LACERDA VAI A JANGO E FAZ PACTO POLITICO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 26 de setembro de
1967
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Neste texto foi mantida a grafia original
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O sr. Carlos Lacerda foi a Montevidéu procurar o sr. João
Goulart, para obter o apoio do ex-presidente da republica, deposto
pela Revolução de Março, para a Frente Ampla.
Uma declaração conjunta, emitida por ambos, na capital
Uruguai, afirma, entre outras coisas, que ambos estão convencidos
"da necessidade inadiavel de promover o processo de redemocratização
do Brasil". O encontro se deu na presença de um representante
do sr. Kubitschek, sr. Renato Archer.
O ex-presidente Goulart dá, com sua assinatura à declaração,
o seu apoio total á Frente Ampla.
Ao regressar, ontem, ao Brasil, o sr. Carlos Lacerda declarou em Viracopos,
de passagem para o Rio, que estava satisfeito com a adesão
do sr. Goulart.
O sr. Leonel Brizola, tambem asilado no Uruguai, emitiu uma declaração
condenando violentamente a atitude de Goulart.
No Ministerio da Justiça, informava-se que, em face do encontro
de Montevidéu, o governo brasileiro poderá pedir ao
Uruguai o internamento do ex-presidente.
No Rio, comentava-se que o momento do encontro foi cuidadosamente
escolhido pelo sr. Lacerda, que aproveitou a realização
da reunião do Fundo Monetario Internacional, a fim de obter
maior repercussão para o acordo.
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Jango
recebe Lacerda e entra na frente |
Os srs. Carlos Lacerda e João Goulart concordaram ontem, em
Montevidéu, "em unir seus esforços em busca de
soluções pacificas para a crise brasileira, sem cultivar
ressentimentos pessoais nem propositos revanchistas".
Os dois politicos, inimigos acérrimos, conversaram durante
toda a manhã de ontem, para chegar à convicção
da "necessidade inalienavel de promover um processo de redemocratização
do Brasil".
Lacerda chegou incognito à capital uruguaia, acompanhado do
deputado Renato Archer, representante pessoal do sr. Juscelino Kubitschek.
O encontro realizou-se no apartamento de João Goulart, no bairro
de "Villa Biarritz".
Em Montevidéu, Lacerda declarou que "somente a união
do povo brasileiro pode provocar uma mudança para a verdadeira
democracia". Acrescentou que os que queriam colaborar na Frente
Ampla sem distinção de cor política - terão
as portas abertas "para alcançar a mobilização
da opinião publica".
"Hoje está comprovado que Jango não é um
homem do Partido Comunista nem eu dos Estados Unidos", disse
Lacerda.
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Em
Viracopos |
Ao passar por Viracopos às 19h20 de ontem, procedente de Montevidéu
e com destino à Guanabara, o sr. Carlos Lacerda disse que o
sr. João Goulart aceitou participar da Frente Ampla. Acompanhava
o ex-governador o deputado Renato Archer, que esteve na capital uruguaia
representando o sr. Juscelino Kubitschek.
Lacerda acrescentou: "Aos poucos, estamos eliminando as duvidas
sobre a Frente Ampla. Agora partimos para mobilização
do povo. Tivemos três longas conversas (ele e Jango) que correram
muito bem. Cheguei ontem, na hora do almoço, e logo depois
tivemos nossa primeira conversa que durou até o jantar. Logo
depois reunimo-nos novamente, até a madrugada. Nossa ultima
conversa começou hoje de manhã e acabou à hora
do embarque".
Lacerda fez questão de desmentir uma agencia noticiosa que
informou ter o sr. Leonel Brizola se recusado a manter conversações
com ele.
"Fui ao Uruguai procurar o dr. João Goulart. Não
houve de minha parte qualquer tentativa de encontro com o sr. Brizola",
declarou.
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Os
preparativos |
O sr. Carlos Lacerda seguira para Montevidéu às 10h25
de domingo. O avião devia deixar o Galeão às
8horas, mas, devido ao mau tempo em Porto Alegre (onde faria escolta),
acabou decolando com mais de duas horas de atraso.
A chegada a Montevidéu ocorreu às 14h30. No aeroporto,
varios amigos comuns (dele e de Goulart) aguardavam o ex-governador
carioca, que seguiu imediatamente para o Hotel Alhambra, onde ficou
hospedado, aguardando o encontro com o ex-presidente.
Desde terça-feira da semana passada estava praticamente decidida
a viagem de Lacerda a Montevidéu, faltando apenas alguns pormenores
de que se encarregaram os emissarios de ambos os lados.
Quarta-feira, um representante de Lacerda seguiu para a capital uruguaia,
onde conversou demoradamente com Jango, obtendo deste a palavra final:
"Não só concordava com o encontro, como o considerava
indispensavel para o equacionamento da situação nacional,
para os trabalhos de redemocratização e para a aceleração
da Frenta Ampla".
Quinta e sexta-feira, através de seguidos telefonemas, estabeleceu-se
o roteiro do encontro, assentando-se os principais pontos a serem
debatidos.
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O
texto da declaração conjunta |
Eis o texto da declaração conjunta assinada ontem pelo
ex-presidente João Goulart e o ex-governador Carlos Lacerda:
"Convencidos da necessidade inadiavel de promover o processo
de redemocratização do Brasil, reunimo-nos em Montevidéu.
"Sabemos o que significam as privações e as frustrações
do povo, especialmente dos trabalhadores, os que mais sofrem as consequencias
da supressão das liberdades democraticas.
"Sabemos o que quer dizer o silencio de reprovação
dos trabalhadores, submetidos à permanente ameaça da
violencia e privados do direito de reivindicar seus direitos.
"É preciso que se transforme, corajosa e democraticamente,
a estrutura de instituições arcaicas que não
mais atendem aos anseios de desenvolvimento do país. É
preciso assegurar aos brasileiros o aproveitamento das riquezas nacionais,
em favor do seu povo e não de grupos externos e internos, que
sangram e exploram o seu trabalho.
"Ninguem tem o direito de suprimir pela mistificação,
pela usurpação total do poder civil, ou pelo odio, as
esperanças do país de solucionar, pacificamente, os
grandes problemas do nosso tempo.
"Pensamos que é um dever usar todos os recursos ao nosso
alcance na busca de soluções pacificas para a crise
brasileira, sem cultivar ressentimentos pessoais, nem propositos revanchistas.
"Não nos entendemos para promover a desordem, mas sim
para assegurar o estabelecimento de verdadeira ordem democratica,
que não é a do silencio e da submissão.
"O salario mais justo, mais do que nunca, é uma exigencia
do trabalhador, esmagado pela pobreza, e de todo o país, para
a expansão do mercado interno.
"A retomada do processo democratico, pela eleição
direta, é essencial para conquistar, ao mesmo tempo, o direito
de decisão, que pertence ao povo, e a pacificação
nacional, instrumento de mobilização do Brasil para
o esforço do desenvolvimento com justiça social e autonomia
nacional.
"Queremos que a paz com liberdade, a lei com legitimidade, a
democracia não como uma palavra, mas como um processo de ascenção
do povo ao poder.
"A frente Ampla é o instrumento capaz de atender com esse
sentido, responsavelmente, ao anseio popular pela restauração
das liberdades publicas e individuais, pela participação
de todos os brasileiros na formação dos orgãos
de poder e na definição dos principios constitucionais
que regerão a vida nacional, e pela retomada dos esforços
para formular e pôr em execução as reformas fundamentais
e a reconquista da direção dos órgãos
que decidem do destino do Brasil.
"A formação desse movimento - uma verdadeira Frente
Ampla do povo, integrada por patriotas de todas as camadas sociais,
organizações e correntes politicas - é a grande
tarefa que nos cabe realizar com lealdade e coragem civica, mobilizando
nossas energias e concentrando-as, sem desfalecimento, para reconduzir
o Brasil ao caminho democratico.
"Movidos exclusivamente pela preocupação com o
futuro do nosso país, não fizemos pactos, não
cogitamos de novos partidos, nem de futuras candidaturas à
presidencia da Republica.
"Conversamos sim, longamente, com objetividade e respeito, sobre
a atual conjuntura politica, economia e social do país.
"Não temos ambições pessoais, nem o nosso
espirito abriga odios; anima-nos tão somente o ideal, que jamais
desfalecerá, de lutar pela libertação e grandeza
do Brasil, com uma vida melhor para todos os seus filhos.
"Assim, só assim, evitaremos a terrivel necessidade de
escolher entre a submissão e a rebelião, entre a paz
da escravidão e a guerra civil".
Montevidéu, 25 de setembro de 1967, (aa.) João Goulart,
Carlos Lacerda." |
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