O BRASIL, PAIZ DESHONESTO...


Publicado na Folha da Noite, sexta-feira, 24 de outubro de 1924

Neste texto foi mantida a grafia original

"Esta historia é mais importante do que se pensa"- escreve um redator de "L'Intransigeant", de Paris - A resposta do embaixador do Brasil na França

Pessoa que na Cidade-Luz se interessa pelas coisas brasileiras teve a gentileza de remetter-nos, por um dos ultimos correios, alguns recortes da imprensa parisiense, a proposito das relações commerciaes do nosso paiz com a França.
Vejamos, em primeiro lugar, o artigo do Sr. Stéphanne Lauzanne, do "Matin", que é um acerrimo commentario estendido até á nossa vizinha no continente.
O artigo intitula-se assim: "Paizes que carecem de honestidade", e... Por que não transcrevel-o na integra? Vamos fazel-o, visto como o assumpto é de grande interesse para todos. Eil-o:
"Ha, neste vasto mundo, um certo numero de paizes que nem sempre observam a mais rigorosa honestidade. E estes paizes não são de pequena dimensão: chamam-se a Republica Argentina, o Brasil, etc. Ides ver como elles operam... Antes da guerra, ditos paizes, tendo necessidade de dinheiro, procuram esta excellente polpa que se chama França. Esta emprestou-lhes sommas que se elevaram a cerca de "dois bilhões de francos". Não preciso dizer que se tratava de frances-ouro: não tinhamos outros antes da guerra. Assim, a maior parte dos titulos que nos foram remettidos em troca do nosso ouro estipulavam que se tratava de "emprestimos-ouro e que os juros, bem como a amortização, seriam "em ouro". Assim é que, por exemplo, as obrigações das provincias argentinas especificam que os portadores poderão cobrar seus coupons, ora em pesos-ouro em Buenos Aires, ora em francos em Paris. Assim é, ainda, que as obrigações do Estado de Minas Geraes (Brasil) esclarecem que se trata de um emprestimo ouro e que o "o reembolso e o pagamento serão effectuados em moeda de ouro franceza". Nada, de resto, mais logico e mais natural: convidavam-nos a lançar francos valendo ouro; compromettiam-se a nos reembolsar com francos valendo ouro.
Entretanto, veio a guerra, depois a paz, depois a queda do franco. Os paizes devedores lembraram-se então de que havia uma operação frutifera a realisar, era pagar os coupons de seus titulos em francos-papel, em vez de pagal-os em francos-ouro, e fazer o reembolso delles em francos-papel, em vez de francos-ouro. Valendo o franco-papel a terça ou quarta parte do franco-ouro, tinham um bello lucro de 66% ou de 75% sobre os juros ou sobre o capital. Talvez os francezes reclamassem. Mas, que reclamassem, eis tudo!...
O Sr. Fernando Engerard, deputado por Calvados, revelava-nos ultimamente que ha assim nada menos de sessenta e sete devedores extrangeiros, entre os quaes a Argentina e as suas provincias, o Brasil e os seus Estados, o Estado Finlandez, a Republica do Haiti, a Republica de Cuba, a Republica de Costa Rica, etc., que não soffreram com a guerra, que se enriqueceram e que acham commodo, apesar de todos os compromissos por escripto, pagar seis vintens quando deviam pagar vinte. O Sr. Engerard cita, mesmo, a "super-escroquerie" do Estado de Minas Gerais (Brasil), que chegou a este duplo golpe: depois de haver recusado pagar em ouro e serviço de seus emprestimos, expressamente estipulados ouro, fez baixar os seus titulos e, em 1920 e 1921, levou á baixa uma nominal de 50 milhões de francos ao preço effectivo de 44 milhões, realizando assim um lucro de 13.280 contos de réis, valendo cada conto de réis, no curso actual do cambio, perto de 2.100 francos, o lucro da operação attingio cerca de 28 milhões de francos!...
O que ha de mais extraordinario nisso, é a quasi indifferença do Governo francez. Elle é tão lesado por essas "escroqueries" quanto os particulares francezes: primeiro, as dezenas de milhões de francos não pagos em coupons são tantos menos impostos sobre os valores moveis percebidos pelo Thesouro; em seguida, o ouro não repatriado enfraquece igualmente nosso cambio.
Entretanto, o Quai d'Orsay, que se toma sempre de extranhos pudores quando se trata de nosso dinheiro, não protesta senão mollemente...
Ah! se a defesa de nossos interesses for confiada á Downing Street!... Mas, de facto, a Downing Street teve de intervir em um negocio desse genero. Em 1920, estando baixa a libra esterlina, o governo de Costa Rica pretendeu pagar aos portadores inglezes em libras ou coupons de seu emprestimo 5% 1911.
O "Foreign Office" enviou então ao dito governo uma nota concebida em taes termos que este não insistio.
Em seis mezes, os portadores inglezes estavam contentes e pagos em dollars-ouro. Mas nós, continuamos a receber em papel os coupons do mesmo emprestimo emittidos por um accôrdo em França!
Visto que o Quai d'Orsay não ousa agir por si mesmo por que não a questão á Côrte Arbitral de Haya ou á Sociedade das Nações? Bello assumpto de discussão para um tribunal de juristas ou para uma assembléa internacional, que pretendem fazer reinar o direito: — um paiz que se comprometteu a pagar sua divida em ouro, pode, por sua propria vontade, não pagal-o senão em papel?
Teriamos prazer de ouvir o sim, mas dito, em Haya ou em Genebra...
E nós nos recordariamos disso quando se tivesse de regularizar nossas dividas vis-a-vis da Inglaterra e da America".
— A proposito, o Sr. Souza Dantas, nosso Embaixador na França, dirigiu ao Matin uma longa carta, da qual aquelle jornal extrahiu os seguintes termos: — "Posso asegurar-vos que o Brasil é um paiz honesto e que cumpre as suas promessas. As importantes relações commerciaes que existem entre os nossos dois paizes provam essa honestidade. Se as affirmações do vosso artigo fossem indiscutiveis, o governo francez, sem nenhuma duvida, teria procedido de maneira diversa da que empregou até agora. Comtudo, como se trata de accusações concretas, sou forçado a pedir explicações detalhadas ao meu governo e as publicarei opportunamente.
Evidentemente, o facto dos portadores de titulos francezes, comprados antes da guerra e pagos em ouro, receberem seus juros em papel, é um grande argumento em nosso favor.
Quanto á operação do resgate de uma parte do emprestimo de Minas Geraes, posso garantir-vos, desde já, que uma tal operação, como foi declarado pelo actual presidente da Republica do Brasil, que foi presidente do Estado de Minas em 1921, foi realizada em perfeita conformidade com os contratos".
Segundo se lê no editorial em que vêm trancriptas as palavras do Sr. Souza Dantas, a resposta não satisfez ao Matin...



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