LÍDERES DECIDEM HOJE SE REFORMA DA CARTA CONTINUA


Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 1993

Os líderes na Câmara e no Senado se reúnem hoje às 10h para decidir se a revisão constitucional continua. Os partidos contrários à reforma da Carta usam as denúncias de corrupção para tentar impedir os trabalhos. Os outros partidos insistem na revisão. O ex-presidente José Sarney, senador pelo PMDB do Amapá, acha que faltam condições políticas ao atual Legislativo. "O Congresso vive a sua maior crise dos últimos anos", disse. O presidente Itamar Franco também tem essa opinião.

Editorial

Única saída

Que não se confunda a instituição do Legislativo com as pessoas que a compõem. A humanidade ainda não soube inventar um sistema político melhor que o democrático -apesar de todas as suas imperfeições- e este não pode prescindir de um Parlamento.
De fato, a extensa série de episódios imorais e/ou ilegais envolvendo congressistas, agora acrescida pelo vergonhoso escândalo do Orçamento, ameaça dar ensejo a teses estapafúrdias e inaceitáveis como a do fechamento do Legislativo. Por maiores as barbaridades que alguns de seus membros estejam a cometer, impedir o trabalho do Parlamento é calar a voz da nação e sepultar a democracia, pela qual este país tanto lutou.
O correto respeito à instituição não pode contudo servir de pretexto para a conivência corporativa com indivíduos que eventualmente tenham cometido crimes brandindo sua privilegiada condição de representantes da população. A apuração rápida e precisa de todos os fatos denunciados e a exemplar punição de estelionatários do mandato popular e seus agregados -se há um corrupto, existe um corruptor- é o mínimo que a nação exige daqueles que são seus representantes sadios. Menos do que isso equivaleria a co-participar das irregularidades perpetradas por seus pares, dando ainda maior força à perversa tentativa de desmoralização do Parlamento, que tem como efeito encorajar os inimigos da democracia a arriscarem alguma espécie de aventura irresponsável.
Cabe portanto aos bons congressistas mostrar que o Parlamento trabalha em favor do país e não de inconfessáveis interesses corporativos. Cabe aos bons congressistas mostrar que a democracia funciona e é capaz de superar as crises sem fugir às regras estabelecidas. Qualquer outra saída é inaceitável.

Crise no Congresso e Itamar agitam o dia em Brasília

CPI vai investigar fraudes no Orçamento; Itamar aceita redução de mandato

JOSIAS DE SOUZA
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

O mesmo Congresso que derrubou o ex-presidente Fernando Collor de Mello foi posto na berlinda. Instala-se hoje uma CPI para investigar suspeitas de fraudes e subornos na Comissão de Orçamento, definida pelo ex-presidente e atual senador José Sarney como "coração do Congresso".
Um comentário do presidente Itamar Franco turvou ainda mais um ambiente político. Em diálogo com seu líder no Senado, Itamar disse que não se opõe à convocação de eleições gerais, abrindo mão de um ano do seu mandato, caso deputados e senadores façam o mesmo.
O economista José Carlos dos Santos, pivô de toda a confusão, foi transferido ontem para o presídio da Papuda, o mais seguro de Brasília. Preso sob as acusações de assassinato, tráfico de drogas e estelionato, José Carlos, ex-diretor do Departamento de Orçamento da União e ex-assessor da comissão de Orçamento do Congresso se considera um "arquivo ambulante" e teme ser morto.
Envolvidos no torvelinho de denúncias, os ministros Henrique Hargreaves (Gabinete Civil) e Alexandre Costa (Integração Regional) entregaram seus cargos a Itamar, que não decidiu se aceita. O deputado Ricardo Fiuza (PE), outro envolvido, renunciou à vice-presidência do PFL. José Luiz Maia (PI), em situação idêntica, abdicou da liderança do PPR na Câmara. Humberto Lucena, presidente do Senado e da revisão, disse que não se afastará de suas funções.

Congresso atual não deve fazer revisão, diz Sarney

Para ex-presidente, a sociedade não acredita mais nos parlamentares

JOSIAS DE SOUZA
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

O senador José Sarney (PFL-AP) acha que o atual Congresso não reúne mais condições políticas para fazer a revisão constitucional. "Para obedecer as leis aprovadas pelo Congresso, a sociedade precisa acreditar nos legisladores, o que não acontece agora. O Congresso vive a maior crise dos últimos anos", disse ontem à Folha o ex-presidente da República.
A opinião é compartilhada pelo presidente Itamar Franco. No último domingo, ao desembarcar na Base Aérea de Brasília, proveniente de Buenos Aires, Itamar revelou seus temores de ameaça à revisão constitucional em diálogo com o presidente da Câmara, Inocêncio de Oliveira (PFL-PE). "Será que vai dar?", perguntou. Inocêncio disse que sim.

Renegociação

"A crise atual atinge o coração do Congresso, que é a Comissão de Orçamento", afirmou Sarney. "Para dar curso à revisão, seria necessário dar uma satisfação à sociedade num prazo muito curto, 20 dias no máximo, o que é impossível. A revisão está comprometida". Com sua nova posição, o ex-presidente se transforma no mais forte aliado, ainda que involuntário, dos "contras", partidos que se opõem à realização da revisão, encabeçados pelo PDT e pelo PT.
Na opinião do ex-presidente, que mantém sob sua zona de influência cerca de 30 parlamentares, os líderes políticos serão obrigados a renegociar a revisão constitucional.

Bola de neve

Sarney receia que as investigações em torno da Comissão de Orçamento se transformem numa imensa bola de neve. O ex-presidente defende que se busque um grande acordo. "Pelo mundo afora as Constituições são símbolos da estabilidade, fruto de grandes consensos. Aqui, virou motivo de brigas. É preciso acabar com isso", afirmou.
A pergunta sobre se a estabilidade política do país está ameaçada, Sarney dá resposta que comporta as mais variadas interpretações: "As lideranças precisam atentar para o fato de que caminhamos para a tragédia nacional. Está comprovado que a democracia brasileira não morre de infarto, mas pode sucumbir diante da sequência de pequenas doenças", diz ele, em tom grave.
"A prova de que Deus é brasileiro está no fato de que, no momento, nenhum grupo organizado está ameaçando a estabilidade das instituições. Mas é preciso ter cuidado", ameniza ele em seguida.

Cuidado com a histeria

Gilberto Dimenstein

BRASILIA - Ao contrário do que a imensa maioria das pessoas está dizendo (algumas delas sem a menor autoridade moral), esse escândalo da Comissão do Orçamento é mais do que um sinal de deterioração da política e dos políticos. É um sinal de vitalidade da democracia brasileira. Leitor: cuidado com a histeria, capaz de ajudar aventureiros.
Não é de hoje que surgem insinuações e denúncias sobre a Comissão de Orçamento, apontada como um mercado persa, onde se negocia o que, à luz do dia, seria inegociável. Abriu-se, agora, mais uma chance de se fazer uma dedetização, aperfeiçoando os controles sobre os recursos público e o assalto provocado pelo conluio entre políticos e empreiteiros.
O Congresso tem dois caminhos: 1) topar a dedetização e, assim, valorizar-se diante da opinião pública. O que, no mais, serve para valorizar o Legislativo e, portanto, a democracia; 2) acoelhar-se diante do "espírito de corpo" e produzir uma comissão de inquérito que não chega a nenhuma conclusão. E, aí, mais uma vez fortalecer a visão de que todo político é pilantra.
Um inquérito sério será, claro, um processo doloroso. Sabe-se lá onde vai parar quando se começar a investigar quem recebe ajuda questionável por ajudar essa ou aquele emenda não apenas dentro mas também fora da Comissão de Orçamento.
Mas é assim mesmo que se vai melhorando a representação política, quebrando as camadas de aço da omissão, conivência e impunidade. Honestidade não é só um compromisso moral, mas um processo contínuo de fiscalização.
Quem está realmente preocupado com a educação para a cidadania -ou seja, para a democracia- não deve manipular, buscando o aplauso fácil. Claro que dá dividendos chamar todo "político de ladrão". Mas é mentira. Como é falso dizer que todo médico é charlatão, todo jornalista mentiroso ou todo empresário sonegador.
A diferença é que, por mais que ataquem os médicos, mesmo injustamente, nunca se acabará com a medicina. Mas a histeria contra os políticos pode acabar, como tem acabado em muito lugares, com a democracia.

Eleições já

Clóvis Rossi

SÃO PAULO - Se eu fosse o presidente Itamar Franco, encaminharia ao Congresso Nacional proposta de emenda constitucional do seguinte teor:
1) Antecipação das eleições gerais para janeiro ou no máximo fevereiro de 1994. Posse dos eleitos em 90 dias.
2) Convocação de um Congresso Revisor exclusivo. Prazo máximo para passar a limpo a Constituição: também 90 dias. Depois, esse corpo legislativo especial se dissolveria. Seriam permitidas candidaturas avulsas para dar chance de eleição a personalidades importantes para uma boa revisão, mas que dificilmente se animariam a entrar no jogo político convencional.
Justificativas:
a) O Legislativo está deslegitimado para a revisão. É verdade que, mesmo se verdadeiras, todas as denúncias feitas até agora não atingem mais do que 50 ou 60 nomes, o que dá uns 10% do Parlamento. Mas, aos olhos do público, os demais não são inocentes. Apenas não foram apanhados. É injusto, tremendamente injusto, mas é assim.
b) O Executivo, em seus 13 meses de gestão, já demonstrou que não consegue pôr de pé o que quer que seja. Pode ser incompetência (o que é matéria opinável), mas é certamente inviabilidade de se formar um eixo político razoavelmente homogêneo e suficientemente forte.
Imaginar que a crise brasileira vá se resolver na maciota, que as peças irão se encaixando por inércia, é acreditar em Papai Noel. Esperar até 1995 para entregar a República a um novo governo e a um novo Parlamento, torcer para que o atual desate ao menos alguns dos nós que estrangulam o país e supor que, dos novos Executivo e Legislativo, sairão respostas rápidas (já nem digo boas) é evidenciar um otimismo que a história recente desmente com a maior veemência.
A crise exige remédios heróicos. Ou se faz algo como o delineado acima ou se inventa alguma outra extravagância ou se corre o sério risco de que o remédio heróico venha por meios não-democráticos. Ou, na melhor das hipóteses, o país continuará andando em círculos.


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