DESAPARECE GRANDE FIGURA DA REVOLUÇÃO DE 1930: MORREU ONTEM OSVALDO ARANHA

Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 28 de janeiro de 1960

Neste texto foi mantida a grafia original

RIO, 27 (FOLHA DE S. PAULO) - Faleceu esta noite na capital do país o sr. Osvaldo Aranha, uma das mais destacas figuras da vida nacional nos ultimos trinta anos. Vitimou-o um colapso cardiaco.
Um dos grandes articuladores do movimento revolucionario de 1930, logo após a vitoria da revolução Aranha assumiu a pasta da Justiça. Outros postos de grande relevo viria a exercer o morto de hoje; ministro da Fazenda e do Exercito, embaixador do Brasil nos Estados Unidos, presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas - cargo que estendeu ao plano internacional a grande notoriedade de que desfrutava em sua terra, como lider politico e administrador.

As apreensões do medico

O cardiologista Paulo Uchoa, chefe da clinica do Hospital Miguel Couto, vinha ultimamente assistindo o sr. Osvaldo Aranha. Visitando-o há cerca de uma semana, mostrou-se muito apreensivo com suas condições de saude, tendo-o aconselhado a poupar-se de todo e qualquer esforço.

A morte

O sr. Osvaldo Aranha faleceu em sua residencia, na rua Cosme Velho, 415, no bairro das Laranjeiras. Completaria 66 anos no proximo mes.

Traços da carreira de Osvaldo Aranha


Traços biograficos
Osvaldo Aranha, ontem falecido no Rio, nasceu em Alegrete Rio Grande do Sul, a 15 de fevereiro de 1894, filho do sr. Euclides de Sousa Aranha e da sra. Luisa de Freitas Vale Aranha. Fez os estudos secundarios em Porto Alegre, os superiores na Escola Militar e bacharelou-se em Ciencias Juridicas e Sociais pela antiga Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Foi professor da Faculdade de Direito de Porto Alegre, subchefe de Policia do Estado do Rio Grande do Sul, em 1924; intendente do Municipio de Alegrete, em 1925; deputado estadual e federal, em 1927, secretario dos Negocios Internos e Externos do seu Estado natal, em 1928; presidente interino do Estado sulino, de fevereiro a março e em outubro de 1930; ministro de Estado da Justiça e Negocios Interiores, em 30-31; membro da comissão incumbida de elaborar o anteprojeto da Constituição de 1934; ministro da Fazenda em 31-34; presidente da Comissão de Estudos Economicos e Financeiros da republica; lider da Assembleia Nacional Constituinte em 1934; ministro do Exterior em 1938. Quando do suicidio do presidente Vargas, seu velho amigo e companheiro de lutas politicas, dirigia o Ministerio da Fazenda.
Em 1930, por ocasião da campanha presidencial, exerceu intensa atividade como coordenador das forças politicas, a fim de manter a unidade politica do Rio Grande do Sul e articular o apoio de todo o país à candidatura do sr. Getulio Vargas à presidência da Republica. Após a vitoria da revolução, negociou no Rio de Janeiro a entrega do governo ao sr Getulio Vargas. Como ministro da Justiça, venceu as primeiras crises surgidas no seio da Revolução. Na pasta da Fazenda, organizou o chamado Plano de Reajustamento Economico. Nomeado embaixador do Brasil em Washington estreitou a amizade brasileiro-norte-americana. Ministro do Exterior, propugnou sempre pelo pan-americanismo e presidiu à 3ª Reunião Consultiva dos Ministros das Relações Exteriores dos Paises Americanos.
Entre suas missões no exterior salientam-se: representante do Brasil na 2ª Assembléia-Geral do Instituto Pan-Americano de Geografia e Historia, em Washington, em 1935; embaixador extraordinario na posse de d. Miguel Mariano Gomez, presidente de Cuba, em 1936; delegado do Brasil à Conferencia Interamericana de Consolidação da Paz, em 1936. Visitou os EUA em 1939, a convite do presidente Roosevelt, quando firmou importantes acordos economico. Assinou em Buenos Aires, em 1940, o acordo comercial brasileiro-argentino. Presidiu à Assembléia-Geral das Nações Unidas em 1947 quando era chefe da delegação brasileira na ONU.
Entre seus títulos honorificos figuram: general de brigada honorario do Exercito brasileiro, conferido pelo governo provisorio de 1930; doutor honoriscausa pelas Universidades de George Washington, de Columbia, de Rochester; socio honorario do Instituto Historico e Geografico Brasileiro, do Real Gabinete Português de Leitura, benemerito do Instituto da Ordem dos Advogados, socio efetivo da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.
Recebeu, entre outras condecorações, a grã-cruz das ordens; Condor de los Andes (Bolivia), Merito (Chile, Equador, Haiti, Paraguai), Sol (Peru), Libertador (Venezuela), Leopoldo I (Belgica), Coroa (Italia). Era grande oficial da Ordem do Merito Naval e do Merito Militar do Brasil.

«Sensibilidade aguda às coisas humanas»

A respeito da morte de Osvaldo Aranha, o sr. Josué de Castro, presidente da Associação Mundial de Luta Contra a Fome (ASCOFAM), ora em São Paulo, declarou à reportagem:
- "Osvaldo Aranha era, há dois anos, presidente da seção brasileira da ASCOFAM. A perda que o Brasil hoje acaba de sofrer é uma perda mundial. Porque Osvaldo Aranha era dos poucos brasileiros de expressão realmente internacional, respeitado no mundo inteiro por sua ação politica e social. A sua atuação na presidencia da ONU projetou seu nome por todos os quadrantes, tornando-o merecedor de admiração dos intelectuais, dos politicos, dos homens de pensamento de todos os paises membros das Nações Unidas. Na qualidade de presidente da ASCOFAM, rendo meu tributo e homenagem a este grande homem que aceitou no fim de sua vida colaborar conosco na campanha mundial contra a fome, dirigindo a seção brasileira desse organismo internacional. A sua ajuda, seus conselhos, seu esforço pessoal permitiram à nossa organização realizar no Brasil uma obra do maior interesse para as populações brasileiras."
"Encantava-me Osvaldo Aranha" - afirmou ainda o sr. Josué de Castro - "porque, quando parava o debate politico, mostrava não ter secado através da vida. Mostrava ter continuado com esta seiva, este espirito, esta sensibilidade aguda às coisas humanas. Se não tivesse sido um grande politico, teria sido um dos maiores romancistas do mundo."

«Representou uma fase da nossa politica»

Por sua vez, o prof. Miguel Reale, declarou sobre o extinto, de que era amigo pessoal:
- "Osvaldo Aranha representou, sem duvida alguma, a figura central da renovação social e economica do Brasil, no momento em que a nossa patria despertava para uma consciencia mais viva de nossos problemas. Não significou apenas um episodio revolucionario transitorio, mas sim, uma mudança de atitude em face da realidade brasileira, que ele procurou compreender com toda a exuberancia de sua dedicação humana. Representou, em suma, toda uma fase da politica brasileira, anunciando a maturidade que já vamos atingindo."

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