ANISTIA PROTEGE CRIMINOSOS, AFIRMA ATIVISTA


O Brasil precisa esclarecer a morte dos desaparecidos políticos, diz José Vivanco, diretor da Human Rights Watch, maior entidade defensora dos direitos humanos nas Américas.
Para ele, a anistia protege criminosos políticos.


Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995

Omissão é escandalosa, diz Human Rights

EMANUEL NERI
Da Reportagem Local

O diretor-executivo da Human Rights Watch/Americas, José Miguel Vivanco, diz que o tratamento que o Brasil tem dado aos seus desaparecidos políticos ``é um escândalo'' se comparado a países que também tiveram regimes militares, como Argentina e Chile.
``A situação do Brasil é escandalosa, porque durante muitos anos foi dito que o problema nem sequer existia'', diz Vivanco, um advogado chileno de 34 anos que dirige a maior entidade de direitos humanos do continente americano.
Para Vivanco, o projeto do governo que prevê reconhecimento legal da morte de desaparecidos não satisfaz entidades internacionais de direitos humanos.
Segundo ele, é preciso haver uma investigação ``exaustiva'' para se descobrir as circunstâncias dessas mortes.
Diz que a Lei de Anistia, aprovada em 1979, protege criminosos políticos.
Para ele, o Brasil tem obrigação de cumprir acordos internacionais que garantem esse tipo de investigação.
Vivanco ameaça com pressões externas para que essas normas sejam cumpridas.
Para ele, a situação dos direitos humanos no Brasil não tem melhorado.
"Há várias áreas com problemas, como as execuções cometidas por agentes do Estado, que são da polícia, e por grupos de extermínio", afirmou.
Há, na sua opinião, outros problemas igualmente graves, como a situação nos presídios e o trabalho escravo.
"O denominador comum de todos esses problemas é a impunidade", afirma o diretor da Human Rights.
Em sua opinião, Esse é o caso do massacre do Carandiru, em outubro de 92, quando 111 presos foram mortos na Casa de Detenção de São Paulo.
"O problema central do Brasil nessas matérias é a questão da Justiça Militar. Enquanto esse tema não for objetivamente abordado, a impunidade vai continuar. Esse é um sistema que tem servido para garantir a proteção de criminosos da Polícia Militar", disse.
Para ele, a Justiça Militar tem de estar circunscrita aos delitos militares, "mas de nenhuma maneira aos abusos que vemos hoje".

Anistia protege os 'criminosos'

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

Folha - Na sua opinião, há alguma mudança no governo Fernando Henrique em relação ao tema dos direitos humanos?
José Miguel Vivanco - Ele tem demonstrado uma maior abertura e uma atitude menos defensiva do que administrações anteriores.
Folha - Que comparação o sr. faz entre a questão dos direitos humanos no Brasil e em outros países sul-americanos?
Vivanco - O Brasil é o país que apresenta um quadro mais preocupante, junto com Colômbia e Peru.
Folha - Como o sr. vê o projeto para legalizar as mortes dos desaparecidos políticos?
Vivanco - É um passo importante e muito positivo. Pela primeira vez, o Brasil tenta enfrentar uma realidade que havia tentado ocultar.
Folha - Na sua opinião, o que deve ser feito?
Vivanco - Tem de ser feita uma profunda e exaustiva investigação judicial desses fatos.
Folha - O governo e os militares argumentam que a Lei de Anistia prescreveu os crimes.
Vivanco - A Lei de Anistia é desgraçadamente uma realidade. É uma lei injusta que viola as obrigações internacionais de direitos humanos. Mas não pode impedir as investigações judiciais.
Folha - A Lei de Anistia não se sobrepõe a normas de direito internacional?
Vivanco - São obrigações jurídicas do Brasil, que ratificou uma série de tratados internacionais em matéria de direitos humanos.
O mais importante deles é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1992, e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas.
O mínimo que se pode fazer são investigações para saber o paradeiro das pessoas desaparecidas. A anistia protege os criminosos.

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