SÃO PAULO PAROU ONTEM PARA DEFENDER O REGIME
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 20 de março de 1964
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Neste texto foi mantida a grafia original
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A disposição de São Paulo e dos brasileiros de
todos os recantos da patria para defender a Constituição
e os principios democraticos, dentro do mesmo espirito que ditou a
Revolução de 32, originou ontem o maior movimento civico
já observado em nosso Estado: a "Marcha da Familia com
Deus, pela Liberdade".
Com bandas de musica, bandeiras de todos os Estados, centenas de faixas
e cartazes, numa cidade com ar festivo de feriado, a "Marcha"
começou na praça da Republica e terminou na praça
da Sé, que viveu um dos seus maiores dias. Meio milhão
de homens, mulheres e jovens - sem preconceitos de cor, credo religioso
ou posição social - foram mobilizados pelo acontecimento.
Com "vivas" à democracia e à Constituição,
mas vaiando os que consideram "traidores da patria", concentraram-se
defronte da catedral e nas ruas proximas.
Ali, oraram pelos destinos do país. E, através de diversas
mensagens, dirigiram palavras de fé no Deus de todas as religiões
e de confiança nos homens de boa-vontade. Mas, tambem de disposição
para lutar, em todas as frentes, pelos principios que já exigiram
o sangue dos paulistas para se firmarem.
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São
Paulo pára em defesa do regime e da Constituição |
Ontem, São Paulo parou. E foi à praça publica
- porque "a praça é do povo" - numa mobilização
que envolveu meio milhão de homens, mulheres e jovens, tambem
de outros Estados: a "Marcha da Familia com Deus, pela Liberdade".
Durante hora e meia, com a cidade adquirindo aspectos de feriado,
um caudal humano correu, ininterruptamente, da praça da Republica
para a praça da Sé, passando pela rua Barão de
Itapetininga, praça Ramos de Azevedo, Viaduto do Chá,
praça do Patriarca e rua Direita, até se represar ante
as escadarias da catedral metropolitana. Foi a maior manifestação
popular já vista em nosso Estado.
O repudio a qualquer tentativa de ultraje à Constituição
Brasileira e a defesa dos principios, garantias e prerrogativas democraticas
constituiram a tonica de todos os discursos e mensagens dirigidos
das escadarias da catedral aos brasileiros, no final da passeata.
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"Fidel,
Padroeiro de Brizola" |
Nas escadarias da catedral, sucederam-se os oradores. Às 18h50,
a massa humana chegara à praça da Sé. E encontrou-a
ocupada por multidão que acenava com lenços e bandeirolas.
O senador padre Calazans ocupara o microfone antes da chegada dos
manifestantes e voltou a discursar, após o primeiro orador
- sr. Amaro Cesar - ter discorrido sobre os objetivos da "Marcha".
Disse o reverendo: "Hoje é o dia de São José,
padroeiro da familia, o nosso padroeiro. Fidel Castro é o padroeiro
de Brizola. É o padroeiro de Jango. É o padroeiro dos
comunistas. Nós somos o povo. Não somos do comicio da
Guanabara, estipendiado pela corrupção. Aqui estão
mais de 500 mil pessoas para dizer ao presidente da Republica que
o Brasil quer a democracia, e não o tiranismo vermelho. Vivemos
a hora altamente ecumenica da Constituição. E aqui está
a resposta ao plebiscito da Guanabara: Não! Não! Não!".
As palavras finais do senador foram acompanhadas em unissono pelos
presentes. Depois, o pe. Calazans lembrou que "aqui estamos sem
tanques de guerra, sem metralhadoras. Estamos com nossa alma e com
nossa arma, a Constituição".
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Marcha,
veterano e mensagem |
À chegada de d. Leonor Mendes de Barros, às 17h20, que
provocou vivas e palmas, a banda da Força Publica tocou o Hino
Nacional, que foi cantado por todos os manifestantes enquanto acenavam
com lenços brancos. Em seguida, discursou o sr. Geraldo Goulart,
veterano de 32, dizendo da semelhança entre a situação
atual e aquela que originou a Revolução Constitucionalista.
Depois, uma mãe paulista leu a mensagem da mulher bandeirante
ao povo brasileiro.
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Oração
pelo Brasil |
Coube à profa. Carolina Ribeiro, ex-secretaria da Educação,
orar ao microfone por São Paulo e pelo Brasil. Todos a acompanharam
no Pai Nosso e ouviram-na dizer: "Temos que pedir a Deus, neste
momento em que nossos corações fervem de indignação,
que não caiamos na tentação da revolta, porque
só a Deus compete levar-nos pelo caminho certo".
Ao Pai Nosso, seguiu-se a Ave Maria, tambem rezada conjuntamente,
com o padre Calazans ao microfone: "Repudio às ofensas
lançadas ao Rosario no comicio da Guanabara". Era a hora
do "Angelus". Todos deram um viva à "Rainha
do Brasil".
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"Liberdade
é como saude" |
"Esta manifestação popular é uma prova de
que São Paulo e o Brasil querem ver sua bandeira eternamente
livre" - ressaltou o dep. Ciro Albuquerque, presidente da Assembléia
Legislativa paulista, que prosseguiu. "A liberdade é como
a saude: somente lhe damos valor depois que a perdemos. Queremos paz,
tranquilidade. E, sobretudo, exigimos respeito à Constituição
e às instituições democraticas". Em seguida,
conclamou todos os membros das casas legislativas brasileiras a "estudar
as reformas, que o povo deseja e merece, mas que devem ser feitas
dentro do respeito à soberania do Congresso Nacional".
Finalmente, leu mensagem dos prefeitos paulistas, dando conta da assinatura
de um manifesto, em que conclamam os brasileiros a lutar por aqueles
principios.
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Mensagem
de alerta |
Seguiram-no na tribuna o deputado Arnaldo Cerdeira e o sr. Amaro Cesar;
aquele ressaltando que "não admitiremos a transgressão
à lei, a agressão à Constituição";
este, lendo outra mensagem de alerta, dirigida pelos integrantes da
"Marcha" ao povo brasileiro.
O representante da delegação da Guanabara, dep. Everardo
Magalhães, tocou no nome do sr. Leonel Brizola e não
pôde continuar o discurso por alguns minutos. Todos os manifestantes
gritavam: "1, 2, 3, Brizola no xadrez. Se tiver lugar, vai o
Jango tambem". Vaias estrondaram por toda a praça e, logo
depois, o parlamentar prosseguia: "Vamos dar nossa resposta democratica
ao plebiscito da Guanabara". E todos levantaram os braços,
acenando novamente com lenços brancos, "pela Constituição".
E o deputado retrucou: "Obrigado paulistas. Obrigado brasileiros.
Esta é a mensagem que levo para o Rio". Nesse momento,
a banda da Força Publica executou o Hino Nacional, cantado
pelos presentes, ainda com os lenços acenando.
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Armas:
contra ou a favor? |
O orador seguinte foi o dep. Plinio Salgado, que dirigiu pergunta
às Forças Armadas: "Bravos soldados, marinheiros
e aviadores de nossa patria, sereis capazes de erguer vossas armas
contra aqueles que querem se levantar, aqueles que se levantam contra
a desordem, a subversão, a anarquia, o comunismo? Contra aqueles
que querem destruir os lares e a soberania da patria? Esta manifestação
não vos comove? Será possivel que permitireis, ainda,
que o Brasil continue atado aos titeres de Moscou?"
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"Basta!
Basta! Basta!" |
O deputado Cunha Bueno, em seguida, agradeceu, em nome dos paulistas,
o comparecimento das delegações do interior e de outros
Estados. E acentuou: "Os brasileiros aqui estão reunidos
para dizer ao presidente da Republica: Basta! Basta! Basta (nestas
palavras foi seguido pelos manifestantes). O que queremos é
paz para continuar nosso trabalho". Deu "vivas" ao
Brasil e à democracia.
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Espirito
de 32 |
Por sua vez, o dep. Herbert Levy acentuou: "Vossa presença
neste momento historico significa que o povo brasileiro não
quer ditadura, não quer comunismo. Quer paz, ordem e progresso.
O povo está na rua revivendo o espirito de 32 em defesa da
Constituição que fizemos com o nosso sangue. E, se preciso,
iremos todos, velhos, moços e até crianças, para
as trincheiras de 32. Esta é a advertencia para o presidente
da Republica e seu cunhado, para que não brinquem de comunismo
no Brasil". Foi interrompido varias vezes pelos populares, que
gritavam: "1, 2, 3, Brizola no xadrez" e "Verde-amarelo,
sem foice e martelo". E a banda da Guarda Civil atacou a marcha
"Paris Belfort", o hino da Revolução de 32.
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"Escravatura
vermelha" |
A deputada Conceição da Costa Neves tambem dirigiu saudação
aos brasileiros, dizendo: "Aqui, mercê de Deus, se encontra
o Brasil unido contra a escravatura vermelha. De São Paulo
partirá a bandeira que percorrerá todo o país,
para dizer a todos os partidos que a hora é de união,
para dizer basta ao sr. presidente da Republica".
Depois, houve outros oradores - estudantes e representantes de outros
Estados -, todos ressaltando a necessidade de união pela preservação
do regime, e o deputado Camilo Aschar afirmou que "a Assembléia
Legislativa de São Paulo estará alerta para o que der
e vier". Discursou tambem o prefeito de Campinas, sr. Rui Novais,
e um representante da delegação paranaense lembrou que
"32 e 32 somam 64".
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"Senão,
não!" |
O ultimo orador a ocupar a tribuna foi o sr. Auro Soares de Moura
Andrade, presidente do Congresso Nacional. E disse: "Sentimos
que hoje é um dia de importancia historica para o Brasil. O
povo veio à praça publica para demonstrar sua confiança
na democracia. Veio para afirmar perante a Nação que
os democratas não permitirão que os comunistas sejam
os donos da Patria. Democratas do Brasil, confiem, não desconfiem
das gloriosas Forças Armadas de nossa patria. Dentro de cada
farda, não está somente um corpo, mas tambem uma consciencia
e um juramento feito. Que sejam feitas reformas, mas pela liberdade.
Senão, não. Pela Constituição. Senão,
não. Pela consciencia cristã do nosso povo. Senão,
não". E todos os presentes o acompanharam no "senão,
não". Logo em seguida, a banda tocou a Canção
do Soldado, cantada pelos manifestantes, que, depois, repetiram os
"slogans" contra o sr. Leonel Brizola e o comunismo e se
foram da praça. Eram 18h45 e, muitos, entraram na catedral
para assistir à missa vespertina.
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Agua
na passeata |
Foi o proprio deputado Murilo de Sousa Reis quem efetuou a interdição
de um predio comercial, na rua Barão de Itapetininga, e, acompanhado
de policiais, revistou todos os conjuntos. Isso porque de um deles
haviam atirado um balde de agua nos transeuntes componentes da passeata.
Numa das janelas, aquele deputado constatou que o seu batente estava
molhado e efetuou a detenção do responsavel pelo escritorio
e de um outro elemento que o acompanhava. Ambos foram conduzidos ao
DOPS e só à noite foram dispensados.
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Ovos
e prisões |
Outro fato, mais tarde esclarecido, foi a detenção que
a Policia que vistoriava a passeata efetuou na praça da Sé,
de dois jovens que portavam dentro do carro grande quantidade de ovos
de galinha. Apontados por transeuntes, que disseram que os rapazes
iam jogar os ovos na multidão, os dois foram detidos e encaminhados
ao DOPS. Só então foi constatado que as caixas se destinavam
a um supermercado. Os dois foram dispensados.
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