DE REPENTE, A VIOLENCIA

Briga faz USP fechar faculdades

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 1967

Neste texto foi mantida a grafia original

Aos gritos de "morram os comunistas", alunos do Instituto do Mackenzie invadiram a Faculdade de Filosofia da USP para impedir a realização das eleições da UEE, depois de terem feito o mesmo na sua própria universidade, utilizando, em ambos os casos, um forte argumento: socos, pontapés, pauladas e palavrões.
A Policia prendeu, no Mackenzie, 16 estudantes que queriam votar, os quais deverão ser indiciados como incursos na Lei de Segurança Nacional. Diante dos acontecimentos, o reitor da Universidade de São Paulo mandou fechar todas as suas Faculdades até segunda-feira proxima.

No Mackenzie, o começo

Dezesseis estudantes que queriam realizar eleições da diretoria da UEE, na Universidade Mackenzie, foram presos, ontem, pela manhã, e enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
Quando as autoridades chegaram àquela universidade, os 16 estudantes estavam cercados por quase 300 outros que não concordavam com a eleição. Muitos estudantes estavam armados com revolveres, pedaços de correntes de ferro, cabos de aço, canos e sarrafos arrancados de uma grade perto da escola. Um universitario estava ferido no supercilio e sangrava.
A Policia conteve os estudantes. Defendeu os 16 da maioria e os conduziu ao DOPS, onde foram processados num trabalho que durou 12 horas. Deputados, professores e outras autoridades interferiram, alguns contra e outros a favor dos universitarios presos.

Reitora avisou

Há dias a reitora da Universidade Mackenzie, Ester Figueiredo Ferraz, avisou os estudantes que a eleição estava proibida por força de lei e que ela não poderia ser feita, pelo menos, nas dependencias da escola.
O Partido Libertados Academico, não obstante, continuou preparando a eleição. O Partido Academico Democratico uniu-se ao Partido Academico Renovador e ambos ficaram contra as eleições. A situação ficou mais ou menos assim: 1200 alunos contra a eleição; 600 a favor.
Durante a preparação do pleito, o Diretor Central Estudantil cometeu, conforme reconhecem seus proprios dirigentes, um grande erro de calculo: marcaram as eleições para as 8 horas e estabeleceram que ela se realizaria durante o dia todo.
Mas os membros do Partido Libertador Academico, que defendiam a realização da eleição, são quase todos estudantes do periodo noturno (a maior parte trabalha durante o dia - afirmou um academico). Por isso faltariam estudantes, durante o dia, para garantir a realização do pleito. E a oposição, neste período, contaria com maior numero de universitarios.
O erro de calculo só foi percebido, ontem, às 8 horas, quando apenas 16 universitarios estavam no Mackenzie defendendo a realização do pleito. Mesmo assim conseguiram trancar-se numa sala e instalar a urna apuradora. Nomeou-se a mesa e o presidente desta. Lá fora, cercando a sala, a oposição: quase 300 estudantes.
Vaias, gritos e protestos. Os 16 ameaçados, a sala prestes a ser invadida pela maioria. Dentro e fora da sala havia estudantes armados. Começou a briga. O estudante Henrique Meira, que não queria eleição e estava fora da sala, protestou: "Estamos numa democracia. Quero votar tambem. Votarei contra tudo isso que se está armando, mas tenho o direito de votar". Foi convidado para entrar na sala. Entrou. A porta foi trancada e Meira apanhou.

Briga

Intensificou-se a luta depois que Meira foi agredido. Já não era mais só oposição que estava fora da sala. Começaram a chegar estudantes - poucos - que defendiam a eleição. Grupos trocavam socos e pontapés. Houve disparos. Quatro ou cinco tiros para o ar. Pauladas. Correntadas.
Generalizava-se a briga e os 16, acuados, não saiam da sala. Agentes secretos, infiltrados, perceberam as proporções que a briga poderia chegar em pouco tempo e telefonaram para a Polícia Federal.
A Policia agiu. A briga acabou. E os 16 continuavam na sala.

Corredor

Para a Policia, a porta da sala foi aberta e os 16 estudantes presos. Quando saiam, os universitarios da oposição formaram um corredor humano. Pelo corredor passaram os presos. Estes estavam fortemente protegidos pelos soldados da FP, que faziam força e ameaçavam usar suas armas para impedir que o corredor se fechasse. Os que formavam o corredor, impedidos de agredir os presos, cuspiam neles e cuspiram durante todo o tempo - mais de vinte metros.

Ferido

Ninguem foi feito gravemente. Apenas contusões, machucaduras leves e o corte no supercilio de Meira. Este foi levado para o DOPS. A Policia, entretanto, achou que o ferimento nada tinha a ver com o aspecto politico e Meiras dirigiu-se para a 4ª Delegacia Distrital, na rua Augusta, a mais proxima da universidade. Na 4ª, Meiras disse que foi surrado pelos dezesseis, mas quem o feriu mais e usou a corrente para machucá-lo no rosto foi Nelson Nabam. Este foi indicado no inquerito sobre a agressão sofrida por Meiras.
Meiras foi ao DOPS acompanhado do advogado Benedito Sergio de Almeida Santiago e dos estudantes Ricardo Osni Silva Pinto, Francisco Barros Campos Jr. e José Maria Junqueira Neto. Todos estavam revoltados com a agressão sofrida pelo colega.

Presos

Na confusão, no Mackenzie, a Policia não conseguiu identificar outros estudantes que queriam eleição. As autoridades identificaram apenas os 16, que estavam na sala com a urna e que foram presos. No DOPS, eles foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional art. 36 (tentar reorganizar entidade extinta por lei). Os 16 são estes: Lauro Pacheco e Jun Nakabayashi, respectivamente presidente e vice-presidente do Diretorio Central Estudantil: Antonio José da Costa Lima, filho do ex-ministro da Agricultura e ex-presidente do IBC, sr. Renato Costa Lima; Ayton Adalberto Mortati, Carlos Rodolfo Tinoco Cabral, Livio de Sousa Mello, José Carlos do Nascimento, José Gilson Soares, Pantaleo Longbardi, Cid Barbosa Lima Jr., Antonio Rubens Soares, Agostinho Fior Delisio, Sidnei Ferreira de Toledo Ferraz, Oliver Simioni e Fernando Marinho Falcão.
Alguns estudantes viram quando o reporter Bahaa Bordokan foi preso. ele colhia material para uma reportagem sobre o caso para o jornal Ultima Hora (do Rio). Entretanto, seu nome não constava na relação dos presos no DOPS.

A invasão da Filosofia

Cerca de 60 alunos da Universidade Mackenzie, invadiram, ontem às 12,20 horas, o Gremio da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, na rua Maria Antonia, onde se procediam as eleições, proibidas pela policia, para as diretorias da UEE, DCE-Livre e Gremio da Filosofia.
Os invasores entraram em luta corporal com os alunos da USP, arrebentando as urnas, destruindo os materiais para as eleições e quebrando mesas, cadeiras e armarios da sede do Gremio.

O inicio

Assim que soube dos acontecimentos verificados no Mackenzie, às 10 horas, a Comissão Eleitoral da UEE, DCE-Livre e Gremio procurou organizar um grupo de estudantes a fim de defender a normalidade do pleito. As entradas de acesso ao Gremio da USP foram protegidas por pequeno numero de estudantes, enquanto a Comissão Eleitoral se deslocam pára as diversas escolas da USP pedindo ajuda.
Às 11:30 horas verificou-se o primeiro incidente na rua Maria Antonia. Alunos do Mackenzie dirigiram-se para a frente da Faculdade de Filosofia e aos gritos de "morram os comunistas", derrubaram e destruíram um mural com propaganda de uma das chapas concorrentes às eleições, afixado na entrada da USP.
Não houve reação por parte dos alunos da USP, que estavam em frente à Faculdade, em sua maioria moças do Curso de Letras que estavam saindo das aulas, pois poucos rapazes frequentam os cursos da manhã.
Depois desse incidente, os estudantes da Filosofia procuraram reforçar o esquema de segurança. A Comissão Eleitoral se movimentou de novo, indo reunir estudantes do CRUSP, da Geologia e da Fisica.

A «caça»

Às 11,45 horas os estudantes encarregados de trazer mais gente para reforçar o esquema de segurança ainda não haviam voltados.
Alunos do Mackenzie, visivelmente exaltados, gritando "abaixo os comunistas", surgiram logo depois buscando "elementos subversivos", prendendo-os e entregando-os a agentes da Policia Federal e do DOPS, que estavam no interior da Universidade, onde já havia 19 estudantes presos.
Às 12 horas, cerca de 100 "mackenzistas", em coluna de dois, aos gritos "vamos acabar com as eleições", dirigem-se à entrada principal da USP. A meia duzia de estudantes que ali se encontravam, refugia-se na Faculdade, trancando as portas principais e se postando na segunda e ultima entrada de acesso ao Gremio.
Os alunos do Mackenzie, vendo inuteis os esforços para penetrarem pela porta principal, procuraram a segunda entrada.
Às 12,20 horas, uma massa de «mackenzistas» penetra no Gremio. Alguns se dirigem diretamente à mesa das eleições.
Um dos componentes da mesa pergunta se eles querem votar. Respondem:
"Não queremos votar porque não vai haver eleições".
E avançam sobre as urnas.
A pancadaria começa, bancos, mesas, cadeiras são quebradas e transformadas em porretes. A briga é pela posse das urnas. Os estudantes da Filo-USP conseguem salvar duas das três urnas, que são levadas imediatamente para algum lugar da Faculdade.
A terceira cai em poder dos invasores, que a arrombam, espalhando os votos pelo chão. A pancadaria continua. Um estudante da USP é envolvido pelos mackenzistas, e quando é recuperado pelos seus colegas tem os olhos roxos.
Os estudantes da Filosofia não sabem o que fazer, pois estão em minoria. Alguns se retiram da sede do Gremio e pedras nas mãos e os arremessam sobre os do Mackenzie. Um deles é atingido e sua cabeça sangra.

Os resultados

Após a pancadaria, o Gremio da Filosofia está em completa desordem: Mesas, cadeiras, bancos, armarios e vidros quebrados, cedulas eleitorais, propaganda das chapas, tudo se mistura em total confusão.
Às 13,15 hs, por ordem do diretor da Faculdade de Filosofia da USP, sr. Erwin Rosenthal, a escola é fechada.

Policia na Maria Antonia

Cerca de 13 horas ouviu-se uma sirena. Um caminhão da Força Publica, que transportava uma tropa de choques vinha pela rua Itambé, entrou pela contramão na rua Maria Antonia e parou diante da Faculdade de Filosofia.
Muitos corriam pela rua. Entre estes o prof. Erwin Rosenthal, que fora chamado às pressas quando participava de um almoço importante. Vinha saber o que estava acontecendo.
Ao chegar à Faculdade encontrou o secretario, sr. Ayrosa:
- Mackenzistas entraram no Gremio, depredaram tudo, e houve briga.

O diretor, bastante nervoso:
- Mas por quê, meu Deus do céu?
- Realizavam-se as eleições do Gremio - esclareceu o secretario. E falou num oficio que o diretor deveria assinar par formalizar o pedido de intervenção do DOPS.

Dentro não

Diretor, secretario e dois delegados do DOPS tomaram o elevador e dirigiram-se à diretoria. Saíram dois minutos depois. O diretor diz que assina o documento pedindo "o necessario policiamento pelo DOPS nos arredores da faculdade".
Na minuta do oficio, em vez de "arredores" estava "nos proprios". O diretor mandou substituir os termos:
- Não quero Policia aqui dentro. Se eles entrarem é por conta deles.
Depois, um desabafo do diretor:
- Mais confusão! Pela manhã, felizmente, termina uma crise no Colegio da Aplicação; agora, começa à tarde, e mais barulho!
Momentos depois, diretor e secretario percorrem, andar por andar, todas as salas do predio. Os alunos que ainda se achavam no edificio, o diretor pede que se retirem.
Ao chegar no Gremio toma conhecimento do estrago feito. Mesas pelo chão, cadeiras quebradas ou reviradas, ferros retorcidos. O telefone começa a tocar. O diretor atende. Nada de especial.

Fecha-se a faculdade

O diretor, agora mais calmo, chega até a brigar com os funcionarios que vêm, apavorados saber o que precisam fazer. Depois ordena ao secretario:
- Aulas suspensas à tarde e à noite. Nenhum aluno pode entrar. Só funcionarios e professores. Amanhã, expediente normal.
Fora da faculdade, os alunos se agrupam e estudam a situação. Querem continuar as eleições assim mesmo e, por isso, precisam da faculdade aberta. Forma-se uma comissão para falar com o diretor. Este manda dizer que só recebe dois alunos.
Outros professores, ao chegar à Faculdade, comprometem-se com os estudantes a pedir a abertura da Faculdade. Sobem à diretoria.
Vinte minutos mais tarde voltam com a negativa do diretor. Os integrantes da comissão eleitoral da UEE marcam uma reunião de emergencia para deliberar sobre o problema criado: como ficam as eleições? Anuladas, suspensas? Quando serão as eleições? Chegam à conclusão de que os integrantes de todas as chapas que concorreram aos três pleitos (UEE, DOE e Gremio) devem reunir-se a decidir entre eles.

Diligencia

Por volta das 15 horas, chega o delegado Alcides Cintra Bueno, do DOPS, acompanhado de varios investigadores. Entra na Faculdade de Filosofia e começa uma diligencia, percorrendo as salas de aula. No Gremio, apreende muito material, inclusive um painel com fotos e poesias sobre "Che" Guevara.
Depois, os politicos se dirigem ao Centro Universitario de Pesquisas e Estudos Sociologicos (CEUPES); abrem armarios, gavetas e portas e apreendem grande quantidade de material da UEE, do Gremio e do proprio CEUPES.
Consultado sobre a presença dos policiais dentro da Faculdade, o diretor disse que ninguem do DOPS lhe havia pedido para fazer qualquer diligencia. Mas disse:
- Se me tivessem perguntado, não me oporia. Os alunos podem ver, jornalistas tambem, e portanto não há nada de mal que os policiais possam verificar.

Anulação de votos

Na Cidade Universitaria, cerca de 30 urnas foram invalidadas pelo prof. Jaci Monteiro, presidente da comissão eleitoral. Disse que tinha ordens da comissão eleitoral para invalidar as eleições em toda a Faculdade de Filosofia.
O presidente da comissão eleitoral da UEE, no entanto, disse que desconhecia qualquer ordem nesse sentido:
- Trata-se de manobra contra a UEE. O prof. Jaci podia invalidar as eleições para o Gremio e para o DCE, mas nunca as da UEE.
O problema deverá ser objeto de discussões ainda hoje quando um comunicado oficial da comissão eleitoral será divulgado.

No Largo São Francisco

Na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na noite de ontem, estavam sedo realizadas as eleições da UEE, quando uma caravana policial chegou ao local e apreendeu 2 urnas e prendeu o estudante Aluísio Nunes Ferreira Filho, presidente do Centro Academico XI de Agosto.

Compromisso

O deputado Orlando Jurça, ao receber uma comissão de alunos do Mackenzie disse ontem que o delegado Sertorio Canto comprometeu-se a não lavrar flagrante contra os estudantes e que os colocaria em liberdade ainda ontem.

Outros Guevaras

Na Universidade Mackenzie foram apreendidas duas urnas automaticas e no Gremio da Faculdade de Filosofia foram encontrados dois paineis alusivos a "Che" Guevara, com fotografias do guerrilheiro, tendo como titulo: "Univos na morte de Guevara. Outros virão em seu lugar".

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