LULA VAI AMANHÃ A JULGAMENTO

Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 1981

O julgamento de Luís Inácio da Silva, Lula, e mais doze sindicalistas do ABC enquadrados na Lei de Segurança Nacional foi marcado para amanhã, às 9 horas, na 2a Auditoria da Justiça Militar. O juiz-auditor Nélson da Silva Machado Guimarães decidiu permitir a presença no tribunal de apenas um parente de cada acusado, além de quinze jornalistas, por ter tomado conhecimento da anunciada presença de delegações estrangeiras - "inclusive de um grupo de sindicalistas norte-americanos que queriam fiscalizar o julgamento, o que é um absurdo", alegou.
O tribunal decidiu também acionar um rigoroso esquema de segurança, que prevê a interdição de seis quarteirões da avenida Brigadeiro Luís Antônio, onde ele se localiza.
Os advogados dos treze sindicalistas deverão entrar hoje com novo pedido de adiamento do julgamento, por entenderem que as rígidas medidas de segurança "geraram um clima incompatível para o trabalho da defesa". O juiz-auditor, porém, adiantou ontem que em hipótese alguma concederá o adiamento, "a não ser que haja um terremoto".

Juiz marca para amanhã julgamento dos sindicalistas

Um rigoroso, inédito esquema de segurança, compreendendo a interdição da avenida Brigadeiro Luís Antônio com a formação de barreiras em ruas próximas, o credenciamento de apenas um parente de cada um dos treze réus pela 5a seção do 2o Exército, assim como dos advogados de defesa e de 15 jornalistas, será montado, pelo Exército, a pedido do juiz Nélson da Silva Machado Guimarães, da 2a Auditoria Militar, durante o julgamento de Luís Inácio da Silva, Lula, e outros 12 sindicalistas do ABC, oficialmente marcado para amanhã, com início previsto para às 9 horas.
Este aparato militar constitui um dos motivos que levaram os advogados de defesa a pedir o adiamento do julgamento e a mudança de local, em petição que deverá ser entregue hoje ao juiz-auditor Machado Guimarães. Ontem mesmo, porém, o juiz-auditor afirmou que em hipótese nenhuma, "a não ser que haja um terremoto", haverá novo adiamento do julgamento.
O reduzido número de cadeiras na sala do Conselho Permanente de Justiça da 2a Auditoria Militar e a anunciada presença de grupos de pressão, "inclusive de um grupo de sindicalistas norte-americanos que queriam fiscalizar o julgamento, o que é um absurdo": esses foram os motivos alegados pelo juiz-auditor para justificar o esquema de segurança solicitado ao comando do 2o Exército e as restrições impostas para impedir o acesso ao tribunal.

Advogados surpresos

Os advogados Idibal Piveta, Luís Eduardo Greenhalg, Airton Soares e Iberê Bandeira de Melo foram convocados para uma reunião ontem de manhã, na 2a Auditoria Militar, onde receberam do juiz-auditor Machado Guimarães a informação de que o julgamento dos treze sindicalistas fora marcado para quarta-feira e as condições em que se dará.
Surpresos com as condições impostas e o fato de a data ter sido marcada apenas 48 horas antes do julgamento, os advogados reuniram-se logo a seguir com Lula e outros réus que puderam ser rapidamente localizados, decidindo então pedir o adiamento e a mudança de local.
Iberê Bandeira de Melo afirmou que "mesmo nos tempos mais difíceis, a data do julgamento sempre foi acertada em comum acordo pelo juiz-auditor e pelos advogados, com pelo menos dois meses de antecedência". Os advogados foram unânimes em afirmar que as medidas de segurança adotadas pela Auditoria Militar são "despropositadas sob todos os aspectos e geram um clima incompatível para o trabalho da defesa".
"Nós vamos pedir maiores garantias para a defesa", explicou o advogado Luís Eduardo Greenhalg. A mudança de local não seria um fato inédito, lembrou Idibal Piveta, que citou o caso do julgamento de 18 réus acusados de reorganizar o Partido Comunista Brasileiro em Florianópolis, cujo julgamento foi transferido da Auditoria Militar para o Tribunal do Júri de Curitiba, em 77.

Observadores não entram

Informado sobre estas alegações da defesa para solicitar o adiamento do julgamento e a mudança do local, o juiz-auditor Nélson Machado Guimarães afirmou que "diante do anúncio reiterado de que haveriam manifestações, a Justiça não poderia funcionar" e garantiu que "não há a menor possibilidade de se adiar o julgamento".
Com as 1.500 páginas do processo distribuídas em oito volumes sobre a sua mesa, o juiz-auditor concedeu à tarde breve entrevista coletiva, na qual explicou que, com treze cadeiras reservadas aos réus e outras treze aos seus parentes, "sobraram apenas quinze cadeiras para os jornalistas". Diante disso, deixou claro que não há a menor possibilidade de que os observadores de confederações de trabalhadores, partidos e entidades internacionais de anistia e direitos humanos possam assistir ao julgamento.
Perguntado sobre se ele, juiz-auditor, poderia ser alvo de pressões, Nélson da Silva Machado Guimarães disse literalmente: "Se alguém me pressionar, boto a boca no mundo", acrescentando que recorreria ao presidente do Superior Tribunal Militar, Reinaldo Melo de Almeida, para "cuidar da despressurização".
Machado Guimarães manifestou sua certeza de que o julgamento deverá terminar amanhã mesmo, por volta das 19 horas, contando com 3 horas para a acusação e 6 horas para a defesa (o que é contestado pelos advogados dos sindicalistas, segundo os quais eles teriam direito a 12 horas para a defesa).

Abrandar a pena

O promotor José Garcia de Freitas Jr., que recebeu o processo apenas uma semana antes de fazer as alegações finais (em substituição a um colega que entrou em férias), pediu a condenação dos sindicalistas com base nos artigos 36 ("incitamento à desobediência coletiva das leis", pena de 2 a 12 anos) e 42 ("propaganda subversiva mediante greve proibida", pena de 1 a 3 anos) da Lei de Segurança Nacional.
Segundo comentários feitos ontem na própria Auditoria Militar, os dois artigos são excludentes e o promotor não poderia pedir a condenação dos sindicalistas com base em ambos. Anteriormente, a condenação seria pedida apenas com base no artigo 36. O promotor José Garcia de Freitas Jr. teria incluído o segundo artigo para permitir a aplicação de uma pena mais branda.
Seja qual for o resultado, porém, é pouco provável que qualquer dos réus, mesmo que condenado, saia preso da Auditoria Militar: o juiz-auditor admitiu que "é perfeitamente possível" a aplicação do artigo 152 do Código do Processo Penal Militar (o correspondente à Lei Fleury"), que permite aguardar em liberdade o julgamento do recurso.
O Conselho Permanente de Justiça que julgará os sindicalistas tem como presidente o tenente-coronel João Batista Tavares de Meirelles, do 2o Grupo de Artilharia Antiaérea, e é integrado pelo capitão Reinaldo Richeti, do 11o Esquadrão de Cavalaria Mecanizado, pelo capitão Flávio Mauler, do Departamento Regional de Subsistência, e pelo 1o tenente Lúcio Flávio Lopes, do 2o Batalhão de Guardas, além do juiz-auditor Nélson da Silva Machado Guimarães, que está há 12 anos no cargo.

Credenciais

Ao final da tarde de ontem, o comando do 2o Exército divulgou comunicado informando que, por solicitação da 2a Auditoria, o ingresso no interior do prédio, no julgamento, será permitido apenas para repórteres credenciados pela 5a Seção do 2o Exército, devendo a credencial ser retirada pelo próprio interessado.

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