JESUS
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Publicado
na Folha da Manhã, sábado,
25
de dezembro de 1926
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Os maiores homens de uma nação são os que ella
entrega á morte. Socrates foi a glória de Athenas, que
julgou não poder viver com elle. Spinosa é o maior dos
judeus modernos, e a Synagoga excluiu-o com ignominia. Jesus foi a
glória do povo de Israel, que o crucificou.
Estas palavras são de Renan, o livre pensador de alma profundamente
christã, o philosopho amavel e risonho que, com o ouro sonoro
do seu estylo, elevou um monumento imperecedouro á glória
d'Aquelle que, sendo o maior de todos os tempos, illuminou-se do primeiro
sorriso terreno na humildade de uma estrebaria.
A historia nos ensina que antes de Jesus Cristo visitar a terra, a
humanidade era fria e cruel, egoista e sceptica, embora ouvindo a
Socrates e a Platão, a Epitecto e a Marco Aurelio. Mas nem
a serena doutrina de Socrates, nem o elegante idealismo de Platão,
nem a vida do escravo do liberto de Nero, toda ella santamente consagrada
á perfeição, nem o sentimento do dever que animou
toda a conducta do grande Imperador, discipulo do escravo coxo, fazendo-o
dizer: "Ama os homens, mas com verdadeiro amor... Não
basta perdoar, é preciso amar aquelles que nos offendem"...
conseguiram plantar no coração dos homens e semente
fecunda da piedade, porque só com Christo o amor humano se
aureolou de um halo divino.
"Por mais que se faça, Christo é um fim e um principio,
um abysmo de mysterios divinos no meio de dois pedaços da historia
da humanidade.
O Paganismo e o Christianismo não poderão jamais confundir-se.
Antes de Christo e depois de Christo. A nossa éra, a nossa
civilização, a nossa vida começam com o nascimento
de Christo. Podemos procurar e conhecer o que existiu antes delle,
mas não é mais nosso, está marcado com outros
numeros, circunscripto em outros systemas, não move mais as
nossas paixões: póde ser bello, mas é morto.
Cesar fez no seu tempo mais rumor do que Jesus, e Platão ensinava
mais sciencia do que o Christo. Discutem-se ainda o primeiro e o segundo,
mas quem é que se enthusiasma por Cesar ou contra Cesar? E
onde estão hoje os platonistas e os antiplatonistas?
Christo, no emtanto, vive sempre em nós. Ha os que o amam e
os que o odeiam. Ha uma paixão de Christo e outra a sua destruição.
E se há os que o perseguem encarniçadamente é
porque elle ainda não morreu."
Nem morrerá, póde-se affirmar sem temor de mentir ao
futuro. Ao contrario, ficará cada vez mais vivo, cada vez maior,
cada vez mais dentro do coração humano, - desse coração
que era um deserto, e que Elle transformou num jardim onde florescem
os mais doces, os mais bellos, os mais nobres sentimentos que associam
as creaturas.
Sempre que a humanidade tem recuado dessa attração luminosa,
de almas, o mundo ha mergulhado em cataclysmos pavorosos, e as nações
se têm deshonrado por crimes monstruosos. O sombrio periodo
do terror, na Revolução Franceza, e a irrupção
tragica do bolchevismo, trucidando barbaramente a familia imperial
da Russia, são indices eloquentes do quanto a ausencia de Jesus
conduz a alma ás encruzilhadas do crime.
A humanidade desce, nesta hora dramatica, a montanha sagrada, em cujo
vertice, batidas de luz e de gloria, fulguram as figuras de Francisco
de Assis e de Vicente de Paulo para recolher os cantos de fé
dos que não desesperam e preparam, pelo exemplo e pela palavra,
o advento da Hora Espiritual annunciada pelo Homem Deus.
O dia do Natal é o mais lindo dia da comunidade. Desperta a
esperança e provoca a alegria. É um parenthesis aberto
nas luctas com que a ambição e o materialismo aspero
atormentam o homem. Dentro desse parenthesis luminoso o amor e a piedade
se irmanam. Ah! pudesse elle se prolongar como o ouro do sol sobre
a superficie dos mares, e como seria venturosa e generosa a infeliz
e mesquinha especie humana! Jesus é a fonte da felicidade!
Por quatro annos a Civilização o crucificou no Calvario
sangrento da guerra. E durante esses quatro annos de repudio do Christo,
o nome de Deus era sacrilegamente invocado como o de um protector
de crimes hediondos desde o massacre de turbas indefesas até
a deshonra de lares bemditosos.
Não! Deus é Pae, mas Pae de clemencia e de misericordia,
que commetteu ao seu Divino Crucificado a missão augusta de
dar ao amor terreno, revigorado pelo orvalho celeste, essa expressão
de grandeza e de belleza em que se refugia o soffrimento preparado
da ascenção das almas.
E, pois, que, com Renan abrimos, com Renan rematemos estas linhas:
"Quaesquer que possam ser os phenomenos inesperados do futuro,
ninguem irá além de Jesus. O seu culto remoçar-se-á
de continuo; a sua lenda moverá lagrimas sem fim; os seus sofrimentos
lastimarão os melhores corações; todos os seculos
proclamarão que entre os filhos dos homens, nenhum nasceu maior
do que Jesus.
Inclinemos a nossa alma sobre o humilde berço do Salvador,
como na contemplação do mais precioso thesouro offerecido
por Deus á miseria humana.
LEONCIO CORREIA
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