O BRASIL, EM FACE DOS ATENTADOS CONTRA SUA SOBERANIA, RECONHECE O ESTADO DE GUERRA COM A ITÁLIA E ALEMANHA


Publicado na Folha da Manhã, domingo, 23 de agosto de 1942

Neste texto foi mantida a grafia original

RIO, 22 (Da nossa sucursal - pelo telefone) - A reunião ministerial foi realizada no Palácio Guanabara das 15 h 30 às 16 h 45. Após a reunião, a secretaria da presidência da República distribuiu por intermédio do DIP a seguinte nota: "O sr. presidente da República reuniu hoje o ministério, tendo comparecido todos os ministros. Diante da comprovação de atos de guerra contra a nossa soberania foi reconhecida a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras - Alemanha e Itália. Em consequência, expediram-se, por via diplomática, as devidas comunicações àqueles dois países. Examinaram-se em seguida diversas providências atinentes à situação, ficando os ministros incumbidos de preparar os atos necessários. Resolveu ainda o sr. presidente da República que o Ministério, daquí por diante, se reuna semanalmente para acertar outras medidas exigidas pelas circunstâncias.

A decisão do governo brasileiro foi comunicada aos países agressores e a todas as repúblicas americanas
"Não há como negar que Alemanha e Itália praticaram contra o Brasil atos de guerra, criando a situação de beligerancia" diz a nota oficial

A comunicação oficial aos agressores

RIO, 22 (Da nossa sucursal - pelo telefone) - O governo brasileiro fez chegar ao conhecimento dos governos do Reich e da Itália, a seguinte comunicação:
1 - "A orientação pacifista da política internacional do Brasil manteve-o até agora afastado do conflito em que se debatem quasi todas as nações, inclusive deste hemisfério.
2 - Apesar das declarações de solidariedade americana, votadas na 8ª Conferência Internacional de Lima e na 1ª, 2ª e 3ª Reuniões de Ministros das Relações Exteriores da República Americanas, efetuadas, respectivamente, no Panamá, em 1939, em Havana em 1940 e no Rio de Janeiro em 1942, não variou o governo brasileiro de atitude, embora houvesse sido insolitamente agredido o território dos Estados Unidos da América, por forças do Japão, seguindo-se estado de guerra entre aquela república irmã e o império agressor, Alemanha e Itália.
3 - Entretanto, a declaração XV da 2ª daquelas reuniões, consagrada pelos votos de todos os Estados da América estabeleceu: "Que todo atentado a um estado não-americano contra a integridade ou a inviolabilidade do território e contra a soberania ou independência política de um estado americano será considerada como um ato de agressão contra os estados que assinaram essa declaração.
4 - Consequentemente, o atentado contra a integridade do território e a soberania dos Estados Unidos deveria ser considerado como ato de agressão ao Brasil, determinando a nossa participação no conflito e a simples declaração de solidariedade com o agredido, seguida algum tempo depois da interrupção das relações diplomáticas com os Estados agressores.
5 - Sem consideração para com essa atitude pacífica, do Brasil, e sob o pretexto de que precisava fazer guerra total à grande nação americana, a Alemanha atacou e afundou, sem prévio aviso, diversas unidades navais mercantes brasileiras, que faziam o comércio navegando dentro dos limites do "Mar Continental", fixados na declaração XV do Panamá.
6 - A esses atos de hostilidade, limitamo-nos a opor protestos diplomáticos tendentes a obter satisfações e justa indenização reafirmando, porem, com esses documentos, nossos propósitos de manter o estado de paz.
7 - Maior prova não era possível da tolerância do Brasil e de suas intenções pacíficas.
8 - Ocorre, porem, que agora, com flagrante infração das normas de direito internacional e dos mais comesinhos princípios da humanidade, foram atacados na costa brasileira, viajando em cabotagem, os vapores "Baependi" e "Anibal Benévolo", do "Lóide Brasileiro", Patrimônio Nacional, o "Araras" e o "Araraquara", do Lóide Nacional, S. A. e o "Itagiba", da Companhia Nacional de Navegação Costeira, os quais transportavam passageiros, militares e civis, e mercadorias para portos do norte do país.
9 - Não há como negar que a Alemanha e a Itália praticaram, contra o Brasil, atos de guerra, criando uma situação de beligerância, que somos forçados a reconhecer na defesa da nossa dignidade, da nossa soberania, da nossa segurança e na da América, e a repelí-la na medida das nossas forças".
Essa resolução do governo brasileiro foi comunicada a todos os governos das Repúblicas americanas.

Circular às missões diplomáticas brasileiras na América

Rio, 22 - As missões diplomáticas brasileiras na América foi enviada pelo Ministério das Relações Exteriores a seguinte circular:
"Queira passar nota a esse governo dizendo que, de acordo com as normas adotadas e os compromissos assumidos nas conferências pã-americanas de Buenos Aires e de Lima, assim como nas reuniões de consulta dos ministros das Relações Exteriores, o governo brasileiro leva ao seu conhecimento que, na noite de 15 para 16 do corrente, foram torpedeados, a 20 milhas da costa de Sergipe, cinco vapores brasileiros de passageiros, que navegavam de porto para porto nacional conduzindo inclusive romeiros que se destinavam ao Congresso Eucarístico de São Paulo. Um dos navios, o "Baependi" conduzia um contingente de tropas de 120 homens que não se dirigiam para nenhum setor de guerra, havendo apenas sido transferidos de uma região militar para outra do país. Antes desse atentado, com perda de muitas vidas, já haviam sido torpedeados em viagem inter-continental, por submarinos do "eixo", 23 navios brasileiros. A nossa atitude foi então de simples protesto contra a violação, nesses atos desnecessários e brutais, das normas do Direito e dos princípios de Humanidade, que regem a guerra no mar. Desta vez, em que o número das vítimas foi de várias centenas, compreendendo mulheres e crianças, a agressão foi dirigida contra a nossa navegação, essencialmente pacífica e, por sua própria natureza, sem objetivos suscetiveis de favorecer qualquer país beligerante, mesmo americano, sem ferir interesses de terceiros.
Eram navios de passageiros e nenhum navegava em zona de guerra ou de bloqueio, nem podia ser suspeito de levar carregamento para qualquer adversário das potências do "eixo", uma vez que seus portos de destino eram unicamente brasileiros. O seu afundamento nas costas brasileiras é indiscutivelmente um ato de agressão direta ao Brasil e à extensão da guerra à América do Sul. À vista disso, o governo brasileiro, por intermédio da embaixada da Espanha e da legação da Suiça, fez saber aos governos da Alemanha e da Itália que, a despeito de sua atitude sempre pacífica, não há como negar que esses paises praticaram contra o Brasil atos de guerra, criando uma situação de beligerância que somos forçados a reconhecer na defesa da nossa dignidade, da nossa soberania, da nossas segurança e a da América e a repelir na medida de nossas forças".

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.