CONGRESSO NACIONAL

As eleições de Amanhan

A representação paulista

Publicado na Folha da Noite, sábado, 19 de fevereiro de 1921

Neste texto foi mantida a grafia original

Os candidatos avulsos

Realisam-se amanhan, em todo territorio da Republica, as eleições dos representantes dos Estados ao Congresso Nacional.
Para a representação de São Paulo a Commissão Directora do Partido Republicano Paulista apresentou à reeleição os congressistas da ultima legislatura. São elles: para senador federal, o sr. dr. Adolpho Affonso da Silva Gordo; para deputados federaes, pelo 1o districto, os srs.: dr. Antonio Carlos de Salles Junior, dr. Carlos Augusto Garcia Ferreira, dr. Cincinato Cesar da Silva Braga, dr. Francisco Ferreira Braga, dr. José Roberto Leite Penteado, e dr. Raul Renato Cardoso de Mello; pelo 2o districto, os srs. dr. Alberto Sarmento, dr. Cesar Lacerda de Vergueiro, dr. Eloy de Miranda Chaves, dr. Joaquim Augusto de Barros Penteado, cel. Marcolino Lopes Barreto e dr. Prudente de Moraes Filho; pelo 3o districto, os sr. drs. Arthur Palmeira Ripper, João de Faria, João Pedro da Veiga Miranda, José Manuel Lobo, e Raphael de Abreu Sampaio Vidal, e pelo 4o districto, os srs. drs. Arnolpho Rodrigues de Azevedo, Carlos de Campos, Francisco de Paula Rodrigues Alves Filho, Manuel Pedro Villaboim e Pedro Luiz de Oliveira Costa.
Apresentaram-se candidatos extra-chapa, para senador, o sr. dr. Nicolau Soares do Couto Esher, e, deputados pelo 1o districto os srs. drs. Rubião Meira e dr. Amaral Carvalho.

O que nos disse o dr. Couto Esher

Entre os candidatos que se apresentaram extra-chapa à representação de S. Paulo, encontram-se dois médicos, residentes nesta capital: os srs. drs. Nicolau Soares do Couto Esher e Rubião Meira.
Hontem à tarde, procurámos no seu consultorio o sr. dr. Couto Esher, que pleitea a sua eleição à renovação do terço do Senado. S. s. attendia, quando chegamos, a alguns pedidos de cedulas.
Pouco depois, o sr. dr. Couto Esher nos falava sobre a sua candidatura:
- "Pouca coisa, muito pouca tenho a dizer-lhe. Nos meus artigos, publicados na secção livre do "Estado de São Paulo", já explanei os motivos que me levaram a apresentar a minha candidatura. Não conto com a victoria, mas ha derrotas que são honrosas.
Em materia de costumes politicos, os nossos deixam ainda muito a desejar. Os partidos apresentam os nomes dos seus candidatos e as collectividades, quando não votam por determinação de alguem, abstem-se do seu direito de voto.
A minha candidatura, como qualquer candidatura avulsa, trará o benefício da pratica das verdadeiras normas democraticas. Talvez os esforços de hoje sirvam de muito para a nossa educação politica até que aos poucos, nos acostumemos a votar independentemente das chapas officiaes...
- E quanto ao seu programma? indagámos.
- O meu programma, como representante de S. Paulo no Senado Federal, seria pugnar pelos interesses de S. Paulo como da Republica, procurando estabelecer o verdadeiro regimen republicano. Não sou candidato de nenhum partido ou facção politica. Sou mesmo contrario à apresentação dos candidatos por partidos, como também às reeleições dos representantes do povo. O "voto secreto", desde que fosse estabelecido, viria remediar sensivelmente o actual estado de coisas.
- E as possibilidades de victoria? perguntamos a s. s., que nos falava com clareza de linguagem e calmamente.
- As probabilidades são poucas, quasi nenhuma. Todavia, como já lhe disse, eu não procuro resultado immediato, e como já sou edoso é bem provavel que não venha a provar os frutos da minha campanha.
Depois de mais algumas palavras, despedimo-nos do sr. dr. Couto Esher, por quem esperavam varias pessoas que haviam chegado ao seu consultorio emquanto s. s. palestrava comnosco.


O que nos disse o dr. Rubião Meira

Despedindo-nos do dr. Couto Esher, fomos procurar o dr. Rubião Meira em seu consultorio da rua Libero Badaró. Recebeu-nos com muita gentileza, e sabedor das nossas pretenções o distincto clinico promptificou-se immediatamente a attender-nos. Como, porém, naquella occasião reclamassem a sua attenção innumeros amigos e admiradores que o esperavam, provavelmente para combinar medidas sobre o pleito, solicitamos-lhes que mais tarde, quando pudesse dispensar um momento do seu preciso tempo nos mandasse dizer o que de interessante pudesse referir-nos sobre a luta em que se empenhou, aos leitores da Folha da Noite.
Com a mesma gentileza com que nos acolhera, accedeu o dr. Meira ao nosso pedido, fazendo-nos as seguintes declarações:
"Sou candidato pelo 1o districto - disse-nos o dr. Rubião Meira - a uma cadeira de deputado. E candidato independente. Bato-me sozinho, com o apoio de amigos, que muito me elevam com sua confiança, contra o baluarte do P. R. P. Não tenho illusões sobre o desfecho da eleição. Mas, tenho a coragem precisa e a independencia bastante, para atirar-me contra essa muralha impenetravel, que não percebe o marulhar da revolta do povo, que se quebra diante do seu poderio. O povo que paga os impostos pesados, o povo que é quem directamente sustenta os cofres da nação, não lhe merece a minima consideração. Não tem o direito de escolher seus representantes. Não lhe cabe à assistencia mesma de conhecer aquelles que devem agir em seu nome. As muitas pessoas perguntadas sobre o valor de candidatos impostos ignoram se existem na columna dos vivos. São meros parasitas do thesouro. Têm com certeza merecimentos. Mas, não os deixam ver. Nunca se interessaram por uma questão que pertence ao povo que os elege. Infelizmente a maioria do eleitorado é composta daquillo que se chama em linguagem especial "de cabestro". Votam em quem manda um chefete qualquer e outros desconhecidos, que por sua vez votam em quem manda um chefão.
E, assim é que sáem representantes do povo, uns e outros individuos, muito illustres e distinctos ignorados. E ahi estão os deputados feitos. É um vexame imposto ao eleitor. É uma vergonha calamitosa na época que atravessamos. Outrora ainda havia uma pequena força, que desta vez não houve. Consultavam-se os directorios e estes indicavam os candidatos que a Commissão do P.R.T. já havia indicado. Era mera reunião que sanccionava a ordem vinda do alto. Era um arremedo de democracia. Era uma mascarada, verdadeira palhaçada, mas que lançava a poeira nos olhos do povo "bestificado". Elles "epatalent les bourgecis". Vinham os votos, haviam vencido, mas a "família republicana" continuava unida. Dava-se uma satisfacção aos espiritos mais intransigentes. Havia um murmurio de descontentamento em algum derrotado na "prévia" mas a amostra de um osso descarnado apasiguava o início da revolta. Desta vez porém o processo foi outro. Não houve necessidade de consulta a directorios. Elles de nada valem. Caminhamos, em materia de democracia. Pise-se de uma vez nesse povo sem coragem, nesse povo fraco e sem defesa.
Façamos a reeleição. Os deputados que terminaram o mandato muito mereceram. Votaram o orçamento! Eis o seu grande valor. Tiveram a coragem de votar o orçamento! Que mais quereis, ó povo de imbecis, pergunta a Commissão Directora? De que mais necessitaes? Que vos falta? E assim estamos amanhan com os mesmos illustres deputados para votarem os orçamentos. Se não fosse a tristeza que deve mergulhar a alma dos patriotas era caso para uma bôa gargalhada, à moda de Homero. Mas, o momento é triste. É de amarguras e incertezas. Não devemos rir. Devemos reagir. E, que melhor reacção que o voto, em candidato independente, em candidato que, como eu, tem a coragem necessaria para afrontar esse partido - sem idéas nem princípios - esse partido que se não bate pelo interesse do povo, mas só enxerga o interesse da posição - esse partido que colloca S. Paulo em situação de mendigo, quando deveria estar figurando como gigante na representação nacional? É essa reacção que eu quero e desejo. É essa manifestação da vontade popular que eu peço. Não importa que eu seja vencido. Não tenho ambições. Eu represento neste pleito um princípio - o da representação genuina do eleitorado. Commigo está sua parte san. Commigo estão os elementos nobres dessa massa eleitoral que amanhan deve ser suffocada pelo capachismo politico. Não cahirei, porque os ideaes nunca baqueam definitivamente. Podem ser suffocados pelos gazes asphyxiantes da podridão política, mas hão de resurgir encarnados em outro homem, para a victoria de verdade. Havemos de triumphar. Que não seja amanham, mas ha de ser um dia!
É confiante nesse ideal augusto que me proponho amanhan ao pleito. É lançar a primeira pedra do edificio de democracia, numa republica de mais de 30 annos.
Fala-se nos "Estados escravisados do norte". Mas quereis escravisação maior que a nossa? Fala-se em oligarchias no norte. Quereis mais oligarchia que em S. Paulo? Em S. Paulo, onde o direito de voto é cerccado, onde a Mallat trabalha, onde se espera o resultado de Xiririca, Apiahy, Iporanga, para abater a eleição de um candidato que a capital elege? Unamo-nos que havemos de atirar pelos ares essa mistura de incongruencias e incongruentes que se chama P. R. P. Elle esquece-se da historia. Joga com a opinião publica como uma criança com um bilboquet.
Mas olvida os ensinamentos. A Bastilha tambem era invulneravel. Mas, tombou um dia igualmente, sob a pressão do povo. Não se brinca com a opinião popular, porque é ella quem governa os governos.
E, não está longe o dia em que a victoria dos espiritos independentes ha de ser cantada. Ha de soar a trombeta de combate e as muralhas hão de cahir."

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