ABC REAGE À INTERVENÇÃO


Manifestações estendem-se a São Paulo
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Não prejudica a abertura, diz o Governo
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Ministro do Trabalho admite rever o ato
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A dúvida agora é a volta ao trabalho


Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 24 de março de 1979

Apesar da intervenção federal nos três sindicatos da região, a greve dos metalúrgicos do ABC foi mantida ontem. Apenas pequeno número de operários retornou ao trabalho. As principais fábricas de veículos automotores permaneceram paradas, com exceção da General Motors, onde as ausências de trabalhadores não foram além de 210, segundo o gerente de relações públicas da empresa.
Os metalúrgicos têm reunião marcada para hoje às 15 horas, na praça Samuel Sabatini, em São Bernardo do Campo, para decidirem os rumos do movimento.
A intervenção, decretada pelo ministro do Trabalho, Murilo Macedo, durante a madrugada e efetivada na manhã de ontem, mobilizou as atenções dos meios políticos e trabalhistas de todo o País.
A principal indagação, na área política, relacionava-se com os reflexos da medida no processo de abertura prometido pelo Governo. As fontes oficiais procuravam tranquilizar a opinião pública a esse respeito.
"O governo Figueiredo está no firme propósito de continuar a abertura iniciada pelo presidente Geisel. A intervenção nos sindicatos metalúrgicos em nada afeta esse propósito" - disse o secretário de Imprensa do Palácio do Planalto, Marco Antônio Kraemer. Segundo ele, o presidente da República "encarou normalmente a decisão, consciente de que já se tinham feito várias tentativas para solucionar o problema".
No mesmo sentido foram as declarações dos líderes arenistas Jarbas Passarinho (Senado) e Nélson Marchezan (Câmara), bem como do presidente da ARENA, José Sarnei. Todos eles foram categóricos na afirmativa de que o governo não pretende pôr em prática as salvaguardas previstas na Constituição, decretando medidas de emergência para a região do ABC.
Os metalúrgicos do ABC reagiram à intervenção em seus sindicatos e receberam a solidariedade de outras categorias profissionais.
Em São Bernardo, os trabalhadores em greve, depois de diversos choques com a polícia, conseguiram realizar uma assembléia, em frente ao Paço Municipal, com a presença do prefeito Tito Costa. Depois de decidirem pela continuação do movimento, cerca de 2 mil trabalhadores dirigiram-se para a sede de seu sindicato, distante dois quilômetros da praça, e a ocuparam simbolicamente; retiraram-se pouco depois, à chegada de reforços policiais.
Em São Paulo, cerca de 5 mil pessoas - estudantes, professores e dirigentes sindicais - realizaram uma concentração às 18 horas, em frente à Câmara Municipal, em protesto contra a intervenção federal. Decidiu-se convocar novo ato para segunda-feira na praça da Sé. Faixas e cartazes com criticas ao ato do governo apareceram em profusão, mas a manifestação decorreu pacificamente.
Na noite de ontem, em Brasília, o ministro Murilo Macedo afirmou que poderia suspender, "de acordo com a lei", a intervenção. Disse que seu ato admitia recurso, o qual seria por ele examinado, para manter ou não a medida.

Lula, o fim de um líder?

Luíz Inácio da Silva, 33 anos, casado, três filhos, torneiro mecânico da Villares, Cr$ 18 mil cruzeiros mensais, está perpetuamente excluído de qualquer participação em cargos diretivos de entidades de classe, se literalmente obedecido o artigo 530 da CLT. Como Benedito Marcílio, de Santo André, e João Lins Pereira, de São Caetano, Lula foi substituído ontem, na direção do Sindicato de São Bernardo e Diadema, por um interventor federal.
A intervenção já era esperada por Lula, que surgiu como dirigente sindical em 1972, quanto ocupou cargo ao qual estavam afeitas as questões de previdência social na diretoria de seu Sindicato. Em 1975, elegeu-se pela primeira vez presidente, e em abril do ano passado foi confirmado no posto com 97,3% dos votos. Este seu segundo mandato deveria terminar em abril de 1981.
Ontem, Lula afirmou que deixava a presidência do sindicato com a consciência tranquila, pois "não traíra a classe dos trabalhadores". Disse que o movimento grevista continuaria, porque era uma decisão de 80 mil trabalhadores em assembléia e não apenas dele: "Se hoje ainda não chegamos à vitoria, tenho absoluta certeza de que a classe trabalhadora saberá lutar para conquistar o seu lugar na sociedade".

Governo diz que líderes incitaram

BRASÍLIA (Sucursal) - O ministro do Trabalho, Murilo Macedo, determinou intervenção nos Sindicatos dos Metalúrgicos do ABCD, após uma reunião de três horas com membros de sua equipe, iniciada às nove horas da noite de anteontem. A medida entrou em vigor a zero hora de ontem e, com ela, ficam condenados à exclusão perpétua de qualquer cargo de direção sindical Luís Inácio da Silva (Lula), Benedito Marcílio e João Luís Pereira, respectivamente presidentes dos sindicatos de São Bernardo do Campo, Santo André e São Caetano, de acordo com o artigo 530 da CLT.
Por volta de dez horas, o delegado regional do Trabalho, Vinicius Ferraz Torrez, partiu para o ABC, em companhia de inspetores da DRT e agentes do Deops, para dar cumprimento ao despacho ministerial. No início da tarde, as diretorias dos três sindicatos já estavam destituídas, tendo sido empossados os interventores Alfredo Garcez (Santo André), Antônio Donato Garcez (São Caetano) e Guaraci Horta (São Bernardo), todos funcionários do Ministério do Trabalho.
O despacho ministerial determinando a intervenção nos sindicatos não especifica o período de duração da medida. Contudo, segundo parecer da Consultoria Jurídica do Ministério (que tem "poder normativo"), os interventores ocuparão os sindicatos por 90 dias. Este foi o prazo fixado pela Consultoria como suficiente para a realização de eleições para as novas diretorias das entidades.

Com base na CLT

Macedo fundamentou o seu despacho de intervenção no artigo 528 da CLT, que reza: "Ocorrendo dissídio ou circunstância que perturbe o funcionamento da entidade sindical ou motivos relevantes de segurança nacional, o ministro do Trabalho poderá intervir, por intermédio do delegado ou junta interventora, com atribuições para administrá-la e executar ou propor medidas necessárias para normalizar-lhe o funcionamento".
Ao contrário do que normalmente ocorre, o ministro do Trabalho indicou apenas um interventor para cada sindicato. Geralmente, há a nomeação de uma junta interventora com no mínimo, três membros, segundo a CLT. A reunião na noite de quinta-feira, realizada na residência de Macedo, contou com a participação dos seguintes funcionários do Ministério: Pedro Luiz Ferronato, chefe de Gabinete do ministro; Eduardo Godói Figueiredo, coordenador de Comunicação Social; Geraldo Antônio Nogueira Miné, secretário-geral; Costa Carvalho, chefe de Gabinete do Ministério no Rio; Alencar Naul Rossy, secretário de Relações do Trabalho; Raimundo Juarez Távora, chefe da Divisão de Segurança e Informação; e Artur Dezonne de Moraes Carvalho, secretário de Mão de Obra.

A ultima entrevista de Lula

Logo que recebeu a confirmação da intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Luís Inácio da Silva deu uma entrevista exclusiva à "Folha", que ele mesmo declarou ser a última como dirigente sindical. Eis a Integra da entrevista:
FOLHA - O que você achou da intervenção?
Lula - Estou achando que se comete erros impensados contra a classe trabalhadora, que sempre beneficiam a classe patronal. A intervenção já era esperada, porém, ainda restava um pouco de esperança. Ainda esperávamos um pouco de bom senso.
FOLHA - Como fica a greve?
Lula - A greve vai continuar, não porque esta é apenas a minha vontade, mas porque 80 mil metalúrgicos decidiram. Eu respeitei a vontade da minha categoria. Não traí. Ela deve continuar. As máquinas continuarão paradas até o dia em que os patrões apresentarem uma contra-proposta decente.
FOLHA - Como você define o impasse nas negociações?
Lula - Os empresários estão intransigentes porque estavam negociando com os sindicatos do ABC. Na minha opinião eles não queriam dar o sabor de mais uma vitória dos metalúrgicos do ABC. Na visão dos patrões dar o que pedimos, ou pelo menos um pouco mais, significa perder o controle sobre estes sindicatos. Eles se enganam. Um dia, e está bem próximo, nós mostraremos a nossa força e organização.
FOLHA - Este dia pode ser ainda nesta negociação?
Lula - Eu tenho quase certeza disto.
FOLHA - Por quê?
Lula - Quem viu uma Volkswagen paralisar totalmente. Quem viu uma assembléia de quase 90 mil metalúrgicos, quem viu uma união entre os trabalhadores e quem viu a vontade de lutar da nossa categoria, não pode duvidar. Este alguém não seria eu. Jamais subestimei a força que tem a categoria, nunca desprezei a inteligência da classe trabalhadora. Mais do que nunca, eu confio na minha categoria. Eles vão vencer.
FOLHA - Você recebeu algum telefonema de algum empresário nestas últimas horas?
Lula - Infelizmente não. Mas, eu acho que não devemos criar ilusões quanto aos empresários. Para mim, eu tenho certeza, quem mais quis, e por não dizer, quem praticamente provocou a intervenção nos sindicatos do ABC foram as empresas multinacionais. Elas querem destruir o pouco que temos de consciência, o pouco que temos de organização.
FOLHA - Você acredita num refluxo do movimento sindical no ABC?
Lula - Não acredito. Estaria subestimando os metalúrgicos do ABC, se pesansse o contrário. Num primeiro momento haverá um recuo. Em pouco tempo a coisa começa a crescer.
FOLHA - A intervenção, na sua opinião, não traz prejuízos para o movimento sindical brasileiro?
Lula - Pode ser. Mas, prejuízo maior quem traz é a falta do estado de direito. A falta de democracia. A falta de liberdade e autonomia sindical. Você não acha? Num país onde predomina o arbítrio, nós trabalhalhadores continuaremos sendo tratados como caso de polícia. Um dia, repito, ele está bem perto, a classe trabalhadora medirá forças com a classe patronal e aí nós iremos até as últimas consequências".

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