ESCOLHIDAS GRUPOS DAS NOVAS TVs

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 20 de março de 1981

Os vencedores da concorrência aberta pelo governo para a concessão de duas novas redes de televisão no País foram finalmente anunciados ontem pelo ministro das Comunicações, Haroldo de Matos. Os dois grupos que operarão as redes formadas pela cassação de sete antigos canais pertencentes à extinta rede Tupi e mais dois disponíveis anteriormente são o Sistema Brasileiro de Televisão, formado por pessoas ligadas ao empresário Silvio Santos, e a TV Manchete, ligada ao grupo Bloch.
Ao Sistema Brasileiro de Televisão caberá a rede composta pelos canais 4 de São Paulo, 9 do Rio de Janeiro, 5 de Porto Alegre e 2 de Belém. Para a TV Manchete ficarão os canais 6 do Rio de Janeiro, 9 de São Paulo, 5 de Belo Horizonte, 6 de Recife e 2 de Fortaleza.
O ministro Haroldo de Matos explicou que a escolha recaiu sobre estes dois grupos, entre outros fatores, pela "experiência que os proponentes ofereciam na exploração do sistema de radiodifusão". A concorrência foi disputada por seis grupos. Uma alta fonte, em nível de direção de uma das emissoras brasileiras de televisão, confidenciou ontem, em São Paulo, que as redes Bloch e Silvio Santos serão subdivididas, beneficiando os grupos Capital e Record.
Ao saber da decisão do governo, o Sindicato dos Radialistas do Estados de São Paulo distribuiu nota informando sua "estranheza" em relação à escolha. O sindicato espera que o governo esclareça quais os critérios adotados, uma vez que não concorda com a participação do empresário Silvio Santos na exploração de uma das redes.
As emissoras paulistas receberam com alguma inquietação o anúncio das duas redes nacionais.

Governo anuncia ganhadores das redes

BRASILIA (Sucursal) - O ministro das Comunicações, Haroldo de Matos, anunciou ontem, oficialmente, os nomes dos dois grupos vencedores da licitação publica das duas redes nacionais de televisão, formadas pela cassação de sete antigos canais pertencentes a extinta rede Tupi de Televisão, e mais dois desativados anteriormente. Ao Sistema Brasileiro de Televisão, grupo formado por pessoas ligadas ao empresário Silvio Santos, foi concedida a rede composta pelos canais 4 de São Paulo, 9, do Rio de Janeiro; 5, de Porto Alegre; e 2, de Belém. A outra rede formada pelos canais 6, do Rio de Janeiro, 9, de São Paulo; 5 de Belo Horizonte; 6, do Recife; e 2, de Fortaleza, ficou para a TV Manchete do Grupo Bloch.
A decisão final do governo federal com relação à concessão das duas novas redes de televisão brasileiras e anunciada quase oito meses após o Ministério das Comunicações ter autorizado a abertura de editais colocando em licitação os canais.
O ministro das Comunicações, ao fazer o anuncio oficial em seu gabinete, disse que a decisão do governo, em escolher os dois novos concessionários "levou em conta as condições especiais do edital de concorrência, bem como a experiência que os proponentes ofereciam na exploração do sistema de radiodifusão". Haroldo de Matos falou também que a dívida junto ao INPS, dos canais que foram da extinta rede Tupi, "é uma dívida do Condomínio Associados" e que os ex-funcionários da Tupi deverão agora ser aproveitados, "no maior número possível", pelos novos concessionários, de acordo com uma das condições de caráter especial contida nos editais.

Explicações

Com relação à decisão do governo federal em escolher o Grupo Bloch e o grupo ligado ao empresário Silvio Santos, o Ministério das Comunicações distribuiu a seguinte nota oficial à imprensa.
"O governo federal decidiu adjudicar à empresa TV Manchete Ltda. a concessão correspondente ao edital 34/80 e à empresa Sistema Brasileiro de Televisão Ltda. (SBT), correspondente ao edital 35/80, referentes às duas novas redes nacionais de TV, que se achavam em licitação em decorrência da perempção das concessões da antiga rede Tupi de televisão.
"Os decretos de outorga serão imediatamente assinados, cabendo ao Ministério das Comunicações a prática subsequente dos atos complementares. Os contratos de concessão conterão, dentre outras, cláusulas especiais relativas ao aproveitamento dos empregados da antiga rede Tupi, em consonância com as exigências dos editais e compromissos assumidos pelos dois concorrentes em suas propostas. O governo registra com satisfação que todos os licitantes habilitados apresentaram propostas de elevada qualidade, o que tornou a decisão tanto mais complexa e revela, por outro lado, confiança de expressivos grupos empresariais no futuro da radiodifusão brasileira".
Com relação à demora do Palácio do Planalto em decidir entre os seis grupos habilitados pelo Ministério das Comunicações, quais os dois seriam os ganhadores das duas redes de TV, o ministro Haroldo de Matos afirmou que "este conceito de demora é muito relativo". Explicou - que "a solução de um edital para concessão de uma emissora no Brasil demora, às vezes, mais de um ano. De modo que os editais são, naturalmente, objeto de uma apreciação cuidadosa e demorada e não podem ser decididos de afogadilho".

Disputa no palácio

Sabe-se, no entanto, através de fontes do próprio governo que, após o Ministério das Comunicações ter habilitado seis grupos concorrentes às duas redes de TV - o JB, o grupo Visão, a Abril, o Grupo Capital, a Manchete e o Sistema Brasileiro de Televisão, isto em novembro do ano passado - teve início uma grande disputa junto ao Palácio do Planalto entre os grupos interessados na concessão e já então habilitados à mesma. Essa disputa motivou uma série de reuniões na esfera da Presidência da República. De novembro até agora diversas foram as especulações sobre os grupos vencedores finais da concorrência. O certo, segundo aquelas fontes governamentais, é que, ao final da disputa, apenas três grupos estavam no páreo: o Sistema Brasileiro de Televisão, o Grupo Bloch e o Grupo Capital.
A partir dai surgiu, então, o problema de difícil solução para o governo: "Como dar a três grupos, apenas duas redes de televisão". Segundo as fontes, "diversas foram as propostas governamentais para que os três grupos formassem uma composição entrando num acordo". E o "pior" segundo as fontes, "é que dois dos três grupos queriam, de qualquer forma, o canal da cidade de São Paulo". Estes grupos seriam o Sistema Brasileiro de Televisão e o Grupo Capital. Embora o ministro Haroldo de Matos não tenha feito comentários sobre este fato, as fontes governamentais garantem que o governo resolveu então dar as redes para o grupo ligado a Silvio Santos e para o Grupo Bloch, tendo em vista que foram os grupos que mais se aproximaram das propostas governamentais".

O grupo Silvio Santos

O Sistema Brasileiro de Televisão é ligado ao empresário Silvio Santos, apesar do nome do empresário não constar da lista de sócios. Este grupo é constituídos das seguintes pessoas: Carlos Marcelino Machado de Carvalho, filho do empresário Paulo Machado de Carvalho (sócio com Silvio Santos na TV Record); Carmen Torres Abravanel, cunhada de Silvio Santos; Luciano Calegari, que atua em empresa com Silvio Santos, além de Elieser Patricio da Silva e João Abrão, outros dois empresários.
Para o ministro, "o Sistema Brasileiro de Televisão não tem um canal de televisão no Rio de Janeiro". Quem tem é o empresário Silvio Santos, "que não participa do Sistema Brasileiro de Televisão" disse. De acordo com a legislação, uma mesma pessoas jurídica não pode ter concessão de dois canais de TV na mesma cidade.
Segundo revelaram fontes do Ministério das Comunicações, o contrato de outorga aos novos concessionários deverá ser assinado na próxima semana no Ministério das Comunicações

A preocupação das emissoras paulistas

As emissoras paulistas de televisão comercial receberam com alguma inquietação o anúncio das duas novas redes nacionais. Já há algum tempo, são constantes os comentários nos bastidores das emissoras de que a entrada de mais duas redes "congestionaria" o mercado, provocando uma baixa nos preços dos espaços publicitários e forçando a uma acirrada concorrência no setor. A salvo da disputa ficaria apenas a TV Globo, hoje com 60% da publicidade de TV.
Na Rede Bandeirantes, o vice-presidente João Carlos ("Johnny") Saad desejou "boas-vindas" aos grupos Bloch e Silvio Santos. Mas reafirmou a preocupação do setor de televisão de que o aumento da concorrência não seja acompanhado de aumento correspondente no volume da publicidade. "O mercado norte-americano é muito mais forte do que o nosso e tem apenas três redes" - explicou Saad.
Na Fundação Cásper Líbero (TV Gazeta), há temores semelhantes. A direção da Fundação acredita que o objetivo do governo federal foi evitar a concentração do poder, audiência e faturamento em apenas uma empresa, no caso a Globo. Mas o diretor-geral Natanael de Azevedo afirmou que "hoje não há faturamento publicitário suficiente para todas as redes. As emissoras estão lutando a duras penas para se manter e a entrada de novos concorrentes vai provocar uma disputa dura do mercado, podendo resultar no enfraquecimento das que já estão operando".

Bloch grato

Embora não quisessem dar entrevistas, os responsáveis pelo Grupo Bloch distribuíram ontem nota assinada por Adolpho Bloch, Oscar Bloch Siegelman e Pedro Jacques Kappeller, na qual se dizem "honrados e gratos ao governo, nas pessoas do presidente João Figueiredo e do ministro Haroldo Correa de Matos, pela concessão para operar uma nova rede de televisão".

Abril e JB

O diretor da Editora Abril, Roberto Civita, declarou por sua vez que a diretoria de sua empresa lamenta não estar entre os escolhidos, afirmando que deseja "muito sucesso", para os novos concessionários. Ele acrescentou que a empresa que representa continua interessada na exploração de meios de comunicação eletrônicos.
No Jornal do Brasil, no Rio, o sr. José Antônio Nascimento Brito - diretor da Rádio JB - avisou, através de sua secretária, que a empresa não pretendia dar entrevistas nem lançar qualquer nota sobre a concessão dos canais.

Como foi o processo de licitação

BRASILIA (Sucursal) - Em meados do ano passado o então ministro da extinta Secretaria da Comunicação Social, Said Farhat, reuniu os jornalistas credenciados no Palácio do Planalto para "uma importante comunicação". Farhat anunciou que o governo declarava peremptas algumas concessões de canais de televisão em várias capitais, até então outorgadas à Rede Tupi.
A partir daquele instante uma verdadeira batalha seria travada nos bastidores palacianos, envolvendo altos escalões do governo e fortes grupos empresariais.
Inicialmente, era ponto pacífico que a Editora Abril (posteriormente concorrente na licitação) levaria todo o quinhão. Esse ponto de vista era defendido pelo ministro Golberi do Couto e Silva e pelo secretário particular do presidente, Heitor Ferreira de Aquino.
"A Abril chegou a ter o pão na boca", informou recentemente uma fonte palaciana, acrescentando que os nove canais disponíveis estiveram quase que integralmente de posse daquela empresa. Mas os outros grupos interessados não perderam tempo e buscaram, também, trunfos que viessem a interferir no processo que caminhava sigilosamente no interior do Palácio.
Aparentemente, as opiniões do ministro Golberi e de Heitor Aquino não prevaleceram e, dias depois, Farhat anunciava a abertura de uma licitação. O processo começou a ganhar vias normais até que se previa a entrada em operação das duas novas redes já em janeiro deste ano. Nove grupos concorreram, mas três deles logo foram eliminados por questões mais financeiras que politicas, restando a Manchete, Silvio Santos, Capital, Abril, Macksoud e Jornal do Brasil.
Nesse processo, mais três foram eliminadas, mas desta vez mais por questões politicas que por questões financeiras: Abril, Jornal do Brasil e Macksoud deixaram o rol dos candidatos e a disputa cresceu entre esses três grupos.
Com a existência de duas redes e três concorrentes o governo mobilizou todos os seus esforços para chegar a uma composição: duas dessas empresas teriam que dividir uma das redes e a outra ficaria com uma rede inteira, sem sociedades.

Vale tudo

A partir daí cada grupo buscou seus contatos no governo para se armar contra possíveis revezes. Todos rejeitavam composições, chegando a irritar o presidente Figueiredo. Os dias passaram e Figueiredo viajou para a Colômbia, onde passaria quatro dias.
Mas enquanto o Grupo Capital e Silvio Santos pressionavam no Brasil, Oscar Bloch, da Manchete, deixava o País para ir a Bogotá. Lá manteve a primeira conversa com o general Otávio Medeiros, do SNI, medindo a temperatura para ver se o assunto televisão não iria aborrecer o presidente Figueiredo.
Medeiros deu o sinal verde: "Eu acho que você deve conversar com ele", disse o general durante o almoço no Serviço Nacional de Aprendizagem (Sena). Horas depois, quando Figueiredo deixava o hotel Tequendama, Oscar Bloch o acompanhou e com ele conversou.
Naquela mesma noite, na recepção que o presidente Ayala ofereceu ao presidente brasileiro, a Bloch teve a garantia de sua rede. Durante longos minutos, Oscar Bloch explicou ao presidente suas razões e obteve receptividade em seus argumentos. Ao fim da festa, a Manchete já tinha assegurada a sua rede de televisão e a euforia de Bloch era tanta, que ele não se deu conta da presença de repórteres ao chegar radiante ao hotel Tequendama e ser abordado pelo embaixador Paulo Tarso Flexa de Lima.
"Como é Oscar, falou com o homem?", indagou o embaixador. E Bloch sem esconder a sua alegria: "Falei, falei e acho que agora está tudo bem."

Radialista descontes

O Sindicato dos Radialistas do Estado de São Paulo distribuiu ontem nota oficial demonstrando sua "estranheza" em relação à escolha, pelo Ministério das Comunicações, dos concessionários que explorarão as duas novas redes de televisão. Em assembléia geral convocada por aquele sindicato e realizada no início da noite, os antigos funcionários da rede Tupi decidiram exigir do Grupo Silvio Santos, indicado para explorar a rede de TV liderada pelo canal 4 de São Paulo, a sua contratação dentro do mais curto tempo possível.
Segundo o presidente do Sindicato dos Radialistas, Alberto de Freitas, as negociações para a contratação dos cerca de 800 funcionários da antiga Tipi deverão ser desenvolvidas no recinto daquele sindicato e para isso está aguardando a presença de representante do empresário na sede da entidade para os primeiros contatos.
Humberto Mesquita, representante dos funcionários, acrescentou esperar que o governo esclareça quais os critérios utilizados para essa escolha, uma vez que as duas propostas - apresentadas pelo Grupo Silvio Santos, em nome de Carmem Abravanel, e pelo Grupo Bloch - vendedoras, não eram, a seu ver, as que reuniam melhores condições técnicas e econômico-financeiras para exploração das novas redes de televisão. Para ele, tanto a Editora Abril, como o grupo representado pelo sr. Henry Maksoud, além do Jornal do Brasil, demonstravam, através de suas propostas formais, reunir melhores qualidades e condições para exploração das novas redes de TV.
Para ele, a escolha daqueles dois grupos não obedeceu critério político, embora lembrasse que esses empresários demonstraram uma maior subserviência as autoridades do governo.

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