BOMBA DO TERROR CAUSA MORTE NO RIO; OAB, CÂMARA MUNICIPAL E JORNAL SÃO ATACADOS


Publicado na Folha de S.Paulo - quinta-feira, 28 de agosto de 1980


Duas bombas de alto teor explosivo provocaram a morte de uma senhora e ferimentos em outras seis pessoas, ontem, no Rio, em dois atentados ocorridos no início da tarde: um, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil e outro na Câmara dos Vereadores. Num terceiro atentado, de madrugada, uma bomba de pouca potência destruiu parcialmente a sala do jornal "Tribuna da Luta Operária", não fazendo vítimas.
A bomba colocada na sede da OAB atingiu a secretária da entidade, Lida Monteiro da Silva, que teve o braço decepado, vindo a morrer minutos após ter dado entrada no hospital. No atentado na Câmara dos Vereadores, o sr. José Ribamar de Freitas, tio e assessor do vereador Antônio Carlos de Carvalho, do PMDB, perdeu um braço e uma vista, encontrando-se até a noite de ontem em estado grave. Outras cinco pessoas que estavam no local foram feridas.
Em Brasília, o ministro da Justiça, Abi Ackel, comunicou, em nota oficial, que, por determinação do presidente Figueiredo, o Departamento de Polícia Federal foi encarregado de dirigir o inquérito destinado à apuração desses atentados, "que configuram crime contra a segurança nacional e a ordem política e social".
Por seu lado, os trinta mil homens das polícias civil e militar do Rio entraram em prontidão. O secretário da Segurança Pública, general Edmundo Murgel, após despachar com o governador Chagas Freitas, divulgou nota oficial considerando os atentados "repugnantes e totalmente injustificáveis".
Depois de discutir os atentados com o chefe do Gabinete Civil da Presidência, general Golberi do Couto e Silva, o líder do governo no Senado, Jarbas Passarinho, declarou: "É uma tentativa para desestabilizar o próprio presidente da República", referindo-se à onda terrorista.
No início da noite, o Conselho Federal da OAB enviou telegrama ao presidente da República comunicando que aguarda providências. O Conselho resolveu proclamar a data de hoje como Dia Nacional de Luto dos Advogados.
Em Brasília, o presidente nacional do PMDB, deputado Ulisses Guimarães, afirmou que "a impotência do governo mergulhará o País no caos e na anarquia".
A CNBB, através do bispo d. Cláudio Hummes, afirmou que os atentados intranquilizam a Nação, "sobretudo porque não se enxerga uma saída que faça cessar os atos de terrorismo".

Um morto e 6 feridos em 3 atentados no Rio

A sede da OAB, a Câmara dos Vereadores e a redação de um jornal foram atingidas por bombas de terroristas


Das Sucursais, do Serviço Local e dos correspondentes

Uma senhora morta e seis feridos - um deles com a perda da visão e de um braço: este foi o saldo de três atentados a bomba ocorridos ontem, no Rio. O primeiro dos atentados ocorreu de madrugada, quando uma bomba de baixo teor explosivo destruiu parcialmente a sala de redação do jornal "Tribuna da Luta Operária". A segunda bomba, de alto teor explosivo, provocou, no início da tarde, a morte da secretária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Lida Monteiro da Silva, de 60 anos de idade. Esta bomba explodiu na sede da entidade, e seu presidente, Seabra Fagundes, enviou telex ao presidente Figueiredo protestando e pedindo providências. A terceira bomba explodiu quase uma hora depois, na Câmara dos vereadores, ferindo gravemente o sr. José Ribamar de Freitas, de 60 anos - que perdeu o braço direito e ficou cego do olho esquerdo -, além de outras cinco pessoas.
Em Brasília, o ministro da Justiça, Ibraim Abi Ackel, divulgou nota oficial informando que o Departamento de Polícia Federal vai dirigir o inquérito para apurar estes atentados, "que configuram crime contra a segurança nacional e a ordem política e social". No Rio, os trinta mil homens das polícias civil e militar foram mobilizados e o secretário da Segurança, general Edmundo Murgel, divulgou nota oficial condenando os atentados.

Telefonemas anônimos

Até o final da noite, ninguém assumiu a autoria dos atentados e em nenhum dos locais houve aviso prévio dos mesmos. A partir das 12 horas, redações de jornais, ABI, o Sindicato dos Jornalistas, a Assembléia Legislativa, o Hospital de Pronto Socorro, a Catedral de Nova Iguaçu, a OAB de Niterói e a sala do Foro receberam telefonemas anônimos de ameaça.
O mais grave dos atentados foi o da sede da OAB onde a sra. Lida Monteiro da Silva teve um braço decepado e o corpo todo mutilado. Seu corpo está sendo velado no saguão da sede da OAB e o sepultamento está previsto para às 11 horas, possivelmente com cortejo a pé até o cemitério São João Batista, em Botafogo.

Sofisticação

O engenheiro Sérgio Leite, perito do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, chegou à sede da OAB três horas e meia após o atentado e concluiu que "a bomba era bastante sofisticada e de altíssimo teor explosivo".
O perito disse que só depois dos exames de laboratório poderá definir o tipo de bomba utilizado. Revelou que foi colocada com fitas adesivas sob a gaveta da mesa de d. Lidia e, por isso, conclui que deveria ter pequeno volume, podendo mesmo estar envolvido em um simples envelope.
O engenheiro Sérgio Leite afastou a possibilidade da utilização de uma bomba-relógio, por não ter encontrado qualquer vestígio de material desse tipo. Outro fato que despertou curiosidade foi o explosivo não ter provocado fogo, apenas destruição total da sala e ante-sala da secretária e parcial da do presidente do Conselho Federal.

Seis feridos, um com gravidade, na Câmara

A bomba que explodiu às 14h40 na Câmara dos Vereadores do Rio, feriu seis pessoas, uma delas gravemente: o sr. José Ribamar de Freitas, 60 anos, assessor técnico e tio do vereador Antonio Carlos de Carvalho, do PMDB, que perdeu o braço direito e ficou cego do olho esquerdo, e que até a noite de ontem se encontrava em estado grave no Hospital Sousa Aguiar.
Deixada na sala da Comissão de Abastecimento Industrial e Comercial, localizada no 3º andar e ocupada pelo vereador Antonio Carlos de Carvalho, a bomba ainda deixou feridos a funcionária Eva Cruz da Silva, assessora do vereador Itagoré Barreto, do PP, que se encontrava na sala ao lado; e os sr. Aimé Nunes Noronha, José Luís Atanásio, Paula Braga (que está grávida) e Olga Mendes da Silva.
Em meio à grande confusão e pânico que se estabeleceu em seguida, muitos funcionários da Câmara começaram a correr temendo novas explosões. Enquanto isso, o sr. José Ribamar de Freitas permaneceu caído no chão, ensanguentado, com os cinco dedos da mão esquerda decepados e o braço preso ao ombro apenas por ligeira camada de pele. Ele só foi removido para o hospital 20 minutos depois, quando foi posto no carro do vereador Silvio de Morais, do PP.
Por volta das 16h30, o chefe da Casa Militar do governador Chagas Freitas, coronel Neilson Rebouças, chegou à Câmara, indo imediatamente para o local onde a bomba explodiu. Ao sair, ele comentou com o vereador Sílvio de Morais que o responsavel pelo atentado conhecia muito bem o local e que a bomba era de grande potência, fazendo estragos maiores que os ocasionados na OAB.
O coronel Rebouças disse que o governo estadual já estava tomando todas as providências para que tais fatos não ocorressem mais e que o governador Chagas Freitas lamentava profundamente esta sucessão de atos terroristas.

"Objetivo era matar"


A violência da bomba também foi constatada pelo deputado estadual Raimundo de Oliveira, do PMDB, que ao sair do local onde ela explodiu, disse que "o objetivo não foi só assustar, foi mesmo para matar". Segundo o deputado, a violência foi tal, que só não matou a todos na sala porque o teto cedeu, evitando assim que houvesse uma concentração de ar, o que provocaria danos maiores.
Raimundo de Oliveira atribuiu o atentado à extrema-direita, fascista, a seu ver desesperada pela falta de base política. "Esse tipo de gente só sabe viver nos esgotos, e diálogo com eles só se faz matando pessoas inocentes. Mas nós não vamos nos intimidar, haveremos de fazer de cada atentado um elo maior de luta democrática" - garantiu o deputado.
Já o vereador Dirceu Amaro, líder do PP na Câmara, responsabilizou o governo federal.
Segundo relatos feitos pelas poucas pessoas que tiveram acesso ao local onde a bomba explodiu a sala ficou completamente destruída e o teto chegou a ceder. Todos os arquivos do vereador Antonio Carlos de Oliveira, um dos cinco vereadores mais votados nas eleições de 1976, e oposicionista com participação em manifestações públicas, ficaram destruídos. A bomba foi colocada embaixo de sua mesa e atingiu as outras seis salas da ala das comissões técnicas da Casa.
Quase uma hora depois da explosão, chegaram oito homens do Esquadrão de Bombas do Departamento Geral de Investigações Especiais (DGIE). Por volta das 16h30, um telefonema foi dado para o local avisando que explodiriam mais duas bombas. Imediatamente, o prédio foi totalmente evacuado e até as 18 horas os peritos não haviam concluído os trabalhos.

Jornal também é vítima dos terroristas

Uma bomba de pequeno poder destrutivo explodiu ontem de madrugada na sucursal do jornal "Tribuna da Luta Operária", que funciona num prédio comercial na Lapa, destruindo parcialmente a pequena sala e quebrando vidraças. Não houve vítimas porque a sala estava vazia.
Não se constatou qualquer sinal de violência na porta da sala e o porteiro Jairo Bonin afirmou que nenhuma pessoa estranha entrou no prédio até às 21h30. O vigia, Sebastião Moizinho, ouviu o barulho da bomba, mas como estava ventando muito, pensou que fosse uma porta batendo.
Fragmentos da bomba foram recolhidos pelos policiais do DPPS, no jornal. Trata-se de um velho relógio de cor amarela, com dois fios ligados a uma pilha. Também foram recolhidos dois rolos de filmes - um preto-e-branco e outro a cores, tendo um deles um papel branco colado em sua volta, com a inscrição "Palestra Aldo, Tribuna Popular".
Gildazio Cozenza, um dos responsáveis pelo jornal no Rio, revelou que ninguém se responsabilizou pelo atentado, não tendo antes recebido qualquer ameaça. A sucursal funciona normalmente até as 19 horas, como ocorreu na véspera.
Cozenza afirmou que o condomínio do prédio é extremamente cuidadoso, mantendo horário rígido para fechar e não permitindo a entrada de pessoas, mesmo de proprietários de salas, após o expediente. Por isso, disse ele, as pessoas que realizaram o atentado devem dispor de algum conhecimento, já que o segredo da fechadura havia sido trocado há 15 dias.
Cozenza afirmou que nenhum objeto, documento ou valor foi retirado da sucursal. No chão da pequena sala, estavam espalhados todos os exemplares do jornal existente na sucursal, com os móveis em desordem.

Editorial

Contra a abertura

Os atentados terroristas de ontem no Rio de Janeiro, que causaram a morte de uma funcionária da OAB e ferimentos em outras seis pessoas, só podem merecer o mais profundo repúdio da Nação. A covarde ação - que atingiu, entre outros, um dos mais representativos setores empenhados na consolidação da abertura política do País, a Ordem dos Advogados do Brasil - visa em última instância atingir a própria abertura.
Segundo o líder da maioria no Senado, Sr. Jarbas Passarinho, esses insatos atos têm como objetivo principal "desestabilizar o governo do presidente Figueiredo". Essa interpretação reflete a realidade: com todas as críticas e restrições que possam ser feitas, é fato inconteste que o Presidente tem procurado promover o reencontro da Nação com a sua vocação democrática.
Recuos nessa caminhada só podem interessar a forças obscurantistas. E a esta altura do acontecimento, ante crescente onda de violência política nacionalmente coordenada, não pode haver dúvida sobre os desígnios totalitários que por trás dela se escondem. A intenção, repita-se, é comprometer a abertura.
O momento é difícil e por isso mesmo exige não só uma decidida ação das autoridades no sentido de pôr cobro a esse retorno à barbárie, como uma verdadeira mobilização da consciência nacional em torno da preservação dos caminhos apontados pela abertura política.
 

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.