Pessoa que na Cidade-Luz se interessa pelas coisas brasileiras teve
a gentileza de remetter-nos, por um dos ultimos correios, alguns
recortes da imprensa parisiense, a proposito das relações
commerciaes do nosso paiz com a França.
Vejamos, em primeiro lugar, o artigo do Sr. Stéphanne Lauzanne,
do "Matin", que é um acerrimo commentario estendido
até á nossa vizinha no continente.
O artigo intitula-se assim: "Paizes que carecem de honestidade",
e... Por que não transcrevel-o na integra? Vamos fazel-o,
visto como o assumpto é de grande interesse para todos. Eil-o:
"Ha, neste vasto mundo, um certo numero de paizes que nem sempre
observam a mais rigorosa honestidade. E estes paizes não
são de pequena dimensão: chamam-se a Republica Argentina,
o Brasil, etc. Ides ver como elles operam... Antes da guerra, ditos
paizes, tendo necessidade de dinheiro, procuram esta excellente
polpa que se chama França. Esta emprestou-lhes sommas que
se elevaram a cerca de "dois bilhões de francos".
Não preciso dizer que se tratava de frances-ouro: não
tinhamos outros antes da guerra. Assim, a maior parte dos titulos
que nos foram remettidos em troca do nosso ouro estipulavam que
se tratava de "emprestimos-ouro e que os juros, bem como a
amortização, seriam "em ouro". Assim é
que, por exemplo, as obrigações das provincias argentinas
especificam que os portadores poderão cobrar seus coupons,
ora em pesos-ouro em Buenos Aires, ora em francos em Paris. Assim
é, ainda, que as obrigações do Estado de Minas
Geraes (Brasil) esclarecem que se trata de um emprestimo ouro e
que o "o reembolso e o pagamento serão effectuados em
moeda de ouro franceza". Nada, de resto, mais logico e mais
natural: convidavam-nos a lançar francos valendo ouro; compromettiam-se
a nos reembolsar com francos valendo ouro.
Entretanto, veio a guerra, depois a paz, depois a queda do franco.
Os paizes devedores lembraram-se então de que havia uma operação
frutifera a realisar, era pagar os coupons de seus titulos em francos-papel,
em vez de pagal-os em francos-ouro, e fazer o reembolso delles em
francos-papel, em vez de francos-ouro. Valendo o franco-papel a
terça ou quarta parte do franco-ouro, tinham um bello lucro
de 66% ou de 75% sobre os juros ou sobre o capital. Talvez os francezes
reclamassem. Mas, que reclamassem, eis tudo!...
O Sr. Fernando Engerard, deputado por Calvados, revelava-nos ultimamente
que ha assim nada menos de sessenta e sete devedores extrangeiros,
entre os quaes a Argentina e as suas provincias, o Brasil e os seus
Estados, o Estado Finlandez, a Republica do Haiti, a Republica de
Cuba, a Republica de Costa Rica, etc., que não soffreram
com a guerra, que se enriqueceram e que acham commodo, apesar de
todos os compromissos por escripto, pagar seis vintens quando deviam
pagar vinte. O Sr. Engerard cita, mesmo, a "super-escroquerie"
do Estado de Minas Gerais (Brasil), que chegou a este duplo golpe:
depois de haver recusado pagar em ouro e serviço de seus
emprestimos, expressamente estipulados ouro, fez baixar os seus
titulos e, em 1920 e 1921, levou á baixa uma nominal de 50
milhões de francos ao preço effectivo de 44 milhões,
realizando assim um lucro de 13.280 contos de réis, valendo
cada conto de réis, no curso actual do cambio, perto de 2.100
francos, o lucro da operação attingio cerca de 28
milhões de francos!...
O que ha de mais extraordinario nisso, é a quasi indifferença
do Governo francez. Elle é tão lesado por essas "escroqueries"
quanto os particulares francezes: primeiro, as dezenas de milhões
de francos não pagos em coupons são tantos menos impostos
sobre os valores moveis percebidos pelo Thesouro; em seguida, o
ouro não repatriado enfraquece igualmente nosso cambio.
Entretanto, o Quai d'Orsay, que se toma sempre de extranhos pudores
quando se trata de nosso dinheiro, não protesta senão
mollemente...
Ah! se a defesa de nossos interesses for confiada á Downing
Street!... Mas, de facto, a Downing Street teve de intervir em um
negocio desse genero. Em 1920, estando baixa a libra esterlina,
o governo de Costa Rica pretendeu pagar aos portadores inglezes
em libras ou coupons de seu emprestimo 5% 1911.
O "Foreign Office" enviou então ao dito governo
uma nota concebida em taes termos que este não insistio.
Em seis mezes, os portadores inglezes estavam contentes e pagos
em dollars-ouro. Mas nós, continuamos a receber em papel
os coupons do mesmo emprestimo emittidos por um accôrdo em
França!
Visto que o Quai d'Orsay não ousa agir por si mesmo por que
não a questão á Côrte Arbitral de Haya
ou á Sociedade das Nações? Bello assumpto de
discussão para um tribunal de juristas ou para uma assembléa
internacional, que pretendem fazer reinar o direito: um paiz
que se comprometteu a pagar sua divida em ouro, pode, por sua propria
vontade, não pagal-o senão em papel?
Teriamos prazer de ouvir o sim, mas dito, em Haya ou em Genebra...
E nós nos recordariamos disso quando se tivesse de regularizar
nossas dividas vis-a-vis da Inglaterra e da America".
A proposito, o Sr. Souza Dantas, nosso Embaixador na França,
dirigiu ao Matin uma longa carta, da qual aquelle jornal extrahiu
os seguintes termos: "Posso asegurar-vos que o Brasil
é um paiz honesto e que cumpre as suas promessas. As importantes
relações commerciaes que existem entre os nossos dois
paizes provam essa honestidade. Se as affirmações
do vosso artigo fossem indiscutiveis, o governo francez, sem nenhuma
duvida, teria procedido de maneira diversa da que empregou até
agora. Comtudo, como se trata de accusações concretas,
sou forçado a pedir explicações detalhadas
ao meu governo e as publicarei opportunamente.
Evidentemente, o facto dos portadores de titulos francezes, comprados
antes da guerra e pagos em ouro, receberem seus juros em papel,
é um grande argumento em nosso favor.
Quanto á operação do resgate de uma parte do
emprestimo de Minas Geraes, posso garantir-vos, desde já,
que uma tal operação, como foi declarado pelo actual
presidente da Republica do Brasil, que foi presidente do Estado
de Minas em 1921, foi realizada em perfeita conformidade com os
contratos".
Segundo se lê no editorial em que vêm trancriptas as
palavras do Sr. Souza Dantas, a resposta não satisfez ao
Matin...
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