias de suas férias.
"Tratei o processo como trataria qualquer outro dos 11 mil que
estão em andamento na 7a Vara."
|
Juiz
condena União pela morte de Herzog |
O magistrado Márcio José de Moraes determina a
apuração de torturas ocorridas há 3 anos, no
Doi-Codi
O
juiz Márcio José de Morais, da 7a Varra da Justiça
Federal de São Paulo deu, ganho de causa, ontem à
família de Vladimir Herzog, responsabilizando a União
pela prisão ilegal, pelas torturas e pela morte do jornalista,
nas dependências do DOI-CODI do 2o Exército no dia
25 de outubro de 1975. O juiz determinou também que a Justiça
Militar apure todas as torturas sofridas por vários jornalistas
e que são mencionadas nos autos do processo.
Diante dos fatos e das provas, o juiz concluiu primeiramente que
Vladimir Herzog "estava preso nas dependências do DOI-CODI
do 2o Exército e faleceu nessas condições".
Na sua sentença o juiz concluiu também que o jornalista
estava preso ilegalmente, o mesmo acontecendo com outras testemunhas
que depuseram no processo, porque nem no IPM (Inquérito Policial
Militar), nem no processo, "não há sequer menção
à existência de inquérito em que Vladimir Herzog
tenha sido indiciado, ao mandado de prisão, à autoridade
competente que o tenha expedido e mesmo à comunicação
da prisão ao juiz competente".
"Mas o que importa ressaltou o juiz é que,
estando Vladimir Herzog preso nas dependências do 2o Exército,
a União Federal assumiu o dever legal de zelar pela sua integridade
física e moral".
O juiz também derrubou a tese da União de que Vladimir
Herzog teria responsabilidade exclusiva por seu suposto suicídio.
Caso quisesse sustentar essa tese argumentou o juiz
a União teria que provar primeiramente que ocorreu o suicídio.
No entanto, a União não conseguiu prová-lo
pois, segundo o juiz, a prova documental principal o laudo
médico-legal ficou prejudicada com o testemunho de
um dos dois médicos que o assinaram Harry Shibata,
que admitiu não ter visto o corpo e assinado o parecer "em
confiança". Em segundo lugar, porque a única
prova testemunhal apresentada pela defesa, foi o de uma testemunha
que concluiu pelo suicídio tendo apenas lido o laudo médico
referido. Da mesma forma, o laudo complementar preparado a pedido
do presidente do IPM sobre o caso, general Cerqueira Lima, também
baseou-se no primeiro documento, perdendo seu valor jurídico.
"Embora esse Juízo não possa categoricamente
afirmar que o suicídio de Vladimir Herzog não ocorreu,
o certo é que a União Federal não logrou comprová-lo...
e permanece íntegra a sua responsabilidade civil pela morte
de Vladimir Herzog" - afirma a sentença.
|
Torturas |
O juiz ainda afirma que constatou a prática de crime de abuso de
autoridade, "bem como há revelações veementes de que teriam sido
praticadas torturas não só em Vladimir Herzog, como em outros presos
políticos nas dependências do Doi-Codi do 2o Exército". Veja-se
a respeito esclareceu o juiz os pungentes depoimentos
das testemunhas Gildásio Westin Cosenza, George Duque Estrada, Gofredo
da Silva Telles Júnior, Antony de Christo, Paulo Sérgio Markun,
Sérgio Gomes da Silva, Luís Weiss e a declaração extrajudicial prestada
por Rodolfo Konder."
|
Clarice
recebe a sentença como "uma recompensa" |
Clarice Herzog, viúva do jornalista morto no Doi-Codi no
2o Exército há três anos e dois dias, recebeu
a notícia através de seus companheiros de trabalho
e a primeira atitude foi dirigir-se ao escritório de seus
advogados.
Ali tomou conhecimento da sentença inteira, telefonou para
sua residência, contou aos filhos Ivo (12 anos) e André
(10 anos) da vitória conquistada na Justiça e se reuniu
com os advogados. Depois, ainda agitada, dirigiu-se aos jornalistas
(mais de uma dezena):
"A gente está felicíssima. A sentença
foi mais longe do que eu esperava, e é uma resposta a tudo
o que disse na quarta-feira no Sindicato, quando frisei a necessidade
de sempre recorrermos à Justiça" - salientou
Clarice.
Segundo ela, embora a verdade "fosse tão clara, era
preciso a palavra da Justiça", para que nenhuma dúvida
permanecesse quanto à forma como Vlado morreu.
Lembrando os três anos em que lutou pela causa, em que sofreu
ameaças e o processo era emperrado em razão de muitas
circunstâncias, Clarice Herzog classificou a sentença
do juiz Márcio José de Morais como "uma recompensa".
"Conseguir a abertura do processo foi a maior dificuldade.
Colocaram empecilhos de toda ordem, parecia um drama kafkiano"
disse.
Por esse motivo, Clarice afirmou que não aguardava uma sentença
nesse momento, o que lhe causou surpresa.
"A pena é que não foi no dia 25 (aniversário
da morte de Vlado), mas a sentença do juiz foi maravilhosa,
todos deveriam lê-la" ressaltou.
Sobre o significado desse ganho de causa, Clarice Herzog salientou
que representa "um precedente que deve se evidenciado".
Para ela, a vitória na Justiça revelou que "ainda
se pode ter crença no poder civil. E agora virão muitos
outros casos, com muita certeza".
A viúva de Vladimir Herzog demonstrou confiança em
que o processo será vitorioso também nas instâncias
superiores.
"Agora não podemos perder mais" - afirmou.
|
©
Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos
reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização
escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.
|
|