USE PRETO PELO CONGRESSO NACIONAL
A nação frustrada!
Apesar da maioria de 298 votos, faltaram 22 para aprovar diretas
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 26 de abril de 1984
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CLÓVIS ROSSI
Enviado especial a Brasília
A emenda
Dante de Oliveira, que prevê eleições diretas
já para a Presidência da República, foi rejeitada
esta madrugada pela Câmara dos Deputados, embora tivesse recebido
maioria de votos a favor (298 a 65), insuficiente, entretanto, para
se atingir o quórum de dois terços exigido para alterações
da Constituição. Faltaram 22 votos.
A emenda recebeu substancial apoio da bancada do PDS (54 votos),
o que demonstra o quanto a tese das diretas-já penetrou no
partido oficial, como reflexo da mobilização popular.
Com esse resultado, fica evidentemente mais fácil prosseguir,
daqui para a frente, na campanha pelas diretas, na qual a oposição
promete continuar engajada. Prova disso foi a reafirmação
pública, ontem, da posição assumida na véspera
pelos governadores do PMDB, transmitida à imprensa por Franco
Montoro: "Esta luta não pode cessar senão com
a conquista das eleições diretas".
A idéia dos oposicionistas é tentar encaixar na própria
emenda do governo - que joga em diretas para 1988 - a tese das diretas-já,
por meio de uma subemenda. O que ainda não está definido,
entre os oposicionistas, é como dar prosseguimento à
campanha no intervalo entre a votação da Dante de
Oliveira e a apreciação da emenda governamental.
A rejeição da emenda Dante de Oliveira ocorreu em
clima de acentuada vergonha, de parte dos pedessistas que votaram
não ou ausentaram do plenário (113).Vergonha refletida
no fato de que a maioria dos que votaram contra preferiu fazê-lo
de suas próprias bancadas, ao invés de se dirigir
ao microfone de aparte, ao qual compareciam todos os que diziam
sim. Houve ainda três abstenções.
A discussão e votação da emenda se arrastou
das 9h07 da manhã de ontem até duas horas da madrugada
de hoje, seguindo estratégia combinada entre as lideranças
do PDS e dos partidos oposicionistas. A idéia, de elementar
bom senso, era a de dar a conhecer o resultado apenas tarde da noite
(ou mesmo na madrugada), de forma a permitir que se dispersassem
as multidões que, durante o dia, se concentraram nos grandes
centros urbanos e mesmo em cidades do interior. Temia-se, tanto
na oposição como na situação, que a
frustração popular pela rejeição da
emenda desaguasse em tumulto de proporções, o que
todos estavam interessados em evitar.
Outro fator de tensão era a presença, em toda a Esplanada
dos Ministérios, de um impressionante dispositivo policial,
que restringiu o acesso ao Congresso, em cujos gramados e rampas
um grupo de estudantes se manifestava alegremente, inclusive desenhando
com seus próprios corpos um enorme "diretas-já"
(à noite, o slogan era iluminado por tochas).
Rejeitada pela Câmara, a emenda Dante de Oliveira sequer precisou
passar pelo Senado.
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Editorial |
Cai a emenda, não nós
Frustou-se
a esperança de milhões. Uma compacta minoria de maus
parlamentares disse não à vontade que seu próprio
povo soube expressar com transparência, firmeza e ordem. Nunca
a sociedade brasileira se ergueu com tal vulto, nunca um movimento
se irradiou de modo tão amplo nem o curso da história
se apresentou assim palpitante e inconfundível. Em poucos
meses a campanha pelas diretas-já dissolveu fronteiras de
todo tipo para imantar o espírito dos brasileiros numa torrente
serena, profunda, irrefreável. Um povo sempre acusado de
abulia e de inaptidão para a vida pública ofereceu,
ante a surpresa de observadores locais e estrangeiros, o espetáculo
de seu próprio talento para se organizar e manifestar com
responsabilidade, energia e imaginação.
A tudo isso alguns congressistas disseram não. Evitemos insultar
a memória do passado e as gerações de amanhã
chamando-os congressistas: são representantes de si próprios,
espectros de parlamentares, fiapos de homens públicos, fósseis
da ditadura. Antes votar não a omitir-se covardemente, como
muitos fizeram; melhor, porém, era renunciar ao mandato do
qual não conseguiram mostrar-se à altura, devolvendo-o
com um pedido de desculpas a sua fonte legítima de origem.
Não foi o que fizeram e eles sabem o que fazem. Mas não
sabem que o Brasil - felizmente! - mudou, que a sociedade civil
resgatará seus compromissos, a população exigirá
seus direitos tantas vezes postergados e os leitores retribuirão
na mesma moeda: não mais terá votos quem lhes negou
o direito ao voto.
Esta "Folha" não foi a primeira nem a única
a exigir diretas-já. Mas não mediu esforços,
desde o início, para que a campanha se transformasse nesse
grande festival de civilização política que
vimos presenciando e estimulando. É nessa condição
que dirigimos agora um apelo aos nossos leitores e a todos os brasileiros,
cidadãos desta Pátria renascida. Neste momento de
amargura é fundamental preservar aquilo que tem sido a força
do movimento. Em lugar da violência, a participação;
em lugar do tumulto, a tranquilidade; em lugar do desespero, a persistência;
em lugar do desânimo, a vitalidade renovada a cada revés.
De onde proveio a força moral e política desta campanha
senão de seu caráter pacífico, de sua forma
organizada, de sua natureza unitária, de sua amplitude social
e geográfica, de seu propósito radicalmente democrático,
de seu estilo generoso, de seu aspecto colorido? É preciso
aprender com os erros, certamente; mais importante é não
abandonar os acertos.
Acima de tudo é necessário manter a ordem, a paz e
a tranquilidade. Não somos o primeiro povo a lutar por sua
emancipação definitiva e a lição das
experiências análogas é que a luta é
sempre longa, difícil e penosa. A emenda Dante de Oliveira
está derrotada, não nós. Ainda que já
tivéssemos reconquistado as diretas haveria um extenso caminho
a percorrer. Continuemos com a mesma intransigência e com
a mesma esperança.
Colocamos ontem mais um tijolo nesse edifício que os homens
e as mulheres do futuro, diferentes por suas etnias, pensamentos
e interesses, hão de contemplar e dizer: eis aí um
belo lugar, eis aí onde queremos que nossos filhos cresçam,
ao mesmo tempo trabalhando, aprendendo e divertindo-se.
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