POLÍCIA FEDERAL INVADE A FOLHA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sábado, 24 de março de
1990
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A Polícia Federal invadiu ontem à tarde, por volta de
15h30, o prédio da empresa Folha da Manhã S/A, que edita
a Folha. Acompanhados de fiscais da Receita Federal, os policiais,
que estavam armados, realizaram duas horas e meia de truculenta inspeção
e depois levaram para prestar depoimento na sede da Polícia
Federal em São Paulo os diretores da empresa Renato Castanhari
e Pedro Pinciroli Jr. e a secretária da diretoria, Vera Lia
Roberto. Os três foram liberados à noite.
O diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, considerou
a invasão "um ato estúpido e ilegal. Por trás
dos esbirros policiais, está Collor de Mello, a quem não
reconheço como presidente da República mas como usurpador
vulgar da Constituição".
O pretexto utilizado pela polícia para invasão da sede
do jornal foi uma suposta irregularidade cometida pela empresa na
troca de faturas emitidas em cruzados novos por faturas emitidas em
cruzeiros. A operação, entretanto, está expressamente
autorizada pela cartilha que foi distribuída pelo Ministério
da Economia para explicar o funcionamento e os procedimentos a serem
adotados na aplicação do plano econômico elaborado
pelo novo governo.
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Receita
e Polícia Federal invadem a Folha |
Da Reportagem Local
Uma
equipe formada por dois agentes da Polícia Federal, chefiados
pelo delegado João Lourenço, e seis fiscais da Receita
Federal invadiu ontem, por volta de 15h30, o prédio da empresa
Folha da Manhã S/A, a pretexto de comprovar irregularidades
na troca de faturas emitidas em cruzados novos por faturas em cruzeiros.
A empresa Folha da Manhã edita, além da Folha, os
jornais "Notícias Populares" e "Folha da Tarde".
Ao final de uma truculenta inspeção, que durou quase
duas horas e meia, dois diretores da empresa - Renato Castanhari,
diretor-financeiro, e Pedro Pinciroli, vice-diretor-geral - foram
levados à Polícia Federal para prestar depoimento.
Os agentes levaram também, a título de "testemunha",
a secretária da diretoria, Vera Lia Roberto. Pinciroli é
também vice-presidente da Associação Nacional
de Jornais (ANJ).
O pretexto usado pelos agentes do governo não convenceu nem
remotamente o diretor de Redação da Folha, Otavio
Frias Filho: "Considero a invasão de uma violência
estúpida e ilegal. Por trás dos esbirros policiais,
está Collor de Mello, a quem não reconheço
como presidente da República mas como usurpador vulgar da
Constituição", disse o jornalistas.
O grupo de policiais, armados e com o delegado Lourenço portando,
além da arma, um walkie-talkie, apresentou-se à recepcionista
Carim Santos Paliari Oliveira dizendo que queria falar com Castanhari.
A recepcionista respondeu que precisaria anunciá-los. Os
policiais não deixaram. "Somos da Polícia Federal
e você não pode nos barrar", reagiram. Um dos
seguranças da empresa tentou impedir a invasão, mas
foi dissuadido.
O grupo chegou ao 9o andar do prédio da al. Barão
de Limeira, 425, centro de São Paulo, o andar da diretoria,
e intimou a recepcionista Ana Paula dos Santos Veiga a levá-los
diretamente à sala de reuniões. Queriam falar com
Octavio Frias de Oliveira (o acionista majoritário da empresa).
Quando invadiram a sala de reuniões e viram que estava vazia
exigiram ser levados imediatamente à presença de Octavio
Frias de Oliveira. A recepcionista tentou ponderar que precisava
anunciá-los à secretária, Vera Lia Roberto.
A resposta foi uma ameaça de prisão.
Em seguida, o grupo invadiu a sala em que trabalha a secretária
e fez a mesma exigência. Queria ser levado imediatamente à
presença da diretoria da empresa. Vera Lia mal conseguiu
balbuciar alguma coisa e foi também ameaçada de prisão.
Todo o grupo, então, acompanhou Vera Lia à sobreloja
do prédio, onde fica o escritório de Renato Castanhari.
Os fiscais da Receita levaram cópias de duas faturas, uma
em cruzados novos e outra em cruzeiros, e pediram toda a documentação
da empresa relativa a faturamentos nas duas moedas. A partir daí,
o comportamento de policiais e fiscais foi diferente. Os fiscais
disseram que estavam no prédio apenas para constatar os fatos.
"Somos apenas soldados", chegaram a dizer. Mas o delegado
Lourenço insistia em levar detidos para a sede da PF os dois
diretores da empresa.
Enquanto policiais, fiscais e funcionários da Folha da Manhã
se reuniam na sobreloja, um dos agentes da PF voltava ao 9o andar
e dava ordens à secretária Vera Lia para acompanhá-lo.
Jornalistas e editorialistas que trabalham no 9o andar quiseram
saber o motivo do que parecia ser a prisão de Vera Lia e
o policial respondeu que ela iria "como testemunha".
Na porta do elevador, o policial desculpou-se pela maneira como
haviam agido, alegando que estavam acostumados "a tratar com
outro tipo de gente". Mas acrescentou: "Vai acabar a impunidade
dos ricos". Quando o jornalista que acompanhava Vera Lia ponderou
que a recepcionista Ana Paula e a secretária Vera Lia não
eram exatamente pessoas ricas, o policial devolveu: "Há
certas secretárias que sabem como fazer o patrão se
evadir e aí acaba o flagrante".
Na sobreloja, prosseguia o exame da documentação,
já então acompanhado pelos advogados da Folha, Ives
Gandra Martins e Luís Francisco Carvalho Filho. Estavam também
presentes, por solidariedade com a empresa invadida, o presidente
da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, José
de Castro Bigi, os conselheiros da Ordem Gérson Mendonça
e Renato Belli e o advogado José Carlos Dias.
Ives Gandra telefonou para o ministro da Justiça, Bernardo
Cabral, que mostrou sensibilidade para o problema criado com o jornal,
a ponto de transmitir o caso à ministra da Economia, Zélia
Cardoso de Mello. Ela telefonou em seguida para Ives e passou o
telefone a Eduardo Teixeira, secretário-executivo do ministério.
Teixeira disse a Ives que o ministério iria estudar o critério
para a cobrança de serviços prestados pelas empresas
jornalísticas, se em cruzados novos ou cruzeiros, a partir
dos elementos que a Associação Nacional dos Jornais
lhe encaminharia ainda hoje (sábado).
Mas o delegado Lourenço não tinha sensibilidade alguma.
Exigiu que os diretores da Folha da Manhã assinassem imediatamente
o auto de infração preparado pelos fiscais da Receita.
Luís Francisco ponderou que eles não poderiam assinar
sem que o documento fosse antes lido por Ives Gandra. O delegado
ameaçou então invadir a sala na qual estavam reunidos
todos os advogados. Luís Francisco pediu que ele esperasse
um minuto. Lourenço exibiu então as algemas que levava
e disse: "Vocês não podem impedir a ação
da polícia".
Enquanto o delegado exibia sua turculência, o diretor-geral
da Polícia Federal, delegado Romeu Tuma, também responsável
pela Receita Federal, telefonava para Otavio Frias Filho para lhe
dizer que não se tratava de uma prisão, mas de um
convite para prestar depoimento. Tuma garantiu igualmente que, se
tivesse havido excessos dos policiais, seriam apurados e punidos.
Também o chefe da Polícia Federal em São Paulo,
Marco Antônio Veronezzi, garantiu ao advogado José
Carlos Dias que não haveria prisões. Os diretores
da empresa Folha da Manhã iriam à Polícia Federal
a título de prestar depoimento e poderiam, inclusive, sair
em seus próprios carros ou nos dos advogados, o que de fato
ocorreu. Os advogados ainda ousaram perguntar porque a secretária
Vera Lia estava sendo presa. Resposta do delegado Lourenço:
"Porque eu quero."
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Editorial |
A escalada fascista
Assassinos
da ordem jurídica, anunciadores do tumulto fascista que se
desencadeia sobre a sociedade brasileira, esbirros de uma ditadura
ainda sem nome - "Era Collor"? "Brasil Novo"?
- invadiram ontem a Folha de S. Paulo. Este fato culmina a série
de agressões, de arbitrariedades e de violências que,
em nome do combate à inflação, configuram um
clima de terrorismo de Estado só comparável ao dos
períodos mais infames e vergonhosos da história brasileira.
Esta Folha, que criticou duramente a candidatura Fernando Collor
- como, aliás, todas as outras -; mas que aprovou a audácia
do presidente na edição das medidas econômicas,
vê essa audácia transformar-se em prepotência
e tirania; vê nos apelos do chefe de Estado aos "descamisados",
nas ameaças que profere contra a livre iniciativa, na arrogância
pretensamente incontrastável de suas atitudes, na precária
corte de bajuladores que se acanalha à sua volta e no espetáculo
de desorganização política, de obscurantismo
e mistificação que se estabelece em seu governo, os
sinais inequívocos, alarmantes e inaceitáveis de uma
aventura totalitária. Não se agrediu um jornal. Agrediu-se
a democracia. O chefe de Estado não parece ver limites para
seu messianismo; este se constrói na arbitrariedade, sustenta-se
na ignorância, mantém-se pela força, prossegue
no arbítrio: é o momento de dizer basta.
A democracia brasileira não tolera aspirantes a Ceausescu
ou versões juvenis de Mussolini. Aberta, como qualquer empresa,
à fiscalização das autoridades, esta Folha
não aceita intimidações grosseiras nem ameaças
policiais. O governo federal investe na subversão das leis
e na destruição das liberdades políticas. A
escalada repressiva terá de ser interrompida: mais uma vez,
quando já parecia consolidado o processo de transição
para a democracia, cumpre lutar contra os inimigos da liberdade.
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