JK SEPULTADO EM BRASÍLIA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 24 de agosto de 1976
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A
cerimônia terminou à noite, após uma jornada de grandes manifestações
populares; O governo federal decretou luto oficial de três dias
em pesar pela morte do ex-presidente
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Milhares
de pessoas comprimiram-se no cemitério Campo da Esperança,
em Brasília, às últimas horas de ontem, no derradeiro
adeus ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, falecido em desastre
de automóvel na via Dutra, próximo de Resende, Estado
do Rio, domingo último.
A emoção popular que cresceu ainda mais, desde
a chegada do corpo à Capital Federal retardou o sepultamento,
que só ocorreu às 23h25. Apesar dos apelos de dona Sara,
todos queriam ver e tocar o ataúde, numa última despedida
ao fundador de Brasília. Calcula-se em pelo menos 20 mil o
número de pessoas que até o fim da noite se aglomeravam
no cemitério, numa demonstração jamais vista
na Capital do País.
As primeiras homenagens populares a Juscelino foram prestadas no Rio.
Os corpos do ex-presidente e de seu motorista Geraldo Pinheiro, também
morto no acidente, chegaram de madrugada ao Instituto Médico
Legal do Rio, de onde, após a autópsia, foram levados
ao edifício da revista "Manchete", na praia do Flamengo,
para serem velados. Cerca de cinco mil pessoas comprimiam-se ao longo
de duas filas para prestar a derradeira homenagem a Juscelino. A Policia
Militar fez um cordão de isolamento em torno da urna para evitar
tumultos. Dona Sara Kubitschek e as filhas Márcia e Maria Estela
aparentavam serenidade.
Às 10 e 30 da manhã, dona Sara recebeu um funcionário
do Ministério da Justiça que lhe pedia que antecipasse
a trasladação do corpo de JK para o aeroporto Santos
Dumont, alegando "razões de segurança".
Na rua, os milhares de acompanhantes cantavam o "Peixe Vivo",
os hinos Nacional, da Independência e à Bandeira. A grande
preocupação da Polícia Militar era fazer com
que o cortejo andasse rapidamente; contudo, a multidão levou
quase três horas para cobrir a pé o percurso de três
quilômetros.
No aeroporto Santos Dumont, a homenagem popular atingiu seu ponto
mais alto. Comprimida no saguão, a multidão cantou o
Hino Nacional, enquanto erguia fotografias do ex-presidente.
Na pista, dona Sara e a família despediram-se de parentes e
amigos, embarcando em jatinhos fretados que os levaram ao Galeão,
onde o cortejo fúnebre se transferiu para um trijato da Varig,
rumo a Brasília.
Na Capital Federal, as cenas de emoção repetiram-se.
Cinco mil veículos acompanharam o féretro desde o aeroporto
até a catedral, onde foi celebrada a missa de corpo presente.
As escolas suspenderam as aulas, as repartições públicas
e o comércio encerraram as atividades. Mas, a mais tocante
homenagem foi o acompanhamento ao cemitério, numa marcha de
15 quilômetros feita por mais de 60 mil pessoas, na qual se
confundiam lágrimas, palmas e vivas.
Apesar das inúmeras autoridades presentes, não compareceu
nenhuma delegação do governo. Dona Sara havia dispensado
as homenagens oficiais.
O presidente Geisel, que se recolhera domingo às 22 horas,
só foi informado da morte de JK ontem de manhã.
Imediatamente após sua chegada ao palácio do Planalto,
Geisel convocou reunião da qual participaram o chefe do Gabinete
Civil, Golberi do Couto e Silva, o chefe do Gabinete Militar, Hugo
de Abreu, os ministros Reis Veloso, Armando Falcão e Silvio
Frota, além do chefe do SNI, João Batista Figueiredo.
Após três horas de deliberações, foi decretado
luto de três dias pela morte do ex-presidente.
No Senado, onde Juscelino ocupou uma cadeira até junho de 64,
quando foi cassado, representantes dos dois partidos associaram-se
às homenagens. Na Câmara, 347 deputados falaram.
Em Minas, a noticia da morte foi recebida em silêncio e tristeza
pela população. Em Diamantina, terra natal do ex-presidente,
populares reuniram-se na praça, chorando e cantando em surdina
o "Peixe Vivo". O governador Aureliano Chaves decretou luto
de três dias.
Também em São Paulo o governador Paulo Egídio
decretou luto de três dias.
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O
ACIDENTE E SUAS PROVÁVEIS CAUSAS |
O carro em que viajava o ex-presidente Juscelino Kubitschek deveria
estar no mínimo a 140 quilômetros horários, no momento do acidente.
Essa a opinião do perito Manuel Dantas, de Resende, que no entanto
aguarda a conclusão de todos os laudos para pronunciar-se oficialmente.
Ele acredita que a barra de direção do carro se tenha quebrado, e,
na velocidade em que estava, o motorista não pôde controlá-lo. Ontem
surgiu a versão de que um ônibus não identificado teria abalroado
o veículo do ex-presidente, fazendo-o atravessar o canteiro central
da via Dutra e chocar-se com a carreta na outra pista.
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JUSCELINO
KUBISTCHEK |
O trágico
desaparecimento do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira
colheu de surpresa a Nação, lançando-a a uma
consternação cujos alcances ultrapassam mesmo as fronteiras
de nosso País. O natural desalento que se segue à perda
de grandes homens, e que no momento se faz presente em meio a todos
os setores representativos da população, é particularmente
sensível em Brasília, a cidade imaginada e construída
pelo ex-presidente. Os informes chegados da Capital dão conta
de que a cidade paralisou-se visualmente desde ontem pela manhã
e centenas de milhares de pessoas, independentemente de origens regionais
ou de qualquer outra espécie, acompanharam compungidas o sepultamento
do ex-chefe de Estado.
Mesmo os seus críticos mais aguerridos a quem não
passaram despercebidas a espital inflacionária deflagrada durante
seu mandato, assim como a aura de corrupção que cercou
largos, setores do seu governo, mesmo estes não desconheceram
as suas qualidade inegáveis, de político e estadista.
Que traços de caráter granjearam para este homem e estima
do povo, o respeito dos adversários, a admiração
dos seguidores?
Antes de tudo, o espírito aberto, afeito ao diálogo
e tolerante para com as divergências. A vida de Juscelino Kubitschek
foi dedicada ao permanente afã de somar opiniões, de
amalgamar posições antes contrastantes. Esse espírito
aberto e otimista do campo fértil para o surgimento de uma
consciência democrática, alimentada quer pelo impulso
da vocação quer pelo hábito adquirido na escola
política mineira. O otimismo e a vontade de criar figuravam,
no ex-presidente, a confiança na capacidade do povo brasileiro
e na sua vocação criadora.
O reconhecimento que lhe vota a Nação neste instante,
no entanto, deve-se também a uma circunstância especialíssima,
que distingue o ex-mandatário, inclusive, de tantas outras
figuras verdadeiramente democráticas nascidas em solo brasileiro.
É que Juscelino Kubitschek soube como ninguém, impulsionado
pelo sonho de Brasília, representar o vínculo democrático
que une o povo, Estado e Nação em um todo indivisível.
Nesta acepção, a sua morte inesperada sugere aos líderes
de hoje e às gerações de amanhã um exemplo
relevante, um alerta histórico pela preservação
e fortalecimento do princípio pelo qual não há
Estado sem povo, não há governo sem voto, não
há política sem liberdade, não há progresso
econômico sem direitos sociais e não há Direito
sem Justiça.
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