JANIO CONDECORA GUEVARA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, Domingo, 20 de agosto de 1961
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Após conferenciar com o sr. Janio Quadros, o ministro cubano "Che"
Guevara foi condecorado ontem pelo presidente da Republica com a
Grã Cruz da ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. A outorga da condecoração,
aliás, está suscitando criticas ao presidente inclusive, pelo que
se adianta, para a crise política de que é figura central o sr.
Carlos Lacerda. Em entrevista à imprensa, Guevara falou sobre a
posição assumida pelo Brasil em Montevidéu: "Foi sem duvida o maior
fator para que Cuba fosse tratada na Conferencia de Punta Del Este
como país americano". Manifestou tambem "o testemunho do agradecimento
do governo cubano pela posição do Brasil". Depois de ter almoçado
com o prefeito de Brasilia, Guevara partiu rumo a Havana ontem,
às 15 horas.
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GUEVARA
EM "VISITA DE CORTESIA" A JANIO É CONDECORADO COM A GRÃ-CRUZ
DO CRUZEIRO |
BRASILIA, 19 (FSP) "A posição adotada pelo Brasil, foi
sem duvida, o maior fator para que Cuba fosse tratada na Conferencia
de Punta del Este como país americano" afirmou nesta capital
o ministro cubano "Che" Guevara, em entrevista que concedeu à imprensa.
Acompanhado de uma comitiva de cinquenta pessoas, Guevara chegou
às 23 h 30 de ontem, procedente de Montevidéu e reencetou hoje,
às 15 horas, a viagem de regresso a Havana, após ter mantido conferencia
com o presidente Janio Quadros, que o condecorou com a "Grã Cruz
da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul". Depois da audiencia com o
sr. Janio Quadros o lider revolucionario informou que se tratara
de uma visita de cortesia, durante a qual manifestou ao presidente
"o testemunho do agradecimento do governo cubano pela posição do
Brasil em Punta del Este, alem de apresentar as saudações pessoais
do 1º ministro Fidel Castro".
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CONDECORAÇÃO |
Após a primeira parte de sua conferencia com "Che"
Guevara, o sr. Janio Quadros condecorou o com a "Grã
Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul", em cerimonia realizada
no Salão Verde do Palacio do Planalto. O presidente, de bom
humor, atendeu aos pedidos dos fotografos de mudar para dois metros
alem o local da entrega da comenda (por causa da luz) e tirou o
microfone da Agencia Nacional para um lado, facilitando-lhes o serviço.
Ao entregar a comenda, o chefe do governo brasileiro pronunciou
as seguintes palavras:
"Ministro Guevara: v. exa. manifestou em varias oportunidades
o desejo de estreitar relações economicas e culturais
com o governo e povo brasileiros. Esse é o nosso proposito
tambem. E é a deliberação que assumimos no
contato com o governo e o povo cubanos. E para manifestar a v. exa.,
ao governo de Cuba e ao povo cubano, nosso apreço, nosso
respeito, entregamos a v. exa. esta alta condecoração
do povo e governo brasileiros."
Ostentando já a comenda, o ministro cubano agradeceu:
"Sr. presidente: como revolucionario, estou profundamente honrado
com esta distinção do governo e do povo brasileiros.
Porem, não posso considerá-la nunca como uma condecoração
pessoal, mas como uma condecoração ao povo e nossa
revolução, e assim a comunicarei com as saudações
desse povo que v. exa. pessoalmente representa. E a transmitirei
com todo desejo de estreitar as nossas relações."
A cerimonia encerrou-se voltando o chefe do governo e o ministro
Guevara para o gabinete presidencial.
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ENTREVISTA |
Deixando
o sr. Janio Quadros, "Che" Guevara colocou-se á
disposição dos jornalistas, no Palacio do Planalto.
Afirmou, então, que viera "apenas testemunhar os agradecimentos
de seu governo à atitude do Brasil em Punta del Este".
Manifestou-se satisfeito, "não por mim, mas pelo que
significa para a aliança entre os dois povos", com a
condecoração de recebeu e revelou que sua audiencia
com o chefe do governo não teve resultados praticos e não
os buscava: era apenas uma visita de cortesia.
Perguntado sobre os sequestros de aeronaves ocorridos ultimamente
asseverou que Cuba nunca apoiou essas aventuras e que todos os sequestradores
se encontram presos em Havana. Lembrou tambem que o roubo de aviões
não acontece somente com os aparelhos americanos: "muitas
aeronaves cubanas - disse - têm sido desviadas de sua rota
e levadas para os Estados Unidos".
Respondendo à única questão proposta sobre
a Conferencia de Punta del Este, afirmou que Cuba não firmou
a carta porque foi excluida da Aliança Para o Progresso,
embora simpatize e apóie todos os desejos de melhor nivel
de vida que se traduzem no documento.
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INSUBORDINAÇÃO |
"Che"
Guevara quase foi recebido sem as honras militares de estilo: a
oficialidade do Batalhão de Guarda recusou-se a acatar as
ordens de formar as tropas defronte ao Palacio do Planalto, para
a execução dos hinos nacionais dos dois paises e a
revista. Durante toda a noite, segundo informações
prestadas à Folha de S. Paulo, os oficiais superiores
se movimentaram par vencer a resistencia de seus subordinados e,
finalmente, tiveram exito. Antes das 7 horas da manhã os
soldados estavam em seus postos e tudo correu normalmente.
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SEGURANÇA |
O dispositivo
de segurança para garantir o ministro cubano ficou a cargo
das autoridades brasileiras, segundo acordo entre a embaixada de
Cuba e o Palacio. Os 25 guarda-costas que viajam com "Che"
Guevara (numero divulgado extra-oficialmente) ficaram de folga.
Os policiais da Delegacia de Ordem Politica tambem não tiveram
muito preocupação. O único "incidente"
que ocorreu foi causado por eles mesmos: dois investigadores, qualificando-se
como representantes das Ligas Camponesas, entraram no apartamento
do ministro cubano durante sua entrevista coletiva à imprensa.
Os acompanhantes de Guevara ficaram de sobreaviso sobre os dois
estranhos, mas estes estavam empenhados apenas na identificação
de ideologia dos reporteres, através de suas respectivas
perguntas. Fora, no corredor, um terceiro policia trabalha para
obter os nomes dos representantes da imprensa que iam entrando.
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RAZÕES |
Durante
a entrevista que concedeu, posteriormente, no apartamento em que
se hospedara, no Brasilia Palace Hotel, Guevara disse que Cuba não
subscreveu as decisões de Punta del Este porque "não
poderia apoiar uma Aliança Para o Progresso, de que não
participa". Acentuou ainda que a declaração resultante
da conferencia "é ambigua quanto às necessidades
dos paises latino-americanos e quanto ao que se poderá fazer
em seu beneficio".
"Não obstante prosseguiu vimos com simpatia
aquela reunião, pois, pela primeira vez, Cuba teve apoio
para manter a sua posição de republica americana.
Antes estivemos sempre sós e de tal maneira agredidos, que
só poderiamos reagir de maneira violenta. Nesta conferencia,
a atitude do Brasil e tambem de outros paises puderam evitar aquelas
agressões pesadas e as tentativas de afastar Cuba do continente,
mantendo-a isolada."
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ALIANÇA
INOCUA |
"Che"
Guevara revelou a opinião de que a "Aliança Para
o Progresso não resolverá nada", uma vez que
os Estados Unidos "tentam recuperar-se perante a America Latina".
Assinalou, contudo, "dois fatos novos animadores": 1º)
os EUA "reconhecem que há situações que
é necessario enfrentar; e 2º) varios paises falaram
linguagem diferente da usual nesse tipo de conferencia".
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DILLON |
O ministro
cubano qualificou o discurso proferido pelo sr. Douglas Dillon,
no encerramento da Conferencia , como "insultante, uma inundação
de falsidades e mentiras". Acha que nesse pronunciamento o
chefe da delegação ianque procurou responder à
tese defendida pelos cubanos de que "pode existir na America
Latina paises com regimes sociais diferentes" e o sr. Dillon
"negou a coexistencia".
Insistiu em que Cuba está disposta a negociar com os EUA
"desde que mantida a igualdade de tratamento e respeito mutuo".
Depois de dizer que o seu governo já se dispõe expressamente
a isso, assinalou: "Todavia, não faremos esforço
algum. Cuba é um país soberano, livre e está
à altura dos EUA. Oferecemos negociações em
pé de igualdade. Se eles quiserem, está bem e se não,
também está bem. Cuba não se ajoelhara diante
dos EUA."
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ENCONTROU
COM FRONDIZI |
Sobre
o encontro que manteve ontem com o presidente argentino Arturo Frondizi,
em Buenos Aires, onde foi oficialmente para essa entrevista, disse
apenas que conversara sobre "problemas gerais do continente".
Recusou-se a prestar qualquer outra informação, ponderando
que "cabe ao autor do convite (o presidente Frondizi) falar
sobre o assunto". Acedeu somente em fornecer a duração
do encontro: uma hora e meia.
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ALMOÇO |
Guevara,
o encarregado dos negocios de Cuba no Brasil e mais alguns membros
da caravana cubana almoçaram com o sr. Paulo de Tarso, na
residencia oficial do prefeito. O almoço foi de apenas doze
talheres e a palestra girou em torno de política internacional
e Brasilia. Nessa oportunidade Guevara, comentando o incidente de
Montevidéu, disse que fora lamentavel e "tecnicamente
mal feito", garantindo que os planejadores não entendiam
"patavina" de atentados. Elogiando a policia exterior
de nosso país que o sr. Paulo de Tarso apresentara como "caracteristica
de Brasilia", Guevara asseverou que o continente inteiro se
estava beneficiando com ela. Ainda durante o almoço, o ministro
formulou convite para que a Juventude Democratica Cristã
visite Cuba. O convite foi aceito e os pormenores da viagem serão
concluidos atraves de oficios.
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PARTIDA |
O avião
que conduziu o ministro cubano e sua comitiva decolou de Brasilia
às 15 horas rumo a Trinidad. Guevara chegou cinco minutos
antes, de helicoptero juntamente com o prefeito Paulo Tarso, que
o levara a um passeio sobre a cidade.
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