BRASIL ESTÁ MARCADO PELA RECESSÃO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 28 de maio de 1984
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Completados 17 meses dos acordos com o Fundo Monetário Internacional,
o Brasil entra em seu quarto ano de recessão marcado pela fome,
desemprego, aumento da criminalidade e expansão dos núcleos
de favelas.
Os números são irrefutáveis e assustadores: um
em cada sete assalariados paulistanos está sem emprego; são
10 milhões os brasileiros que recebem meio salário mínimo;
a fome já figura como uma das dez causas mais frequentes de
mortalidade infantil no Estado de São Paulo; aumentam os saques
de alimentos e botijões de gás nos centros de Saúde
da Grande São Paulo; o índice de mortalidade infantil
nas favelas de Belo Horizonte atinge os 10% (quase a mesma marca do
sertão nordestino). Em pontos de periferia paulistana tem caído
a taxa de natalidade (hipótese provável: porque os pais
temem não poder criar mais filhos devido à miséria).
E no Nordeste deverão morrer, este ano, 100 mil crianças
por desnutrição e 43 mil por gastroenterite, segundo
o ministro da Saúde, Waldir Arcoverde.
Com a recessão, e a consequente queda na arrecadação
de impostos, houve forte redução no ritmo de crescimento
das redes de água e esgotos, revertendo um quadro que parecia
perto de um encaminhamento favorável. Enquanto isso, a posse
da terra aparece como única esperança de subsistência
e renda para milhares de brasileiros. Assim, no ano passado ocorreram
424 novos conflitos de terra em todo o País, envolvendo posseiros,
latifundiários, empresas estatais e estrangeiras.
Na favela 5 de Julho, na Zona Leste da capital paulista, José
Luís Souza Lima, a mulher e os cinco filhos são o exemplo
crucial de como a recessão atinge as pessoas. O casal está
desempregado há quatro meses, e a família literalmente
passa fome. Na casa de dois cômodos, sem água (por falta
de pagamento), terminam as histórias de recessão, desindexação,
cartas de intenções, nível de emprego e tudo
o mais que a família Lima não entende direito e sofre
na carne.
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Editorial |
União necessária
O Brasil
que retratamos hoje em nossa reportagem sobre as consequências
sociais da crise econômica não é o mesmo que
esteve presente nas grandes manifestações públicas
pelas diretas-já. É o aspecto mais dramático
da desigualdade neste País que a base miserável da
pirâmide social viva rigorosamente aquém da cidadania;
emudecida, sufocada pela miséria, e tão distante dos
ricos e remediados que é como se vivesse em mundos à
parte.
Contudo há sinais de que de algum modo esse Brasil deserdado
esteve lá, em praça pública, marcando com sua
presença o tom do protesto e da esperança política
do resto da sociedade.
Esteve lá, primeiro, porque quatro anos de recessão,
atingindo uma sociedade que bem ou mal se modernizou intensamente
desde a grande crise de 1929, tiveram o efeito de estreitar distâncias
dentro da massa dos assalariados. Passada a euforia do "milagre
econômico" dos anos 70, a nova classe média, filha
da grande empresa privada ou estatal, descobre que a pauperização
e o desemprego não respeitam diferenças de qualificação
profissional.
Notam-se mudanças, além disso, na própria percepção
das desigualdades pelas elites econômicas e políticas.
O tema da distribuição de renda, que há apenas
dez anos tinha tinturas oposicionistas, quando não esquerdizantes,
hoje frequenta o discurso - embora não coerentemente a prática
- oficial. E mais: situações de conflito social, mesmo
agudo, como em Guariba, já não suscitam reações
homogeneamente alarmistas e repressivas nos setores conservadores.
Ao menos nos discursos, e já um pouco no plano concreto das
relações de trabalho, surge a compreensão de
que a defesa da ordem prezada pelos de cima pode fazer-se com mais
segurança e dignidade mediante concessões de baixo.
A emergência desse conservadorismo responsável, moderadamente
reformista, é um dado animador em face dos riscos que, mesmo
sem alarmismo, são detectáveis no quadro social.
Esperemos que não se perca, por indecisão das elites,
a oportunidade política de converter a consciência
da desigualdade num fator construtivo das mudanças reclamadas
pela parte cidadão da sociedade.
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