É O DIA "D" DO DIVÓRCIO

Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1977

O Congresso Nacional vota hoje em segundo turno, a partir das 9h30, a emenda constitucional que institui o divórcio no País, de autoria do senador fluminense Nélson Carneiro.
Espera-se que pelo menos 350 deputados e senadores estejam presentes. Se a emenda obtiver o quorum necessário de 212 votos (maioria absoluta), estará definitivamente aprovada e será promulgada na próxima semana pelas mesas da Câmara e do Senado em sessão solene.
A maioria dos parlamentares ouvidos pela imprensa crê na ratificação do projeto por um número de votos superior ao obtido na primeira votação (219), devido principalmente à presença de muitos deputados divorciados que não votaram no primeiro turno. Entre os antidivorcistas, poucos são os que ainda têm esperança de ver o projeto rejeitado.
O senador Nélson Carneiro e o co-autor da emenda, senador Acióli Filho, apresentarão, na reabertura da sessão legislativa em agosto, projeto de lei ordinária sobre a emenda aprovada, regulamentando divórcio. Eles pretendem uma regulamentação "contida", ao estilo do "piccolo divorzio" italiano.
Enquanto isso, a advogada Maria Lúcia D'Ávila, líder divorcista, convidava ontem parlamentares para a "passeata da vitória", domingo, no Rio.

Congresso faz hoje a votação final da emenda divorcista

BRASÍLIA (Sucursal) - O Congresso Nacional votará hoje, a partir das 9h30, em segundo turno, a emenda constitucional do senador Nelson Carneiro (MDB-RJ) instituindo o divórcio. Se a emenda obter no mínimo 212 votos estará aprovada e será promulgada, na próxima semana, pelas mesas da Câmara e do Senado, em sessão solene do Congresso. Estavam ontem, à noite, em Brasília, 347 parlamentares, dos quais 52 são senadores.
Líder divorcista, o senador Carneiro acredita que sua proposta obterá mais do que os 212 votos exigidos, inclusive porque chegaram ontem parlamentares favoráveis à emenda que não votaram no primeiro turno, realizado na última semana, poucos antidivorcistas têm esperanças mas o deputado Walber Guimarães (MDB-PR) ainda confia em que o divórcio possa ser rejeitado.

Exótica

Co-autor da emenda divorcistas, o senador Acioli Filho (Arena-PR) deverá reunir-se com o senador Nelson Carneiro para apresentarem em conjunto um projeto de lei ordinária sobre a proposta, que considera "contida", ao estilo do "pícolo divorzio" italiano. Para o senador Acioli, que foi o relator do projeto de reforma do Judiciário, "o divórcio depende da lei que o regula e do padrão moral de vida que os cônjuges adotam. Se estes tendem para o amor livre, para a promiscuidade, para o excêntrico, não é o divórcio que os leva a isso, mas o seu próprio temperamento e caráter".
Acentuou o senador Acioli que nos termos da legislação projetada, não será possível os exageros verificados em alguns estados da nação norte-americana e "nem o exemplo de artistas prolifera nas classes afastadas da vida exótica que eles levam". O que se pretendeu com a adoção do divórcio na lei foi exatamente ajustar a legislação à realidade brasileira. Frisou o senador que adotar-se-á para o divórcio um procedimento cauteloso em que não se poupem oportunidades para a reflexão e conciliação.

Proibição

"A exigência de uma prévia separação judicial pelo prazo de três anos - declarou o co-autor da emenda divorcista - evitará que a precipitação decida em prejuízo de uma madura reflexão. A norma (a emenda) é semelhante à do direito inglês, belga, ao projeto alemão, à lei francesa e ao direito de alguns Estados norte/americanos. A lei também deverá estabelecer, além do divórcio consensual, o divórcio sanção em que será necessária uma conduta culpável de um dos cônjuges em relação a fatos descritos na própria lei".
"Poder-se-á também - continua - permitir que o juiz, tais sejam o fundamento do divórcio e a conduta de um ou de ambos os cônjuges, declare-os impedidos de novo casamento, desde que se verifique sua inadaptação ao matrimônio. Uma norma dessa natureza suprimiria a possibilidade de indivíduos sem vocação para a vida matrimonial voltarem a casar-se. A lei atentará para a situação dos filhos do casal, os quais deverão ter plenamente asseguradas as mesmas condições após o divórcio. Igual preocupação atenderá à situação da mulher que, se não tiver meios próprios de subsistência, deverá ter direito a uma pensão que também lhe mantenha o mesmo padrão de vida".

Apoio

O senador Nelson Carneiro mostrou-se ontem muito confiante em que a lei ordinária regulamentando a emenda constitucional que instituirá o divórcio estará votada pelo Congresso Nacional até fins de outubro, no máximo. No Senado não haverá, a seu ver, nenhuma resistência admitindo que o senador Benedito Ferreira (Arena-GO) venha a ser o único a se empenhar em retardar a votação. Na Câmara é que poderá haver resistência maior contudo, não acredita que isto venha a ser uma estratégia dos antidivorcistas. Se houver interesse de alguns parlamentares em criar dificuldades para tramitação da lei ordinária dificilmente esta será aprovada antes de abril ou maio do próximo ano.
Enquanto o senador Carneiro demonstrava sua confiança, o líder do seu partido no Senado, Montoro (SP) reafirmava ser contrário à aprovação de emendas constitucionais de acordo com o quorum estabelecido pelo presidente Geisel nas reformas de abril último, ou seja metade mais um, apurado em conjunto os votos de deputados e senadores. Pessoalmente o senador Montoro é contrário ao divórcio, reconhecendo "a necessidade de serem introduzidas modificações substanciais em nosso Direito de família."
O senador Montoro empenhou-se ontem, em descobrir se eram verdadeiras ou não as informações de que estaria havendo um empenho do governo em retirar do plenário durante a votação de hoje, pelo menos uns vinte divorcistas. Se isto fosse conseguido a emenda divorcista seria naturalmente rejeitada. Na realidade foram realizadas tentativas neste sentido, mas não puderam ser caracterizadas como do governo.

Banda

No primeiro turno a proposta obteve 219 votos, sete a mais que o necessário. A votação de hoje começará pelos senadores, onde a maioria é francamente favorável ao divórcio. O próprio senador Nelson Carneiro reconheceu ontem que o fato da votação ter sido iniciada na última quarta-feira, quando do primeiro turno, pelo Senado, facilitou muito a aprovação da emenda. Destacou, mais uma vez, a importância do voto do senador Jarbas Passarinho (Arena-PA) favorável ao divórcio. Em 1975, ele havia se pronunciado contra.
Após a votação dos senadores serão chamados os deputados, começando pelo Acre. A votação é nominal. Caberá ao 1° secretário do Senado, senador Mendes Canale (Arena-MT) comunicar ao senador Petrônio Portela o resultado, que o proclamara. Em seguida, se aprovada a emenda, como provável, marcará a data de sua promulgação.
Para os antidivorcistas o fato da votação ser realizada pela manhã é um bom sinal. Não acredita que a galeria da Câmara fique repleta como da última vez, quando cerca de 1.500 pessoas vaiavam qualquer manifestação antidivorcista. Isto, como reconhecem alguns, influenciou o resultado. Hoje pela manhã, dificilmente as galerias voltarão a estar repletas.
E jornalista o senador Nelson Carneiro será homenageado hoje pelo comitê de imprensa do Senado após a votação de sua emenda. A homenagem será a sua perserverança na luta pelo divórcio, que durou 26 anos. A advogada Maria Lúcia D'Ávila, líder divorcista, convidou ontem os parlamentares a participarem da passeata da vitória - existe o clima do já ganhou - no próximo domingo, no Rio de Janeiro, a qual contará com o apoio da Banda de Ipanema.

Bispos insistem nas advertências

Dos Correspondentes

O arcebispo de Belém, dom Alberto Gaudêncio Ramos, endossou ontem as palavras de dom Aloísio Lorscheider, arcebispo de Fortaleza e presidente da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil acerca das penalidades aos católicos que se divorciarem. "Naturalmente - diz dom Alberto - haverá uma reunião da comissão representativa da CNBB para tratar do assunto. Nem o Senado nem a Câmara, nem qualquer outro órgão temporal pode influir num sacramento ditado pela palavra de Deus. A situação do católico que se casa no religioso e se divorcia, será a mesma situação do amasiado, isto é, não pode ser padrinho de batismo ou casamento, pode confessar-se mas não será absolvido se não se retratar; não pode receber extrema unção e não pode receber sepultura eclesiástica ou encomendação. A aplicação da excomunhão, pena máxima aos católicos, poderá ser feita em casos de injúria ou desafio à Igreja Católica.


Transgressão

Na opinião do arcebispo da arquidiocese de Maceió, dom Miguel Fenelon Câmara, a aprovação do divórcio constitui uma transgressão arbitrária das leis divinas e humanas. Afirmou ainda que "a culpa recairá sobre aqueles que, mesmo dizendo-se católicos, aderiram conscientemente à causa divorcista".
"A Igreja não se fundamenta nela mesma, mas na instituição divina. Com esta credencial, nós que a integramos somos obrigados a orientar não só aos fiéis mas a todos os homens públicos."

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