LAMARCA MORTO NA BAHIA


Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 19 de setembro de 1971

Carlos Lamarca, considerado o mais perigoso lider terrorista no País, foi morto em tiroteio com as forças de segurança, na pequena localidade de Pintada, interior da Bahia. O encontro decisivo ocorreu há dois dias, mas somente ontem foi feita a identificação oficial do cadaver, mediante confronto com as fichas datiloscopicas.
Com base numa serie de indicios, as autoridades haviam montado no Centro-Oeste baiano ampla manobra de cerco que aos poucos foi se apertando e terminou com a localização de Carlos Lamarca e um companheiro, José Campos Barreto, em Pintada. Eles descansavam sob uma arvore e só viram os agentes de segurança quando estes estavam a 20 metros. Abriram fogo imediatamente, sem atender à ordem de rendição, mas acabaram caindo mortalmente feridos.
Quanto a Iara Yavelberg, companheira de Lamarca, revelaram as autoridades que ela se suicidou em agosto, em seu apartamento de Salvador.

Uma longa perseguição levou a Lamarca

Salvador (Do correspondente) - O ex-capitão Carlos Lamarca, chefe da organização terrorista "Vanguarda Popular Revolucionaria" foi morto no Municipio de Pintada, no Centro-Oeste da Bahia, após sustentar um tiroteio com as forças de segurança a 20 metros de distancia do local onde descansava, sem atender às ordens de rendição.
Pintada fica a 700 km de Salvador, pela BR-242.
O corpo do ex-capitão Carlos Lamarca foi trasladado para Salvador, mas sua identidade só foi oficialmente reconhecida pelas autoridades, com a chegada de sua ficha datiloscopica do Sul do País.
Com Carlos Lamarca, "morreu tambem José Campos Barreto (Zequinha), quando tentava romper o cerco do dispositivo de segurança.
As autoridades de segurança haviam montado uma operação nas zonas rurais da Bahia, especialmente entre Ibitirama, Seabra, Oliveira dos Brejinhos e Barra do Mendes, depois da prisão de um individuo conhecido apenas pelo nome de Rocha, que denunciou a formação de um "aparelho" em Brotas de Macaubas, comandado por José campos Barreto.
No mês de agosto, a ex-companheira de Carlos Lamarca, Iara Yavelberg, suicidou-se em Salvador, no seu apartamento localizado na rua Minas Gerais, 121, Pituba, apos o desbaratamento de um grupo do MR-8, quando foi capturada uma mulher identificada apenas como Solange, já enviada para a Guanabara.

A operação

O encontro das forças de segurança com terroristas registrou-se na Fazenda Buriti, em Brotas de Macaubas, quando houve as primeiras baixas: Otoniel Campos Barreto e Luís Antonio de Santa Barbara foram mortos ao reagir às ordens de prisão, e Aldorico Campos Barreto ficou ferido durante o tiroteio. Ele encontra-se hospitalizado e já fora de perigo no Hospital da Policia Militar. Na fazenda, foram apreendidos cinco revolveres e munição.
A operação já estava encerrada quando as autoridades receberam dois telegramas oriundos de Oliveira dos Brejinhos: dois elementos estranhos à comunidade, armados, ameaçavam a população à procura de alimentação. Os mesmos elementos foram vistos no ultimo dia 10 de setembro procurando um tal primo Zequinha, em Ibitirama. Os suspeitos procuraram tambem um medico, mas não foram atendidos.
Com essas informações em mãos, as autoridades armaram novo esquema para Carnauba Grande, onde os dois suspeitos foram vistos mostrando sinais de cansaço e fome, a caminho de Carnaubinha.
Mas foi em Pintada que os dois foram descobertos. Cerca de 200 metros, os agentes ficaram em silencio e se encaminharam para uma arvore frondosa, onde eles pareciam dormindo ou descansando. Um delles, ao sentir a presença dos agentes, gritou:
"Os homens estão chegando".
A uma distancia de 20 metros, foi iniciado o tiroteio.

Processos e condenações

O ex-capitão Carlos Lamarca, no mesmo dia em que morreu, fôra condenado a mais 4 anos de prisão, com suspensão dos direitos politicos por dez anos, pelo Conselho Permanente da Justiça Militar, em São Paulo. O mesmo tribunal já o condenara a 30 anos de prisão, pelo sequestro de um caminhão do Exercito; e sua fuga do quartel de Quitauna, com armas, fôra punida com outros 24 anos de prisão.
Ele respondia ainda a diversos processos, inclusive os do assassinio do tenente PM Alberto Mendes Junior, em Registro, e do sargento da PE da Guanabara, Elias Santos.
Carlos Lamarca sentou praça no Exercito a 1.o de abril de 1955, e em dezembro de 1960 passara a aspirante a oficial. Foi promovido a 2.o tenente um ano depois; em 1963 era 1.o tenente e no dia 25 de agosto de 1967 chegava a capitão. Seu nome entrou nos noticiarios quando foi designado para treinar em tiro as funcionárias de um banco.
Desertou e foi expulso das fileiras do Exercito a 10 de abril de 1970, por decreto do presidente da republica, com base no AI-5, "por ter cometido atos de natureza desonrosa à dignidade militar".

Ultima sentença: 4 anos

Após oito horas de sessão secreta, anteontem à noite, o Conselho Permanente de Justiça Militar da 1.a Auditoria, em São Paulo, condenou Carlos Lamarca, Tilma Vania Vinhares, Claudio de Sousa Ribeiro e Fernando Mesquita Filho a 4 anos de reclusão, com suspensão dos direitos politicos por 10 anos, pela participação na VAR-Palmares.
João Batista de Sousa foi condenado a 12 anos, com remessa de cópias do processo ao procurador, por haver indicios de outros crimes; Benedito Antonio Ferraz, a 2 anos; Gilberto Martins Vasconcelos, Carlos Galvão Bueno, Ana Maria Gomes da Silva, a um ano de reclusão; Natael Custodio Barbosa, a 6 meses, Paulo Cesar Xavier Ferraz, a 15 meses; José Olavo Leite Ribeiro a 15 meses; Idoian de Sousa Rangel, a um ano; Maria Joana Teles Cubas, a seis meses; Joaquim Venturini Filho, a 18 meses; João Roaro Filho, a um ano; Carlos Saverio Ferrante, a 15 meses; Antonio Francisco Xavier, a 15 meses; Alfredo Nozumo, a 18 meses; Pedro Camargo, a 15 meses; Reinaldo Antonio Carcarolo, a 15 meses; Iara Yavelberg, a 15 meses; José Claudio Teles Cubas, a 2 anos e perda dos direitos politicos por 10 anos; Claudio Galeno de Magalhães Linhares, a 15 meses; Manuel Henrique Ferreira, a 15 meses; e Carmem Lisboa , a 15 meses.

Parlamentares comentam

A proposito da noticia da morte do terrorista Carlos Lamarca, o senhor Eurico Resende, vice-lider da ARENA no Senado, declarou em Brasilia:
"Não se deve, obviamente, manifestar regozijo diante de um fato dessa natureza, embora os terroristas o façam, quando obtêm exitos na covardia de suas violencias".
O senador Eurico Resende, que foi dos primeiros a receber nesta Capital ontem à tarde a confirmação, ainda oficiosa àquela altura, da morte de Lamarca, acrescentou:
"Mas, não se pode negar que o episodio agora verificado oferece uma sensação de alivio na sociedade brasileira. E vale para comprovar, mais uma vez, que o governo está atento e perseverante no combate ao passionalismo predatorio e homicida da subversão, ampliando e consolidando a confiança da opinião, na ação firme e patriotica de nossas autoridades".
Em São Paulo, ao tomar conhecimento da morte de Carlos Lamarca, o deputado Adolfo Oliveira, ex-secretario-geral do MDB e um dos principais articuladores do futuro Partido Democratico Republicano, afirmou que aquele lider terrorista "chegou ao unico fim a que leva o terrorismo", acrescentando que "possivelmente, sua morte tenha assinalado o fim deste tipo de atividade subversiva, que contraria todos os sentimentos, tradições e a propria indole do povo brasileiro".

O ultimo dialogo

Segundo depoimento da equipe que localizou Carlos Lamarca, foi travado o seguinte dialogo antes de o lider terrorista expirar:
Agente federal - "Quem é você?"
Lamarca - "Carlos Lamarca".
Agente Federal - "Você sabe o que aconteceu com a Iara?"
Carlos Lamarca - "Sei. Ela se suicidou em Salvador."
Agente Federal - "Onde estão sua mulher e seus filhos?"
Carlos Lamarca - "Estão em Cuba".
Agente Federal - "Você sabe que é um traidor da Pátria?"
A esta pergunta, Carlos Lamarca procurou fazer um movimento com a cabeça, mas não chegou a responder, expirando em seguida.

Depoimentos

Ainda de acordo com depoimento da propria equipe que localizou Lamarca, foram historiados os seguintes fatos:
"As autoridades federais da Bahia prenderam no dia 6 de agosto ultimo o terrorista de nome "Rocha". Através dele, conseguiram localizar e estourar um aparelho dentro da cidade de Salvador, na rua Minas Gerais, bairro da Pituba. Do estouro desse aparelho, resultaram duas prisões, que culminaram com o suicidio de Iara Yavelberg, amante de Lamarca, que estava naquele "aparelho" e conseguira passar para outro apartamento após pular um muro da area de serviço. Nesse apartamento, ela suicidou-se com um tiro de revolver calibre 38 no coração, dentro do banheiro da empregada. Ainda através do subversivo "Rocha", os orgãos de Segurança conseguiram chegar a um "aparelho" na zona rural na localidade de Brotas de Macaubas. Esse aparelho foi cercado e os terroristas que lá se encontravam sairam da casa atirando. Dois foram mortos e um ficou ferido. Aliás, um dos mortos era irmão do terrorista conhecido por "Zequinha" que morreu agora juntamente com Lamarca. O que ficou ferido também é irmão de "Zequinha".
"As autoridades continuaram vasculhando aquela area numa operação que vinha sendo considerada das mais demoradas uma vez que Lamarca não era encontrado. Muitos agentes federais receberam ordem de retornar as suas bases. Após isso, novos informes deram conta de que havia dois elementos suspeitos armados acuando a população, com ameaças para conseguir, particularmente, alimentos. Nesse interim Carlos Lamarca e "Zequinha" já haviam sido identificados, quatro equipes de agentes deslocaram-se para aquela região, a fim de seguir as pegadas dos dois terroristas, baseando-se em informações de elementos da população local, que muito colaboraram com as autoridades.
"Os dois terroristas, percebendo a perseguição, começaram a se deslocar em demasia para despistar os agentes federais e desacreditar as informações dadas pela população. Numa hora, Lamarca era visto em determinada localidade e noutra hora a 70 km de distancia numa area completamente diferente. Verificados esses informes, foram constatados a sua veracidade e as autoridades passaram a se movimentar em areas mais desertas e em velocidade igual à dos terroristas.
"Anteontem, na localidade de Pintada, chegou uma equipe de agentes, deixando nesse local apenas uma viatura com o motorista. Os outros três elementos da equipe se deslocaram para uma outra localidade chamada Canabrava. No meio do caminho, encontraram outra equipe que vinha de Canabrava, que informou que naquela localidade não havia absolutamente nada. A primeira equipe, então regressou para Pintada. Quando chegava perto da viatura, o motorista fez um sinal de silencio aos seus companheiros apontando dois elementos que descasavam à sombra de uma arvore, aparentemente dormindo. A equipe foi se aproximando deles (dos terroristas), disposta a predê-los, quando um deles, que era o "Zequinha", percebeu a aproximação da equipe a uma distancia de 20 metros e gritou para Lamarca:
"Os homens estão chegando".
"Aí, os dois sacaram as armas. Houve tiroteio e Carlos Lamarca e Zequinha morreram no local.
"Lamarca sabia que Iara tinha se suicidado e antes de morrer confessou ser Carlos Lamarca e que sua verdadeira esposa e dois filhos menores estavam em Cuba."

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