JANIO RENUNCIOU


Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 1961

Neste texto foi mantida a grafia original

BRASILIA, 25 (FSP) — O presidente Janio Quadros renunciou hoje ao cargo de presidente da Republica.
Às 15 horas, o jornalista Castelo Branco reuniu em sua sala os jornalistas credenciados no Palacio e fez o seguinte relato:
O presidente Janio Quadros renunciou esta manhã à Presidencia da Republica, embarcando para São Paulo por volta das 11 horas. O documento de renuncia esta sendo entregue neste momento ao Congresso Nacional pelo ministro da Justiça.
O presidente chegou ao Palacio hoje, como de habito às 6 h 30 e, depois de rapidos despachos com o chefe da Casa Militar, conversou pelo telefone com o chefe da Casa Civil. Nesses primeiros contatos o presidente revelou a decisão de renunciar ao governo, informando que, após a solenidade do Dia do Soldado, redigiria o documento indispensavel. Terminadas as comemorações no Ministerio da Guerra, o presidente voltou ao Palacio, chamando imediatamente a seu gabinete o gen. Pedro Geraldo e os srs. Quintanilha Ribeiro, José Aparecido de Oliveira e Pedroso Horta. Aos quatro disse o sr. Janio Quadros:
— "Chameio-os para dizer-lhes que renunciarei agora à Presidencia. Não sei exercê-la. Já que o insucesso não teve a coragem da renuncia, é mister que o exito a tenha. Não exercerei a presidencia com a autoridade rebaixada perante o mundo, nem ficarei no governo discutindo a confiança no respeito, na dignidade indispensavel ao primeiro mandatario. Não se trata de acusação qualquer. Trata-se de denuncia de quem tem como solenes e graves os deveres do mandato majoritario. Não nasci presidente da Republica. Nasci, sim, com a minha consciencia. E a esta devo atender e respeitar. Ela me diz que a melhor formula que tenho agora para servir ao povo e à Patria é a renuncia.
"

EMOÇÃO E SILÊNCIO

Enquanto o chefe da Casa Militar ia desincumbir-se da missão —prossegue o relato— o ministro da Justiça, o chefe da Casa Civil e o secretario particular do presidente reuniram-se no gabinete do sr. Quintanilha Ribeiro.
Novamente no gabinete do presidente, os mesmos auxiliares presenciaram a comunicação do chefe do governo aos ministros militares - alm. Silvio Heck, mal. Odillo Denis e brig. Grum Moss. Os chefes militares reiteraram o apreço e o respeito das Forças Armadas ao presidente da Republica, permitindo-se os ministros militares interpretar a emoção de seus companheiros num apelo ao presidente, que foi ouvido em silencio.
O sr. Janio Quadros limitou-se a agradecer a colaboração dos presentes, anunciando que se dirigiria em seguida para São Paulo, onde retomaria suas atividades de professor. Pouco depois, precisamente às 10 h 25, o presidente da Republica deixou o Palacio do Planalto em companhia do gen. Pedro Geraldo e do sr. Aparecido de Oliveira, dirigindo-se ao Palacio da Alvorada. Sua mulher, dª Eloá, já o esperava com as malas prontas. Depois de afetuosas conversas com seus dois auxiliares, o sr. Janio Quadros, com sua mulher e sua mãe, dª Leonor, e acompanhado sempre pelo chefe da Casa Militar e pelo secretario particular, dirigiu-se em automovel da Presidencia para o aeroporto militar.


O TEXTO DA RENÚNCIA

«Ao Congresso Nacional
Nesta data e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões do meu ato, renuncio ao mandato de presidente da Republica

JANIO QUADROS»

É o seguinte o texto da mensagem da renuncia do sr. Janio Quadros.

«Fui vencido pela reação e, assim, deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente sem prevenções nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação pelo caminho de sua verdadeira libertação politica e economica, o único que possibilitaria progresso efetivo e a justiça social a que tem direito a seu generoso povo. Desejei um Brasil para o brasileiros, afrontado neste sonho a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou individuos, inclusive do exterior. Sinto-me porem esmagado. Forças terriveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade ora quebradas e indispensaveis ao exercicio da minha autoridade. Creio, mesmo, não manteria a propria paz publica. Encerro assim com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes e para os operarios, para a grande familia do país, esta pagina de minha vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem de renuncia. Saio com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo, e de forma especial às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patricios, para todos, de todos, para cada um. Somente assim seremos dignos deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos da nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalhemos todos. Há muitas formas de servir nossa patria. Brasilia, 25 de agosto de 1961 — (a.) JANIO QUADROS.»

CARREIRA POLÍTICA

O sr. Janio Quadros iniciou sua carreira politica em 1947, quando se elegeu vereador à Camara Municipal e de São Paulo, com 1.700 votos. A partir dessa epoca conseguiu projetar seu nome de maneira excepcionalmente rapida, primeiro no plano estadual e depois em toda a nação. Na historia da republica talvez nenhum outro politico tivesse logrado ascensão tão rapida. Três anos após a sua eleição para vereador, era levado à Assembléia Legislativa com 17.000 votos. Em 1950, à frente da campanha politica denominada "Movimento 22 de Março", foi eleito prefeito municipal de São Paulo. Antes do termino do mandato candidatou-se a governador do Estado, sendo eleito em outubro de 1954. A seguir foi eleito deputado federal pelo Estado do Paraná. Candidatando-se às eleições presidenciais de outubro de 1960, foi eleito por larga margem de votos, derrotando o gen. Henrique Teixeira Lott e o sr. Ademar de Barros. Empossou-se no dia 31 de janeiro de 1961.

RANIERI MAZZILLI ASSUMIU O GOVERNO

Acaba de assumir a presidencia da Republica o deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Camara Federal, o qual exercerá o cargo de presidente da Republica até que regresse ao Brasil o vice-presidente João Goulart, que é o substituto legal do chefe do governo em estado de renuncia. O sr. João Goulart já foi avisado do que sucedeu em nosso país e, em avião especialmente fretado, regressa de Hong Kong para o Brasil, sendo esperada sua chegada amanhã a Brasilia, às 12 horas.


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