COLLOR PROMETE QUE EM CEM DIAS MUDA A IMAGEM DO BRASIL

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 1990

Do enviado especial a Nova York

O presidente eleito, Fernando Collor, foi recebido com otimismo por banqueiros e empresários americanos em Nova York. Em reunião no hotel Waldorf Astoria, pediu 100 dias de governo para ganhar o respeito dos americanos e estimulou os empresários a investirem no país após esse prazo. Collor foi depois aplaudido no almoço do Conselho das Américas e da Câmara de Comércio Brasil-EUA. O ex-secretário de Estado Henry Kissinger afirmou ter tido "muito boa impressão". Weldon Johnson, vice-presidente da Coca-Cola, achou Collor "surpreendentemente confiante para um homem da idade dele". Até ontem a imprensa americana não havia noticiado a visita.

Collor é bem recebido por banqueiros em NY

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Do enviado especial a Nova York

O presidente eleito, Fernando Collor, foi recebido com otimismo por banqueiros e empresários norte-americanos ontem em Nova York. Fez sucesso e, numa reunião no final da manhã do hotel Waldorf Astoria com cerca de 50 pesos-pesados da economia dos EUA, pediu 100 dias de governo para conquistar o respeito do empresário norte-americano. Ultrapassado esse prazo, concitou os empresários e banqueiros a voltarem a investir no Brasil.
Pouco depois da reunião, foi muito aplaudido após discutir num almoço promovido pelo Conselho das Américas e pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. as condições que cercaram o almoço dão uma demonstração do sucesso de Collor: era para ser realizado no Starlight Roof, um salão no 18° andar do hotel, onde cabiam 500 pessoas; acabou transferido para outro salão, o Great Ball Room, o maior de Nova York, preparado para 650 pessoas - e dezenas ficaram de fora.
David Rockefeller, presidente do Conselho das Américas e maior acionista do Chase Manhattan Bank (um dos principais credores do Brasil), disse que "a impressão geral do (do desempenho de Collor) foi muito boa". Henry Kissinger, ex-secretário de Estado, afirmou que teve "muito boa impressão", Weldon Johnson, presidente da Coca-Cola para a América Latina e 1° vice-presidente da empresa, disse que "achei-o confiante, surpreendentemente confiante para um homem da idade dele".
A economista Zélia Cardoso de Mello vibrava ao final do almoço. "Foi ótimo, foi ótimo", repetia. Cortejada por empresários brasileiros como a mais forte candidata ao Ministérios da Economia, ela foi, em parte, responsável pelo sucesso do presidente eleito. Zélia escreveu o discurso - lido por Collor em português - junto com o ministro Gelson Fonseca, do Itamaraty, que faz parte da comitiva.
A receita para o sucesso collorido foi uma posição enérgica de combate à inflação, um violento ataque ao gigantismo estatal, uma postura favorável ao investimento estrangeiro no Brasil e uma retórica moderada em relação à dívida externa. Na reunião da manhã, o presidente eleito foi falar com Marc Goldberg, presidente para a América Latina da Philip Morris, sobre a filosofia de seu governo. Disse que é "contra qualquer controle na economia e contra o capitalismo primitivo e ignorante que vigora no Brasil".
Uma preocupação rondou todos os encontros de Collor. Não só com empresários e banqueiros, mas também um rápido encontro que teve com os senadores Marco Maciel e Jorge Bornhausen, que encerraram ontem um giro pelos EUA, e com o presidente do Conselho Judaico Mundial, Edgar Bronfam: a abertura no Leste europeu e a prioridade que os EUA estão concedendo aos países que abandonou a via socialista, deixando a América Latina - e o Brasil, em particular - em segundo plano.
Por volta das 17h, Collor chegou à sede da ONU para um encontro com o secretário-geral, Javier Perez de Cuellar. A reunião durou quase uma hora.

Empresários, não

O ministério de Fernando Collor não incluirá um só empresário ou quem, também político, seja notoriamente reconhecido como empresário. Para tanto, basta que prevaleça o que até agora pode ser tomado como decisão firme, embora não divulgada, do presidente eleito.
Duas razões fundamentam essa marginalização do grande empresário. Collor considera que a imagem dos empresários em todas as camadas sociais, e até entre eles, é a de aproveitadores das dificuldades do país, insensíveis ao interesse público e responsáveis impertinentes pelas injustiças sociais e suas consequências. Não há como negar que tenha captado a imagem com exatidão. Daí que um dos dísticos de sua campanha eleitoral, e dos primeiros adotados, fosse o tão repetido "não tenho compromisso com ninguém e não sou apoiado pelos empresários". O que o levava ao exagero maior de dizer que não queria tal apoio.
O lema, durante a campanha, funcionou muito mais do que as contestações a ele. Mais, até, pode-se acrescentar a Collor, do que as evidências, primeiro no horário nobre, depois em todos os horários. E o que deu certo na campanha transfere-se à formação do governo, para que se transfira ao próprio. Collor considera que a melhor via para dar autoridade ao seu governo é a recusa a qualquer identificação com o empresário. O que, espera ainda, produzirá efeito positivo também sobre os setores sindicais e as diversas tendências oposicionistas.
O outro motivo de marginalização do empresariado é menos político e mais administrativo. É a capacidade que elas têm demonstrado de obstruir tudo o que não lhes traga benefícios. E de forçar, com o mesmo fim, medidas desnecessárias e prejudiciais ao resto do país. Collor considera - e ainda uma vez, não há como lhe negar razão - que o êxito de qualquer plano econômico, e portanto do seu, depende de manter à distância a influência do empresariado atuante.
Se a distância iniciada na primeira etapa de organização do governo será, mesmo, mantida nas etapas restantes e no próprio governo, os espectadores não temos como prever. E pode ser que os desdobramentos dependam não só da firmeza de Collor, mas de razões de setores tão viciados no exercício da influência decisiva. Por ora, pode-se dizer que há só reação passiva: um misto de perplexidade e cautela.
Collor está mais isento de pressões, para a montagem do ministério, do que qualquer outro presidente eleito pelas urnas ou imposto pelas armas. De acordo com o hábito, empresários paulistas açodaram-se na indicação de José Serra para a Fazenda. O desprezo com que sua proposta foi tratada, acintosamente, devolveu-se ao silêncio há muito esquecido. No Rio, não houve qualquer articulação para a entrega da Economia a Mario Simonsen, Daniel Dantas ou outro. Os contatos destes com Collor foram de iniciativa apenas individual, e desde logo destinada ao insucesso, de Olavo Monteiro de Carvalho, um ex-aparentado de Collor com escassa habilidade. O mesmo livre-atirador lançou no noticiário o nome de Eliezer Batista, ao qual se liga em negócios de mineração, e agora tentará, em Tóquio, que Collor o receba. Nem mesmo o grupo que circunda Roberto Marinho, simbolizado por Jorge Serpa, tem acesso a Collor (ao qual, de resto, jamais indicaria Simonsen).
Mesmo que não perdure, o empresariado está vivendo uma experiência nova que depois do convívio com Mailson da Nóbrega e José Sarney, deve ser penoso.

Para Collor, Brasil errou ao votar contra sionismo

Do enviado especial e de Nova York

O presidente eleito Fernando Collor afirmou aos representantes do Congresso Mundial Judaico que o Brasil cometeu um erro ao votar nas Nações Unidas em 1975 a favor de uma resolução que considerava o sionismo uma forma de racismo, e afirmou que vai fazer o possível para corrigir a posição brasileira. Em uma reunião de meia hora, Collor conversou com o presidente e o secretário-geral do Congresso, respectivamente Edgar Bronfman e Israel Singer, além do presidente da Confederação Israelita do Brasil, Beno Milnitzky, e o rabino Henry Sobel, da Congregação Israelita Paulista. a revisão do voto brasileiro, segundo Sobel, era uma promessa de Tancredo Neves, que não viveu para cumpri-la.
Segundo Bronfman, o Brasil ainda é um pais muito interessante para empresas estrangeiras. Ele afirmou que os japoneses perceberam isso e vão investir mais no Brasil no próximo governo, enquanto espera que os norte-americanos façam o mesmo. Bronfman é acionista da Dupont, gigante da industria química, e dono da multinacional de bebida Seagrams, controladora da Almadén e da marca Tropicana de sucos nos EUA.
Bronfman ressaltou ainda a posição do Congresso Judaico de defender os interesses da América Latina e do Brasil, evitando qualquer desvio de verbas da região para a Europa Oriental, como se vem discutindo nos EUA. O congresso é uma organização privada com grande poder de pressão sobre o executivo e o legislativo norte-americanos. O lobby judaico vai defender um aumento absoluto do montante da ajuda externa, e não uma redistribuição da quantia atual. No Brasil vivem mais de 10% dos 14 milhões de judeus que existem no mundo.
O rabino Sobel lembrou o compromisso de Collor, assumido em São Paulo, de não conceder ao atual escritório da OLP (Organização para Libertação da Palestina) no Brasil o status diplomático. Essa afirmação de Collor causou ressentimentos na comunidade árabe (aproximadamente dois milhões no Brasil) e colocou o então candidato em uma situação bastante delicada.
Para Sobel, a imagem de moderação que a OLP tenta projetar hoje esconde as facções que ainda defendem a eliminação do Estado de Israel. Se os moderados venceram internamente, afirmou, Israel terá que ter o bom senso de iniciar um diálogo. O rabino abençoou o presidente eleito e disse que ambos ficaram emocionados.
A votação da resolução a que se referiu Collor ocorreu em 10 de novembro de 1975, na Assembléia Geral da ONU. O projeto, proposto pelos países árabes, foi aprovado por 72 votos contra 35 e 32 abstenções. O Brasil votou a favor, acompanhando os países árabes, os socialistas e a maioria dos países africanos e asiáticos. Os Estados Unidos e países da Comunidade Econômica Européia lideraram a oposição à resolução.

"Diário" acusa Collor de insulto aos portugueses

De Lisboa

O vespertino "Diário de Lisboa", na sua edição de quarta-feira, publicou na parte inferior da primeira página um texto intitulado "Collor insulta portugueses", em que relata a piada de português contada pelo presidente eleito do Brasil ao presidente argentino, Carlos Menem, em Buenos Aires, no domingo passado. A piada, contada diante de jornalistas, foi uma resposta a uma anedota autodepreciativa contada por Menem.
Na continuação do artigo, que ocupava um quarto da página 15, Joaquim Letria, um colaborador do jornal, afirma que Collor ridicularizou a inteligência dos portugueses, o que chamou de "esporte nacional brasileiro".
A piada é a respeito de os europeus imitarem Luis Inacio Lula da Silva, do PT, com os franceses usando boné, os alemães deixando crescer a barba e os portugueses cortando o dedo mindinho. Segundo o artigo, Collor vai precisar de seus dez dedos quando vier à Europa, de mãos estendidas para pedir "uma ajudinha". O texto compara a viagem do presidente eleito à mendicância e pede aos portugueses para mostrarem os dez dedos para mandarem Collor "pedir em outra freguesia".
O "Diário de Lisboa", com 40 mil exemplares, foi o único jornal a noticiar a piada. Segundo a assessora de imprensa do presidente português, Estrela Serrano, Mario Soares não deu importância à anedota.

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