DISTENSÃO NÃO ELIMINA O AI-5

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 1975

Em reunião que manteve ontem à tarde em Brasília com os membros da bancada federal da Arena, o ministro da Justiça, sr. Armando Falcão, afirmou que o País está em clima de absoluta tranquilidade, mas que o processo de distensão gradual, em curso, não importará, em hipótese alguma, na supressão da legislação revolucionária.
O ministro leu pronunciamentos do presidente Geisel, para distinguir os conceitos de distensão e de abertura política, sustentando que a primeira é uma busca "segura e lenta, sem prazos", e que a abertura representaria a adoção de providências imediatas, de efeitos perigosos. "O Governo não cogita da extinção do AI-5 nem do decreto 477", salientou Falcão.
Em seu encontro com os arenistas (parte do qual foi sigilosa), o titular da Justiça tratou de diferentes assuntos da atualidade política brasileira, em resposta a perguntas que lhe foram feitas.

Acordo nuclear

O sr. Armando Falcão, durante o encontro, que o Congresso inicie imediatamente o debate da política nuclear brasileira. O líder da Arena, deputado José Bonifácio, propôs que esse debate comece logo após a assinatura do acordo nuclear com a Alemanha, marcada para a próxima quinta-feira, em Bonn.
Por outro lado, o governador Paulo Egídio, ao desembarcar ontem em Brasília, solicitou à imprensa que dê mais importância ao acordo nuclear que a outros "fatos circunstanciais".
Egídio reuniu-se ontem mesmo com o ministro Armando Falcão.

Falcão: governo não revoga AI-5 e 477

BRASÍLIA (Sucursal) - O País está em clima de absoluta tranquilidade, mas o processo de distensão gradual, em curso, não importará, em hipótese alguma, na supressão dos diplomas legais excepcionais. A bancada arenista da Câmara dos Deputados influirá na escolha do próximo presidente da agremiação majoritária. O Congresso deve iniciar, imediatamente, o debate da política nuclear brasileira.
Estas foram algumas das revelações e recomendações feitas ontem, pelo ministro da Justiça, sr. Armando Falcão, em reunião sigilosa com a bancada arenista na Câmara. O encontro do ministro durou mais de quatro horas. A primeira parte, aberta à imprensa, limitou-se ao debate de questões do interesse político geral, como extinção de partidos, supressão ou não de sublegendas, fidelidade partidária e participação política.
Falcão, na sessão sigilosa, leu pronunciamentos oficiais do presidente Geisel, assinalando que não se pode confundir distensão com abertura. Ao que disse, o presidente "está governando na plenitude de seus poderes". "Distensão - disse é a busca segura e lenta da normalidade democrática. Só as circunstâncias conjunturais internas e externas podem estabelecer prazos dentro dos quais isso acontecerá. A abertura significaria a adoção de providências imediatas. O Governo não cogita da extinção do AI-5, nem do decreto 477".

Partido

Vários deputados suscitaram, em seguida, problemas relacionados com a reorganização partidária. O piauiense João Climaco mostrou que no Piauí, bem como em outros Estados, os dirigentes partidários, temerosos de concorrência eleitoral, estão impedindo o crescimento das filiações partidários.
O deputado Antônio Mariz, da Paraíba, vinculado ao chamado grupo rebelde, discordou de Climaco, salientando que "a sublegenda atende à preocupação da simples vitória eleitoral, mas compromete a unidade partidária."
"A situação política, hoje, é de perplexidade: no plano federal, para as eleições de senadores e deputados, existem dois partidos. No plano municipal ou estadual, quanto aos pleitos de governadores e prefeitos, em face do artifício da sublegenda, existem seis partidos."
Reclamou Mariz que "o Brasil, ao contrário da Inglaterra, onde os costumes são lei, contraria a realidade política através de seus diplomas legais". Mostrou, a esse respeito, exemplificado, que a nossa legislação eleitoral impede a colagem de cartazes de candidatos, mas, no último pleito, "Rio de Janeiro e São Paulo acabaram sob um mar de cartazes. Da mesma forma - frisou - a lei impede o abuso do poder econômico, limitando os gastos dos candidatos aos pleitos. Tais limites, no entanto, são irreais e, hoje, pode-se dizer, quase todos nós, eleitor em novembro do ano passado, infringimos a legislação".
"O governo - frisou Falcão, respondendo a Mariz - não cogita, absolutamente, de extinguir os atuais partidos políticos, nem agora nem em época alguma. Se o fizesse, por exemplo, condicionadamente ao resultado das eleições municipais de 76, estaria cometendo grave erro estratégico e que equivaleria ao suicídio político. O objetivo do presidente Geisel é, pelo contrário, fortalecer a legenda arenista."
Quanto à fidelidade partidária, mostrou que esse princípio é importante porque ''elimina os abusos do passado: parlamentares eleitos por uma agremiação e que se passavam para outras ou que votavam, no Congresso, contrariamente às diretrizes partidárias".
No final da reunião aberta, Falcão insistiu em que o "Governo quer o diálogo e fará tudo para valorizar, cada vez mais, as instituições. Todos os pronunciamentos do presidente Geisel - disse - põem o Senado e a Câmara no pedestal que devem mesmo ocupar. Naturalmente, nesse processo de relacionamento, há falhas a corrigir. Não vejo, por exemplo, mal algum em que se atendam determinadas pretensões de congressistas, que não se chocam com o interesse nacional. O Governo quer a participação responsável e entre outras medidas, concordou em que o Congresso possa apreciar os Códigos de Processo Penal e Civil com calma, para que o trabalho saia perfeito."

Liderança

"Nosso partido - respondeu, em seguida o ministro Falcão - não tem donos, mas precisa e deve ter líderes, condutores políticos autênticos".
Reconheceu, no tocante à reorganização de Diretórios e à filiação, a existência de "situações anônimas, que podem levar a resultados desastrosos".
"Mas não fiquemos só na constatação dos erros. Transformemos tudo que nos é desfavorável em iniciativas para corrigir o que vemos e sofremos. Eu, como um dos responsáveis pela política do Governo, levarei todos os assuntos á direção partidária nacional e ao presidente Geisel, nosso dirigente de honra e que é homem afeito ao diálogo e desejoso de prestigiar a Arena."
Segundo o ministro, o presidente da República tem aberto mão de algumas de suas prerrogativas, no tocante à iniciativa de determinadas matérias legislativas, "para valorizar a ação dos parlamentares arenistas".
"Até agora - disse - só o comando partidário e as lideranças têm tido acesso ao presidente, mas o general Geisel quer o entendimento com todos os parlamentares da Arena, pois essa é uma forma de prestigiar a ação partidária."
Ao que disse o ministro, o presidente "quer a participação efetiva dos arenistas no processo político, e, mais do que isso, no próprio governo".
Referindo-se às sublegendas e às divergências partidárias internas, reconheceu que "as mesmas são da tradição de nossos partidos".
"A sublegenda é um instrumento para a superação progressiva das divergências. Lembro que, de meu tempo, existia no PSD uma corrente getulista, outra dutrista, uma terceira juscelinista, a ala moça etc. Na UDN havia a bossa nova e os chapas brancas; no PTB os janguistas, os bigorrilhos etc. Entendo, porém, que, nos instantes decisivos dos pleitos, devem ser superadas todas as discordâncias."
Ainda assim, assinalou que esse princípio instituía a briga entre correligionários, em detrimento da unidade partidária. "Pior do que isso, no entanto - afirmou - é que se está criando a imagem de que somos os defensores de trustes."
Contou alguns episódios de seu Estado, para afirmar que "o País vive uma hora em que o pequeno não tem o direito sequer de pensar em tornar-se grande".
Advertido por Bonifácio, que lhe pediu "não se afastasse do tema", Machado insistiu em que estava dentro do assunto: "Quando resolverem problemas como esse, a sublegenda será desnecessária."
"Agora - continuou, apontando o deputado Herbert Levy de São Paulo, relator das investigações parlamentares sobre multinacionais no Brasil - estamos enfrentando os grupos estrangeiros..."
"Este assunto não está em pauta" - reclamou Bonifácio, mais uma vez.
"Pois eu garanto que quando o resolvermos - frisou Machado - não precisaremos pensar em sublegenda. Meu dedo, no caso da CPI, é que nosso combate, ao invés de ajudar, acabe prejudicando, estancando o fluxo de investimentos, pois o atual emaranhado legislativo só ajuda os estrangeiros."
Levy interrompeu Alexandre Machado, acentuando que o trabalho da CPI se desenvolve com grande objetividade. "A Arena - disse - não está, ali, numa posição passiva, mas de grande atividade e tem sido distinguida pelo respeito do próprio MDB."
"Então, muito bem - retrucou Machado. Faço votos mesmo que a Revolução brasileira não seja caudatária de interesses externos, mas só de nosso povo."
"Pergunto ao ministro - concluiu Mariz - se o Ministério da Justiça, ou o Governo, cogita de uma política para esses assuntos? Há metas que devemos atingir? Devemos continuar, todos, sob duas siglas partidárias? Insistiremos no irrealismo e no artifício das sublegendas?"
Durante a longa reclamação de Mariz, um arenista cearense, deputado Jonas Carlos, aparteou para dizer que "isso tudo está ajudando o MDB a capitalizar nossas contradições e as da política oficial".
"Acho - disse Mariz - que, apesar de tudo, estamos em melhor situação que o MDB para atender às aspirações nacionais, tanto mais que o presidente Geisel tem demonstrado, de modo inequívoco, sua preocupação de corrigir anomalias da área econômico-social."
O gaúcho Alexandre Machado ressaltou que "não ia tratar da sublegenda, embora estivesse inscrito para fazê-lo, pois nosso cacique piauiense (Climaco) já esgotou o assunto".
Por fim, encerrando o exame de questões político partidárias, na reunião aberta, o arenista mato-grossense Benedito Canelas reclamou a existência de donos do partido, que impedem a reformulação dos quadros, conforme à realidade. "Em Mato Grosso e São Paulo - declarou - fiz uma pesquisa que me revelou que a maioria de nossos diretórios está em mãos de apenas uma pessoa. Com as últimas filiações, a Arena inchou, mas não cresceu. Foram filiados somente empregados, parentes e amigos dos donos de partido, assim, quando chegar a época de eleições, não teremos, em geral, candidatos à altura."

Átomos

Na parte sigilosa da reunião, Falcão concordou com os deputados Aécio Cunha (MG) e Faria Lima (SP) quanto à oportunidade de se debater, no Congresso, a política nuclear do Brasil e o próximo acordo com a Alemanha.
"Vamos esperar a assinatura do acordo, primeiro" - propôs o líder José Bonifácio.
Faria Lima mencionou a declaração do senador norte-americano Pastore, sobre o acordo nuclear Brasil-Alemanha, e os arenistas, após as explicações de Falcão, ficaram de enfatizar a posição do Governo, em debates a se travarem proximamente no Congresso.
Ao deputado Antônio Mariz (PB), que indagou como o Governo estava encarando determinados deslocamentos ministeriais pelo País e o encontro recente de governadores, em Minas, Falcão considerou os dois episódios normais. "Os ministros podem ir aonde quiserem e os governadores podem reunir-se sem pedir autorização."
Das viagens de Petrônio Portela e dos encontros do presidente Geisel com seus líderes, disse que eram fatos rotineiros.
Nelson Marchezan, do Rio Grande do Sul, abordou o problema da distensão, respondendo-lhe o ministro que ela estava em curso, mas "o Governo não abre mão da legislação revolucionária".
Depois, o deputado Humberto Souto, de Minas, que, na véspera, estivera com o presidente Geisel, quis saber como se daria a escolha do sucessor de Petrônio, no comando nacional partidário, e o ministro insistiu em que o presidente da República não tem candidatos preferidos. "A bancada arenista - sustentou Falcão - terá influência decisiva na escolha presidencial". Enfatizou, depois, "não ter condições para dizer se o encontro de governadores ajudou ou não à distensão".
Nessa parte sigilosa do encontro, os arenistas Daso Coimbra, Eduardo Galil, Álvaro Vale e Flexa Ribeiro criticaram o comportamento do atual governador do novo Estado do Rio, almirante Faria Lima, assinalando que a fusão estaria sendo prejudicada. O ministro Falcão respondeu às criticas, defendendo Faria Lima e mostrando as dificuldades econômicas da nova unidade da Federação. Por fim, o deputado carioca Amaral Neto, numa alusão a pronunciamentos isolados de arenistas - como o senador Teotônio Vilela (favorável à chamada distensão e à volta à democracia) - ou à ação de governadores (como os srs. Paulo Egídio, Aureliano Chaves e Sinval Guazeli), disse não considerar justo que "algumas áreas do partido tenham o ônus de sustentar o AI-5, enquanto outras, sem qualquer prejuízo, preguem, exatamente o contrário".
"Política - declarou - não se faz apenas com especulações abstratas, mas com ação prática. Teorias não ganham eleições - continuou - e os princípios abstratos são importantes mas também não bastam para decidir os pleitos".

Debate

Após as apresentações do líder José Bonifácio, responsável pela reunião da bancada com Falcão, os parlamentares da Maioria começaram a propor ao ministro o exame de assuntos específicos. Nunes Rocha mostrou que há dez anos não se criam novos municípios no Brasil, em parte porque a Constituição exige, em seu artigo 14, que se realizem plebiscitos, e porque o Ato Complementar 46 determina o respeito à organização administrativa dos Estados, em 1968. Ao que disse, em Mato Grosso, devido à migração de gaúchos, municípios de grande extensão territorial tinham-se desenvolvido nos últimos anos e não podiam desdobrar-se.
"Havia muito abuso no passado, em torno da criação de municípios. Alguns - disse o ministro - chegaram a constituir-se não dispondo sequer de base física e apesar de serem inviáveis., isso não significa, porém, que não se permita a criação de novos municípios. Muitos Estados, hoje, têm municípios demais; outros, de grande extensão, têm de menos. Prometo estudar o problema com simpatia".
Referindo-se ao texto do AC 46, mencionado por Nunes Rocha, como impeditivo à criação de novos municípios, Falcão acentuou que "não há texto legal definitivo, porque a prática vai demonstrando a conveniência de correções. No caso em tela, acho, porém, que devemos procurar a solução que atenda aos interesses nacionais e dos Estados e municípios".
O deputado Nei Lopes, arenista do Rio Grande do Norte, pediu do ministro atenção para a necessidade de se regulamentar o artigo III da Constituição vigente, com o objetivo de se criar no Brasil o contencioso administrativo, ali previsto.
"Sei de caso de funcionários que litigaram durante 20 ou 30 anos, pleiteando pequenas vantagens" - reclamou o deputado.
"Sou a favor da idéia de regulamentação do contencioso administrativo" - respondeu o ministro. "Acho, aliás, que a Arena devia dar apoio ao projeto de regulamentação, pois, além de com isso contribuir para descongestionar o Judiciário, atingiria a classe dos servidores públicos. Nosso partido, há pouco, por ter de rejeitar projeto de emenda constitucional que reduzia o tempo de aposentadoria do funcionalismo, ficou em posição muito antipática. Se contribuir para a criação do contencioso, e se fizer grande propaganda disso, neutralizará aquela posição, pois terá beneficiado os funcionários, atendendo, por igual, à preocupação dom presidente da República, de reduzir as diferenças de tratamento social."

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