ROTA INVADE "FOLHA", NA PERSEGUIÇÃO


Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 18 de agosto de 1981



Quatro policiais da Rota, um deles apontando o revólver, perseguiram o funcionário da "Folha" E.A.P., de 16 anos, dentro do próprio prédio da empresa, por volta das 16 horas de ontem. E.A.P., que é mensageiro da "Folha", voltava de uma agência do Correio, na alameda Barão de Limeira, e a menos de uma quadra do jornal passou por uma viatura da Rota, sendo perseguido. O rapaz foi alcançado à porta do elevador, onde os policiais, com a arma apontada, o revistaram. Depois, um policial cheirou as mãos do mensageiro, dizendo: "Tudo bem, pode ir embora". Em seguida, os policiais se retiraram do prédio do jornal.

EDITORIAL — REFÉNS DA POLÍCIA


Um grupo de policiais militares invadiu, ontem à tarde, o prédio deste jornal. Eram quatro soldados a perseguir um adolescente de 16 anos que serve a esta empresa como contínuo. Após encurralar o jovem dentro do prédio, os PMs o revistaram sob a mira de um revólver. A perplexidade dos servidores da portaria da empresa foi tal, a ponto de paralisá-los até para anotar as placas do carro policial de que se serviam os soldados na sua caçada humana. Como entraram, os policiais saíram —sem qualquer satisfação e sem que se saiba, até agora, por que razão perseguiam o rapaz.
Trata-se de uma clara, brutal, violenta e ilegal invasão de propriedade —atrabiliária por todos os títulos.
Para evitar situações opressivas como a descrita acima, num passado ainda recente, a Nação, pela sua sociedade civil, empenhou-se rigorosamente na derrogação da legislação excepcional da qual o Ato 5 era instrumento mais odiento.
No domingo, anteontem, outra cena de extrema densidade em violência e brutalidade se deu no estádio do Canindé, aí atingindo a torcida do Santos Futebol Clube, que disputava uma partida contra a Portuguesa de Desportos. A pretexto de serenar os ânimos dos torcedores, os soldados fizeram uma demonstração de selvageria, espancando como não se faz com animais danados, e indiscriminadamente, todos quantos lhes aparecessem pela frente. A imprensa, documentando os fatos, que puderam ser vistos, inclusive fotograficamente, na nossa edição de ontem, acabou sendo também vítima das arbitrariedades, com a apreensão de um filme desta "Folha".
Assim, em apenas dois incidentes —e estes, envolvendo policiais e a sociedade, vão se tornando incontáveis diariamente— soldados da Polícia Militar desrespeitavam toda e qualquer regra de convívio, ao se voltarem contra um grupo de torcedores indefesos e inocentes de qualquer crime ou contravenção e agrediram a propriedade privada, ao invadir da forma mais ilegal e brutal o prédio deste jornal.
Os policiais agem como se fossem donos e senhores do território e das pessoas que nele vivem, colocam-nos a todos como prisioneiros dentro de nossas cidades e, agora dentro de nossas casas também, que podem ser invadidas a qualquer momento e sob pretextos que não chegamos a conhecer, pois não se sentem como quem tem satisfação a prestar.
Os cidadãos comuns, que se divertem e que trabalham, sentimo-nos como reféns da Polícia, como sequestrados pelo Estado.
A quem podemos recorrer num momento em que somos vítimas de tal brutalidade? Vai se tornando difícil saber a quem apelar quando os órgãos policiais demonstram tamanha desenvoltura, comportam-se como pessoas e como instituição acima de qualquer lei ou controle.
Resta, no entanto, a esperança de que o sr. governador do Estado cumpra o seu dever, tomando, tanto para um caso como para o outro, as providências que o caso requer. Que são urgentes e não podem se esgotar na tradicional promessa da rigorosa sindicância, respostas que vão se tornando como que um atestado de que tudo continuará como está.


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